A superlotação, somada à penumbra de dados dentro dos presídios, em função da falta de testagem, revela os problemas nos presídios brasileiros em controlar a pandemia de covid
Por Fernanda Real – Domingo, 14 de agosto de 2022
O isolamento e a reclusão impostos pelas celas estão longe de ser um aliado no combate ao coronavírus nas prisões. No Brasil, não somente a terceira maior população carcerária do mundo, como também servidores têm sofrido com a superlotação, déficits em testagens e uma aceleração na evolução dos casos da doença.
O relatório mais recente que trata da situação da pandemia nos presídios brasileiros é do Conselho Nacional de Justiça, referente ao período de junho de 2022. Nele, consta que 109.913 indivíduos, tanto presidiários quanto servidores, infectaram-se desde o início da pandemia, em março de 2020, e aproximadamente 671 morreram em decorrência da covid-19.
O cenário reflete a situação das penitenciárias, como bem explica o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência e do Instituto de Criminologia de Cambridge, Sérgio Grossi: “Sabemos que a situação sanitária das prisões já era drástica antes. Nesse cenário, o Brasil atingiu o número recorde de pessoas na prisão, de mais de 95 mil pessoas. Esse número de pessoas presas é um dos fatores mais evidentes que afetam o número de pessoas infectadas”.
Ainda que a vacinação se encontre acelerada no País, ainda há alguns déficits no que diz respeito à testagem. E, justamente por isso, o número pode ser ainda maior, já que, sem o controle da circulação do vírus nesses locais, fica extremamente difícil quantificar o número de encarcerados portadores da doença.
Dentro e fora dos presídios
O professor Fredi Alexander Diaz Quijano, do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, chama atenção para os fatores externos: “Uma coisa que devemos considerar é que essa população privada de liberdade não está totalmente isolada do resto da comunidade. Eles recebem visitas, estão em comunicação e em contato com pessoas do exterior. Então, os presídios acabam atuando como reservatórios para multiplicar a transmissão”.
Ele também destaca que a falta de estrutura e preparo para receber os encarcerados tem amplificado os impactos na saúde pública dentro das penitenciárias. Fato que é complementado por Grossi: “Além da facilidade de proliferação do vírus em razão da superlotação, os presídios não contam com equipe mínima para atendimento básico”.
O racionamento de água, a ausência de um distanciamento mínimo entre os detentos e de materiais de higiene também são potenciais no aumento do número de casos. Esses fatores, somados ao agravamento da superlotação das penitenciárias, resultam em um impacto sem precedentes do coronavírus no sistema prisional brasileiro.
Possíveis alternativas
As alternativas que surgem estão relacionadas à diminuição no número de encarcerados, já que a superlotação tem relação direta com a proliferação do vírus. O próprio NEV diz que as medidas encontradas pelo poder público para barrar saídas do semiaberto e visitações são onerosas para os presidiários, e sugere a “prisão domiciliar de presos do regime aberto e semiaberto”.
Esse foi o caso de Minas Gerais, em que o Tribunal de Justiça chegou a publicar uma Portaria que dizia respeito às detenções cautelares e prisões domiciliares, para casos de regime aberto e semiaberto, a fim de diminuir o fluxo de pessoas no sistema prisional. Essa é uma possível saída, mas, ainda sim, seria necessário pensar as condições em que se encontram as prisões. A longo prazo também seria interessante se pensar em melhorias nas condições dos presídios.
Fonte: Jornal USP