Genivaldo tinha 38 anos, era negro e tinha esquizofrenia. Ele foi morto após policiais soltarem uma bomba de gás lacrimogêneo e spray de pimenta dentro do porta-malas da viatura em que foi colocado após abordagem.
(FOLHAPRESS) – A família de Genivaldo de Jesus Santos, morto por asfixia dentro de uma viatura na última quarta-feira (25) em Umbaúba (101 km de Aracaju), diz considerar que o racismo contribuiu para uma ação truculenta da Polícia Rodoviária Federal e foi determinante para a sua morte.
A reportagem conversou nesta terça-feira (31) com a viúva, a irmã e o sobrinho de Genivaldo. Os três prestaram depoimento à Polícia Federal na sede do Fórum de Umbaúba, cidade de 25 mil habitantes do sul de Sergipe.
Genivaldo tinha 38 anos, era negro e tinha esquizofrenia. Ele foi morto após policiais soltarem uma bomba de gás lacrimogêneo e spray de pimenta dentro do porta-malas da viatura em que foi colocado após abordagem. Ele havia sido parado por trafegar de moto sem capacete.
Alternando momentos de choro e serenidade, Demarise de Jesus Santos, irmã de Genivaldo, depôs por cerca de uma hora à Polícia Federal. Na saída, ela classificou a ação policial como uma barbárie e disse que os agentes agiram com crueldade sem nenhuma justificativa.
“São uns marginais, uns assassinos a sangue frio. O que eles fizeram ali foi só para fazer a crueldade. Eu não sei se foi porque o meu irmão é pobre e negro, entendeu? Depois eu vendo aqueles vídeos eu achei que ali foi um preconceito total. Se fosse um branco não aconteceria aquilo ali”, afirmou.
Ela afirmou que o irmão, que foi criado na zona rural de Santa Luzia (SE) e desde a juventude mora em Umbaúba, nunca havia sofrido com preconceito e era bem-visto na comunidade.
Além disso, ela diz que não havia motivo para Genivaldo ter sido algemado, derrubado e agredido pelos policiais: “O que eu sinto sobre esse caso é que realmente é racismo, não tem outra palavra”.
Demarise mora em uma casa próxima a onde ocorreu a abordagem, na rodovia BR-101. Quando ela chegou ao local, o irmão já estava no porta-malas da viatura.
“Eles tiraram a vida do meu irmão ali. Na hora que eu cheguei, meu irmão estava com os pezinhos já brancos, de bruços, todo amarrado e não teve reação nenhuma mais para nada. Ali ele já estava morto”, afirmou.
Ela disse que em momento algum os policiais se intimidaram com as câmeras de telefones celulares que filmaram a ação e pediu que os agentes que participaram da ação sejam punidos e não voltem a atuar nas ruas.
“Quando um policial se forma, é para ele defender a população, saber abordar, saber conversar, saber convencer. Mas do jeito que eles foram ali foi agressão em cima de agressão, barbaridade em cima de barbaridade”.
Com a voz embargada e olhos marejados, a viúva de Genivaldo, Maria Fabiana dos Santos, 35, também destacou o componente racial na sucessão de fatos que levou à morte do marido.
“Ele se considerava negro. O filho dele, que ele considerava negro, era o ‘negrinho de pai’. Então, eu creio que isso tenha contribuído sim, o racismo. O negro é indefeso. É indefeso”, afirmou Fabiana.
Ela disse que o marido em nenhum momento xingou, tratou mal os policiais ou perdeu o controle, a despeito dos transtornos psicológicos que enfrentava: “As cenas são cruéis, não consigo nem ver.”
Fabiana prestou depoimento à Polícia Federal nesta terça e cobrou por justiça pela morte do marido.
“Espero que a justiça seja feita. Que os policiais sejam presos e que eles paguem pelo crime que eles cometeram. Meu marido era um inocente, uma pessoa maravilhosa e que só fazia o bem.”
O primeiro a ser ouvido pela PF foi o sobrinho de Genivaldo, Wallinson de Jesus Santos, que também cobrou a prisão dos policiais.
“Eu quero a prisão deles. Eu quero que eles paguem pelo que eles fizeram. Eles são assassinos”, afirmou o sobrinho, que ainda disse que, diante da fartura de provas, está confiante com o desenrolar das investigações.
Wallison presenciou a ação policial que vitimou o seu tio: estava a menos de 10 metros da viatura e foi uma das pessoas que avisaram aos policiais que Genivaldo tinha transtornos mentais.
Apesar das cobranças da família e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que pediu a prisão cautelar dos policiais, os agentes envolvidos na ação em Umbaúba seguem em liberdade.
O delegado da Polícia Federal Fredson Vital, que conduz a investigação, disse à TV Globo que não vê razão para prender os policiais.
“A investigação está em andamento, está fluindo, a polícia rodoviária está contribuindo com a investigação desde o início, então a meu ver não tem motivo para pedido de prisão dos policiais.”
Nesta segunda-feira (30), o presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou a cobertura da imprensa no caso da morte de Genivaldo e afirmou que não se pode generalizar a conduta dos agentes da Polícia Rodoviária Federal.
“Não podemos generalizar tudo que acontece no nosso Brasil. A PRF faz um trabalho excepcional para todos nós […] A Justiça vai decidir esse caso. Tenho certeza que será feita a justiça, todos nós queremos isso aí. Sem exageros e sem pressão por parte da mídia que sempre tem lado, o lado da bandidagem.”
Nesta terça-feira, a direção-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal) criou uma comissão interventora na superintendência regional da corporação em Sergipe para investigar a morte de Genivaldo.
Os interventores são cinco agentes do órgão, de Brasília, e o superintendente da PRF no Ceará, Gilson Oliveira. O grupo é presidido pelo diretor-executivo em exercício da PRF, Daniel Souto.
Uma outra comissão, com servidores de outros estados, deve acompanhar o PAD (Processo Administrativo Disciplinar) a que os três policiais envolvidos no caso respondem internamente.
Os nomes dos policiais foram revelados pela TV Globo e confirmados pelo jornal Folha de S.Paulo: Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia.
Eles eram três dos cinco agentes da PRF que trabalhavam no patrulhamento, na quarta-feira (25), em Sergipe, durante a Operação Nordeste Seguro.
A Polícia Federal tem 30 dias para concluir a investigação sobre se houve crime por parte dos policiais.
Em boletim de ocorrência, os agentes admitiram o uso do gás lacrimogêneo dentro do carro. Eles negaram, no entanto, que a morte da vítima tivesse relação com a abordagem policial.
O laudo do IML (Instituto Médico Legal) apontou que a vítima sofreu insuficiência respiratória aguda provocada por asfixia mecânica.
Testemunhas disseram que, antes de os policiais levarem Genivaldo ao hospital, ele foi agredido por cerca de 30 minutos.
Fonte: Notícias ao Minuto