Ministério assume posição clara a respeito dos pisos constitucionais. Mas mídia comercial continua a dizer que o governo “estuda” reduzi-los – utilizando-se de supostas falas, cujos autores são mantidos no anonimato
por Gabriel Brito – Sexta, 14 de junho de 2024
No momento em que este boletim é fechado, a capa do site da Folha de S. Paulo ostenta a manchete: “Fazenda estuda limitar a 2,5% crescimento real dos pisos de saúde e educação”. O jornal a atribui “um integrante da equipe econômica”, que não identifica. Nesta segunda-feira (10/6), contudo, a conversa foi totalmente distinta. Representantes da Frente Pela Vida, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), profissionais e pesquisadores de saúde vinculados ao SUS estiveram em Brasília para audiência com o Ministério da Fazenda.
Não foram recebidos pelo ministro Fernando Haddad, mas por dois assessores: Ana Patrizia Gonçalves Lira, subsecretária de Acompanhamento Econômico, e David Athayde, subsecretário do Tesouro Nacional. O tema do encontro era claro: dirimir dúvidas a respeito da garantia do investimento mínimo de parcela da receita de impostos em Saúde e Educação (os chamados “pisos constitucionais”). Os movimentos do setor acompanham, com preocupação, a notícia de que tais valores estariam sob risco, em função das restrições orçamentárias impostas pelo o Novo Arcabouço Fiscal.
O dispositivo, aprovado em 2023, põe em risco os pisos constitucionais, ao criar um teto de crescimento para os chamados gastos sociais, limitado a 2,5% ao ano. Como Saúde e Educação, incluídos nestes gastos, têm investimentos mínimos estabelecidos, as outras áreas, não protegidas, estariam ameaçadas. A suposta “inevitabilidade” dos cortes ganha amplificação na mídia, favorável a uma “austeridade fiscal” que beneficia os rentistas.
A delegação da Frente pela Vida foi composta, entre outros, por Túlio Franco, da Frente pela Vida, Fernando Pigatto, do CNS, e Elda Bussinguer, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética. Após o encontro, eles comemoraram. “Segundo os representantes da pasta, não há nenhuma intenção ou estudo por parte do Ministério da Fazenda em relação à desvinculação ou redução dos valores dos recursos constitucionais da saúde”, resumiu o Conselho Nacional de Saúde em nota oficial.
Mais do que uma garantia, a reunião significou uma abertura de canal direto com quem define os rumos orçamentários do país, meses antes da apresentação da proposta de Lei Orçamentária Anual para o ano de 2025. A garantia do ministério também é uma boa notícia para a Educação pública, que luta pela mesma garantia. No caso da Saúde, a Constituição define a aplicação de ao menos 15% das Receitas Correntes Líquidas da União; para a Educação, 18% da Receita Líquida de Impostos.
“São dois aspectos centrais: o primeiro foi a afirmação taxativa e objetiva dos dois interlocutores da Fazenda de que não há nenhuma intenção ou estudos para desvinculação ou redução dos recursos constitucionais para a saúde”, afirmou Túlio Franco, que falou ao Outra Saúde também em nome dos outros presentes e signatários da nota do CNS.
Para além da discussão econômica, Túlio também considera uma vitória a ponte com o ministério mais ideologicamente cercado pelo mercado, sua imprensa e expressões máximas do poder econômico no país. “Estabelecemos um canal de conversa com a Fazenda, agora temos possibilidades de fazer consultas e trocar informações relevantes – importante por demonstrar que o ministério está disposto a conversar com o movimento social”, completou.
O diálogo é importante, porque “sabidamente, o SUS tem uma história de subfinanciamento”, destacou nota emitida pela Frente pela Vida. Ela foi “agravada pela perda de recursos nos governos que antecederam este, sendo que a Emenda Constitucional 95/2016 fez o Ministério da Saúde perder mais de R$ 70 bilhões no período 2018-2022”. Acrescenta: “ao mesmo tempo, aumentam as necessidades da população, e a contínua e necessária qualificação e expansão dos serviços. Inclusive a emergência climática atual eleva a frequência de desastres ambientais, e consequentes crises sanitárias, com aumento da pressão por serviços de saúde”.
Ou seja: num momento em que o Rio Grande do Sul foi devastado por um evento climático de novo tipo e que pelo menos 300 estabelecimentos de saúde foram afetados, é pertinente lembrar que o piso é apenas o patamar mínimo de financiamento. No Brasil, a racionalidade neoliberal de Estado parece ter embotado a discussão a tal ponto que piso é tratado como teto.
“Solicitamos que o governo brasileiro mantenha a Emenda Constitucional 86/2015 tal como está, que destina 15% das receitas correntes líquidas ao SUS. Tal proposta é compatível com as diretrizes aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2023 em Brasília”, conclui a Frente Pela Vida.
A reunião desta segunda não assegura tranquilidade total. As pressões dos que desejam reduzir os serviços públicos – e estimular a privatização – prosseguirão. Isso num momento em que, aparentemente, a “disputa pelo orçamento” se amplia – como evidencia, a série de greves que começa a eclodir no serviço público. Após a longeva paralisação das universidades federais, com a qual o governo continua negociando com dureza, há sinalização de movimentos de greve no IBGE e na Eletrobrás.Por ora, o SUS conquistou uma vitória. O governo atendeu ao chamado de Francisco Funcia, da Associação Brasileira de Economia da Saúde, presente ao encontro, que em setembro passado já antevia o quadro político ao afirmar: “esperamos que o governo federal, especialmente a área econômica, abra um espaço para escutar a posição do campo da saúde, daqueles que estão defendendo a luta contra o subfinanciamento do SUS, que é histórica e vem desde a Constituição de 1988”.
Fonte: Outra Saude / Créditos: Conselho Nacional de Saúde