“De todas as coisas humanas, a única que tem fim em si mesmo é a arte”, a frase é da crônica “A Semana”, de Machado de Assis. Conhecido como o maior escritor brasileiro é de se esperar que sua história e legado sejam valorizados, mas essa não é essa a realidade.
No morro do Livramento, na zona portuária do Rio de Janeiro, existe uma pequena casa em que supostamente o escritor nasceu e morou nos primeiros anos de sua vida. Abandonado pelo poder público, o imóvel encontra-se em situação precária, com rachaduras e até partes do teto caindo. Atualmente, sete famílias moram no local e tentam preservá-lo.
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O escritor Cláudio Soares descobriu a situação da casa durante uma visita para uma de suas pesquisas. Ele trabalha na construção de uma biografia sobre Machado de Assis, a primeira que retrata o autor como um homem negro. Soares conta em entrevista ao programa Central do Brasil, uma parceria do Brasil de Fato com a rede TVT, que foi grande a surpresa ao chegar ao local e encontrar muito mato e nenhuma identificação de que ali o maior escritor brasileiro teria vivido.
“A importância cultural dessa casa é incomensurável. A casa no Cosme Velho onde Machado de Assis morreu não existe mais, virou um condomínio de apartamentos. Essa casa aqui ainda existe, então obviamente deveria ter um registro. Poderia ser um ponto turístico da cidade, visto que Machado de Assis é reconhecidamente o maior escritor brasileiro”, afirma.
Cláudio tirou uma foto da situação em que a casa se encontra e publicou em suas redes sociais. A postagem chamou atenção e causou revolta em diversas pessoas.
Além da biografia, Cláudio também criou um mapa digital que indica todas as residências que Machado de Assis morou. Para ele, é importante que a sociedade tenha conhecimento sobre a história de vida do escritor e o reconheça como um homem negro.
“Todas essas localizações ligadas a escritores negros, a gente tem que registrar, tem que mostrar, tem que divulgar, porque existe muito pouco dessas informações disponíveis hoje para o cidadão comum na cidade, então esses registros valem para que gere interesse para reconhecer quem foram essas pessoas”, explica.
Para a historiadora e cientista política, Isabel Lustosa, mesmo nos dias atuais Machado de Assis possui grande influência para a sociedade e por isso é extremamente importante que sua memória seja protegida.
“Existem muitos livros com imagens do Rio de Janeiro de Machado de Assis, mas talvez fosse interessante descobrir, e aí é trabalho para o patrimônio histórico, exatamente onde nasceu Machado. É exemplo de investigação, ainda a ser confirmado, a casa no Morro do Livramento que teria sido a casa em que ele nasceu ou passou a infância. Essa casa é tida como uma doação do escritor Machado de Assis para aquelas pessoas que vivem lá. Eles se sentem, de direito, herdeiros de Machado de Assis e isso é um fenômeno tão bonito”, finaliza a historiadora.
A reportagem entrou em contato com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) que informou em nota que a casa não é tombada em nenhuma das três instâncias governamentais, porém, em âmbito municipal, o imóvel se situa em área de proteção do ambiente cultural de Saúde, Gamboa e Santo Cristo (APAC SAGAS). Informou também que para ser tombado um bem requer uma série de estudos e análises.
Herdeiros
As sete famílias que atualmente vivem no imóvel, que supostamente era uma chácara onde Machado de Assis viveu até os seus seis anos de idade, se consideram herdeiros do escritor, como destacou Lustosa. Apesar da falta de investimento público e da deterioração que a casa vem passando ao longo dos anos, os moradores fazem o que podem para cuidar e manter o local.
Uma moradora, que não quis se identificar, disse à reportagem ter criado 20 crianças na casa durante os anos, entre filhos, netos e bisnetos. “Ninguém ajuda a gente em nada aqui não e se deixarem ainda tiram a gente daqui. A gente que se junta e cuida. Agora a gente comprou uma tinta e estamos pintando a parte de fora da casa”, relata.
A moradora contou também que há alguns anos parte do teto da casa caiu e a prefeitura tentou retirar os moradores do local, mas não se comprometeu a consertar. Eles se recusaram a sair e consertaram eles mesmos. “Nós somos os herdeiros de Machado de Assis, essa casa é nossa”, finalizou.
Em 2013, a então vereadora Laura Carneiro (PTB) elaborou um projeto pedindo o tombamento da casa, porém, a Academia Brasileira de Letras (ABL) afirmou não haver provas suficientes de que o escritor realmente nasceu e morou no local, o que vez com que o projeto não tivesse andamento na Câmara municipal.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse