Que tal não fazer nada por um ano inteiro? Ficar sem trabalhar, sem receber e-mails, sem progresso na carreira, sem esforços, sem conquistas, nem produtividade.
Para muitos de nós, este pensamento, por si só, já pode causar um ataque de ansiedade. Afinal, trabalhar é status, ganhar dinheiro é uma conquista e ficar ocupado é motivo de orgulho, certo?
Mas, atualmente, um ano sem fazer nada parece cada vez mais ser um sonho, até uma aspiração – e passou a ser, como dizem as pessoas, uma mudança de vibe.
Os millennials (as pessoas nascidas entre 1981 e 1995) estão adotando o conceito de #SlowLiving (“viver lentamente”).
Esta hashtag já foi usada mais de seis milhões de vezes no Instagram — embora postar conteúdo nas redes sociais seja uma contradição dos princípios de um estilo de vida consciente e sustentável, que reduz sensivelmente o nosso tempo em frente às telas.
Já a Geração Z (os nascidos entre 1995 e 2010) é pioneira na demissão silenciosa e nos “empregos de meninas preguiçosas”.
Nestes casos, as pessoas fazem o mínimo possível no trabalho, preservando sua energia para os setores mais significativos da vida, como seus hobbies, relacionamentos ou o autocuidado.
Pessoas de todas as gerações estão se unindo em torno do desejo de trabalhar menos. No Reino Unido, por exemplo, vem ganhando muita força o conceito da semana de trabalho de quatro dias.
Podemos definir a questão de forma engraçada como uma substituição: sai o alvoroço, entra o descanso.
Emma Gannon conhece bem este assunto. Escritora prolífica, podcaster e ativa na plataforma Substack, ela publicou no meio do ano ‘A Year of Nothing’ (“Um ano de nada”, em tradução livre), que é o seu relato de 12 meses completos de descanso.
A obra esgotou rapidamente após a publicação, no primeiro semestre deste ano. Sua popularidade foi tão grande que ela irá receber uma nova impressão, para venda em novembro.
Inicialmente, o período de descanso de Gannon não foi uma escolha de vida. Um burnout extremamente forte não deixou a ela outra escolha senão parar de trabalhar.
Seu relato do ano de repouso e recuperação preenche dois pequenos volumes de leitura agradável, publicados pela editora independente The Pound Project.
‘A Year of Nothing’ acompanha sua jornada em busca de retomar a saúde por meio de atividades tranquilas, como escrever um diário, assistir a programas infantis na TV, observar pássaros e, inevitavelmente, nadar na água fria.
Gannon reconhece que este é um clichê de “escritores millennials, com suas sacolas cheias de pequenas coisas”, mas que ela acabou adorando, mesmo assim.
Após se envolver totalmente na cultura da mulher empreendedora dos anos 2010, Gannon já havia abandonado esta ideia com seu último livro, ‘The Success Myth: Letting Go of Having It All’ (“O mito do sucesso: desistindo de ter tudo”, em tradução livre). A autora demonstra como a luta implacável pelo sucesso raramente traz a verdadeira felicidade.
Mas foi a experiência do completo burnout que a forçou a realmente confrontar a importância do repouso.
“Olhando para trás, surgiram muitos alertas”, relembra ela. “Eu me sentia muito confusa, tinha dores de cabeça pulsantes, não conseguia me concentrar nas coisas na sala, sinais muito assustadores. Mas eu ignorava, [pensando]: ‘estou ocupada, preciso continuar’.”
Até que, em 2022, seu corpo entrou em modo de desligamento forçado.
“Eu não conseguia olhar para o telefone, não conseguia olhar para a tela, não conseguia andar pela rua sem me sentir fraca”, ela conta. “Era a sensação de que ‘oh, você não consegue fazer tudo isso — você precisa parar’.”
“Muitas pessoas com burnout crônico precisam chegar a esse ponto para se desligarem [do trabalho], pois estamos muito condicionados a avançar a todo custo nesta sociedade.”
Mas, na verdade, “somos projetados para tirar cochilos e [caminhar no] parque”, prossegue Gannon. “Ir nadar, olhar para o céu. Isso é muito importante.”
Hoje, ela está decidida a transformar as lições do seu burnout e sua recuperação em uma vida mais lenta e confortável. “Nada compensa a sua saúde.”
Desacelerar está na moda
Gannon certamente não está sozinha. Uma rápida busca nas prateleiras de autoajuda ou filosofia popular da sua livraria local, ou mesmo uma olhada nas recomendações de leitura no final de ‘A Year of Nothing’, revela uma safra florescente de livros incentivando as pessoas a desacelerar.
Um exemplo é o livro ‘Resista: Não Faça Nada: A Batalha pela Economia da Atenção’ (Ed. Latitude, 2021), de Jenny Odell, uma das sensações de 2019.
Ele mostra aos nossos cérebros esgotados como a tecnologia sedenta por lucros e as redes sociais consomem nossa atenção e nos distraem. A autora defende reconfigurar a nossa consciência sobre o mundo natural à nossa volta e sobre o nosso próprio interior.
Odell também faz parte dessa onda de escritores que incentivam a resistência ativa à implacável expectativa “orientada a objetivos” de que, “em um mundo em que o nosso valor é determinado pela nossa produtividade”, cada hora e cada minuto do nosso tempo devem ser aproveitados — se não no trabalho, em automelhoramento.
Essa resistência à pressão pela otimização permanente também se encontra no surpreendente e reconfortante livro de Oliver Burkeman ‘Quatro Mil Semanas: Gestão de Tempo para Mortais’ (Ed. Objetiva, 2022).
Publicado originalmente em 2021, ele nos relembra que a vida é breve e nunca conseguiremos cumprir todos os itens da nossa lista de afazeres.
E, em vez de procurarmos ser cada vez mais eficientes, o autor defende que devemos nos concentrar no que realmente importa (e provavelmente não é limpar a caixa de mensagens), rejeitando o perfeccionismo e o completismo, para vivermos mais plenamente no presente.
Parece que a ideia de não fazer nada está se espalhando. Talvez você já tenha observado a recente proliferação de livros sobre niksen, termo holandês que significa “não fazer nada, intencionalmente”.
O livro ‘Niksen: Abraçando a Arte Holandesa de Não Fazer Nada’, de Olga Mecking (Ed. Rocco, 2021), certamente despertou a identificação dos leitores quando foi publicado, durante a pandemia. Ele foi seguido por inúmeros outros, muitos deles na linha de ‘Hygge: O Segredo Dinamarquês para Viver Bem’ (Ed. Sextante, 2023), que conta como os dinamarqueses conseguem ter uma vida feliz.
Parece que nós adoramos receber conselhos práticos sobre o estilo de vida dos países do norte da Europa.
A própria palavra “descanso” agora está na moda. Publicado em 2022, o livro ‘Pause, Rest, Be’ (“Pare, descanse, seja”, em tradução livre), da professora de ioga Octavia Raheem, ajuda os leitores a atravessar grandes mudanças ou períodos de incerteza, desacelerando e se voltando para o seu interior.
Em vez de usar ioga para suar até conseguir o abdômen firme e postar no Instagram, a autora destaca o que a prática pode nos contar sobre autoconhecimento, paz e serenidade.
‘The Art of Rest’ (“A arte do descanso”), de Claudia Hammond, também traz um lado prático. Seus capítulos descrevem as 10 atividades mais relaxantes identificadas em pesquisas globais.
O livro também defende a importância da desaceleração intencional, seja relaxando na banheira, lendo um livro ou passando algum tempo junto à natureza. Para a autora, “o descanso não é um luxo; é uma necessidade”.
Já ‘Inverno da Alma’, de Katherine May (Ed. Darkside, 2023), conta de forma lírica como a autora aprendeu a aceitar a sazonalidade da vida — que existem períodos de ociosidade, nos quais, em vez de nos esforçarmos, precisamos dar um passo atrás e cuidar de nós mesmos.
“Desacelerar, aumentar seu tempo livre, dormir o suficiente… descansar, agora, [é considerado] um ato radical, mas é essencial”, escreve a autora.
É verdade que algumas pessoas simplesmente defendem não fazer nada como um meio para atingir um objetivo.
O livro ‘Rest: Why You Get More Done When You Work Less’ (“Descanso: por que você consegue fazer mais quando trabalha menos”, em tradução livre), de Alex Soojung-Kim Pang, define o excesso de trabalho como um problema de produtividade, não como uma questão existencial.
Mas talvez o que mais chame a atenção é que este livro foi publicado em 2016, quando o valor do repouso ainda precisava ser promovido como forma de aumentar a produtividade. Hoje, estamos mais dispostos a defender o tempo de descanso para benefício da nossa saúde mental, nosso bem-estar espiritual, do senso de equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho e até, simplesmente, para nos divertirmos.
Estes livros não são todos iguais. Na verdade, existe um mundo de distância entre as teorias radicais, mas muitas vezes acadêmicas de Odell — explícitas no seu anticapitalismo e liberais no uso de termos como “fenomenologia” — e os agradáveis livros em tons pastéis que nos incentivam a relaxar na banheira ou brincar com lápis de cor.
Mas isso também é surpreendentemente. Com certeza, algo deve estar acontecendo, para virar tendência no TikTok e gerar ensaios de alto nível e livros de autoajuda de leitura mais simples.
Descanso radical
O que levou a esta reviravolta no mundo ocidental, da cultura do alvoroço, da perseverança e do empreendedorismo feminino, para a demissão silenciosa, o repouso radical e a desaceleração?
O motivo é simples: todos nós estamos apenas muito cansados.
Esta é a teoria de Gannon: “Todos estão extremamente cansados. Estamos todos lutando de alguma forma para não deixar a peteca cair”, conta ela à BBC. “Temos um corpo e uma mente que precisam de cuidados e acho que, na verdade, não estamos fazendo [isso].”
A tecnologia é um fator importante. O fato é que poder responder e-mails no nosso celular não nos torna mais eficientes — apenas nos faz trabalhar mais.
A onipresença das redes sociais nos incentiva a documentar cada centímetro das nossas vidas, buscar conteúdo nelas e trabalhar continuamente para fortalecer nossa própria marca individual.
E o crescimento dos aplicativos de monitoramento também transforma as atividades de lazer, os exercícios e até as necessidades mais básicas da vida, como comer e dormir, em dados que podem ser comparados e aprimorados. Você pode monitorar seu sono, registrar seu café da manhã, cronometrar sua corrida, catalogar o filme a que você assistiu e acompanhar seu ciclo menstrual, por exemplo.
Para as muitas pessoas que começavam a se voltar contra a cultura do trabalho implacável, a pandemia foi uma revolução.
É claro que foi uma época terrível, sem oportunidade de descanso para muitas pessoas. Mas, para outras, o trabalho teve uma pausa ou, pela primeira vez, foi levado para casa.
Para alguns, os deslocamentos desapareceram, junto com as distrações habituais. Muitos não tiveram outra escolha senão desacelerar ou não fazer nada. E algumas pessoas perceberam que não queriam mais voltar ao ritmo de antes.
Pode também ser uma mudança geracional. Os millennials ficaram conhecidos como a geração do burnout. Eles foram criados para trabalhar duro para serem bem sucedidos e se formaram com uma montanha de dívidas, em um mundo instável após a crise financeira de 2007-2008. Esta combinação, como é bem documentado, representou um sério desafio para muitas pessoas.
Os livros que abordam explicitamente o burnout também se tornaram um grande negócio nos últimos anos. Eles incluem, por exemplo, obras que diagnosticam as suas razões sociopolíticas, como Não Aguento Mais Não Aguentar Mais: Como os Millennials se Tornaram a Geração do Burnout , de Anne Helen Petersen (Ed. HarperCollins, 2021). O livro mostra como o capitalismo e a busca pelo lucro e a produtividade levaram aquela geração à exaustão.
Os lançamentos também incluem guias práticos para superar a situação com repouso e reavaliação — como Burnout: O Segredo para Romper com o Ciclo de Estresse, de Emily e Amelia Nagoski (Ed. BestSeller, 2020), ou Burnt Out: The Exhausted Person’s Six-Step Guide to Thriving in a Fast-Paced World (“Esgotado: o guia da pessoa exausta em seis etapas para ter sucesso em um mundo acelerado”, sem edição em português), de Selina Barker.
Detalhe: todos estes livros foram publicados em 2020.
Gannon culpa os pais por este fenômeno geracional.
“Os baby boomers [nascidos entre cerca de 1946 e 1964] são muito consumistas”, destaca ela. “Estatisticamente, eles compram a maior parte da tecnologia, detêm a maior parte dos imóveis e adoram coisas como dinheiro e sucesso, enquanto geração.”
“Acho que os filhos dos baby boomers, os millennials, quiseram basicamente impressioná-los. Eles ouviram: ‘vá, conquiste, tenha sucesso e [seus pais] poderão então ter orgulho de você’. É muito difícil nos livrarmos disso.”
O burnout crônico, em sua origem, é o resultado de viver no capitalismo global. E decidir viver em ritmo mais lento é uma reação contra a mentalidade aquisitiva, que nunca está satisfeita, promovida pelo capitalismo.
Gannon espera que o movimento atual que nos faz deixar de sempre buscar mais coisas ou status, em favor de termos mais tempo, possa ser um sinal saudável para a nossa sociedade.
“As pessoas realmente estão começando a entender que, se você tiver um teto sobre a cabeça e puder pagar suas contas, do que mais você precisa?”, destaca ela
É claro que esta questão traz um ponto importante. Todas as pessoas que escrevem sobre passar menos tempo trabalhando e mais tempo descansando parecem ser — como direi? — muito privilegiadas.
Emma Gannon publicou diversos livros que se tornaram best-sellers. Ela escreveu sobre como ganhar centenas de milhares de dólares anuais, apenas com a sua newsletter The Hyphen — que, na verdade, ela desenvolveu no ano que passou “sem fazer nada”.
Jenny Odell era professora na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, quando escreveu em favor de não fazer nada. E Katherine May, de alguma forma, conseguiu simplesmente sair do emprego e educar sua filha em casa, enquanto “invernava”.
Por outro lado, o slow living foi acusado de se concentrar muito em uma estética de estilo de vida inatingível. Por alguma razão, no Instagram, a hashtag conduz você para inúmeras fotos de casas de fazenda, lindas mulheres brancas arrumando flores e muitas roupas de cama em tons neutros e quentes.
Será que reduzir as atividades corre o risco de se tornar apenas mais uma forma de contar vantagem sobre seu estilo de vida? Afinal, muitas das atividades de cura descritas por Gannon custam dinheiro: retiros, reflexologia, coachers de vida, inúmeros feriados, viagens e estadias.
Por isso, eu perguntei a ela o que fazer se você tem burnout porque está trabalhando em dois empregos apenas para pagar as contas e não consegue tirar um tempo para descansar.
Gannon reconhece rapidamente como ela teve sorte por poder parar de trabalhar. Mas ela sugere que se trata de uma mentalidade, da mesma forma que qualquer outra coisa. E que simplesmente se permitir tirar um dia ou uma semana de descanso pode ajudar.
Ela insiste que vale a pena relembrar o velho ditado: as melhores coisas da vida são de graça.
Gannon relembra um dia em que enfrentou muitas dificuldades com o burnout. Tudo o que ela conseguiu foi caminhar e comprar um buquê de narcisos por uma libra (cerca de R$ 7). O simples ato de esticar as pernas e colocar as belas flores amarelas em um vaso foi suficiente para que ela conseguisse vencer o dia.
“Realmente, não é questão de aonde você vai ou o que você vê”, orienta ela. “É simplesmente [dizer] ‘eu quero fazer algo que irá levantar meu ânimo’. E todos nós sabemos que isso não custa dinheiro.”
“A Year of Nothing” foi publicado pela editora The Pound Project e estará à venda em novembro. “What Time is Love?”, de Holly Williams (autora desta reportagem), foi publicado pela editora Orion.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture. / Foto: Alamy