Tim Mielants não é nenhum novato. Não dá para ser quando estamos falando de alguém que dirigiu uma série tão aclamada e consistente quanto “Peaky Blinders”. Eu poderia até dizer que em “Wil” ele se aventura em um longa-metragem que, pelo menos tem a faceta de uma produção grandiosa, embora seu orçamento jamais tenha sido divulgado. Mas no novo thriller psicológico que acaba de chegar à Netflix e que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, Mielants traz uma direção bastante segura em um filme eficaz e com muita personalidade.
Os tempos são sombrios e acentuam os lados mais obscuros do carácter humano. As pessoas se dividem em apenas boas ou más. Em tempos de Holocausto, o mundo é maniqueísta. É preciso escolher qual dos lados, sendo que um é mais vantajoso que o outro. Ser bom é uma escolha difícil, pois pode custar tudo que você mais ama, inclusive a própria vida.
Wil (Stef Arts) é um jovem artista ingênuo e criativo que vai parar em uma ocupação que nada tem a ver com seus talentos. Guarda na Antuérpia, cidade costeira da Bélgica, durante a ocupação nazista, ele acaba dividido entre sobreviver trabalhando para os vilões ou morrer lutando pelos bonzinhos. Quando um evento dramático coloca em risco ele e seu amigo, o também guarda, Lode (Matteo Simoni), Wil é colocado em uma encruzilhada entre o moral e o imoral.
O protagonista precisa colaborar com soldados nazistas na perseguição de judeus. Mas Wil, um sujeito tímido, que se envolve romanticamente com Yvette (Annelore Crollet), irmã de Lode, também precisa encontrar coragem suficiente dentro de seu corpo aparentemente miúdo e magricelo para atuar como um agente duplo. Ele se envolve com a resistência, assume o codinome Angelo, que combina com sua personalidade doce e angelical, e trabalha secretamente para sabotar os alemães.
E, ao mesmo tempo em que Mielants usa o período histórico para trazer uma atmosfera dramática para sua narrativa, a fotografia de Robrecht Heyvaer e a música de Geert Hellings traz uma tonalidade grotesca e macabra para o filme, nos lembrando que seu gênero é, sobretudo, um suspense. A cabeça de uma galinha que sangra na bandeja de alumínio sobre o balcão do açougue, o corpo de um soldado nazista jogado no esgoto, em meio aos dejetos de uma sociedade moralmente danificada. O rosto de Wil afundado em vômito e sangue. A todo momento somos lembrados de como aquele período foi feio e nojento para a raça humana.
A estética usada por Heyvaer também é cheia de jogos de sombras e luzes, brincando com chiaroscuro e criando elementos noir em diversas sequências. O trabalho de design e figurino são muito bem elaborados e convincentes. O filme alterna entre cenas intensamente alegres, obscuras ou dramáticas provocando um emaranhado de emoções, por vezes confundindo e provocando os espectadores.
Apesar do enredo intrigante e das atuações talentosas, há uma complexidade na quantidade de personagens e no contexto da narrativa que Mielants apresenta ao público. Além disso, a história também tem um andamento lento e pode acabar sendo cansativo e exigir um esforço mental maior dos espectadores. É preciso assistir e digerir com calma.
Fonte: Revista Bula