Steven Soderbergh dribla a Covid e lança na HBO Max filme feito no isolamento

cultura

Produção original da HBO Max, plataforma recém-chegada a terras brasileiras, o longa acompanha dois criminosos de personalidades distintas que precisam se unir quando o que era para ser o simples roubo de um documento dá errado

Quarta, 30 de Junho de 2021

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Steven Soderbergh pode ser descrito como o homem do momento nesta pandemia de coronavírus, ao menos no meio cinematográfico.

Em pouco mais de um ano, ele teve uma produção interrompida, viu um de seus longas ressuscitar por ter supostamente previsto a doença, fechou acordo com uma plataforma de streaming em meio à crise dos cinemas, produziu a cerimônia pandêmica do Oscar, voltou ao set de filmagem seguindo os novos protocolos de segurança e escolheu como próximo projeto um roteiro que, dizem os rumores, vai falar sobre a própria Covid.

Se houve alguém que encontrou, no cárcere do home office, uma oportunidade para se manter produtivo, foi Soderbergh. “Nem um Passo em Falso”, filme que estreia nesta quinta-feira, ocupou uma parte considerável da agenda do cineasta, é verdade, mas não o impediu de acrescentar novos ingredientes a seu caldeirão de ideias.

Produção original da HBO Max, plataforma recém-chegada a terras brasileiras, o longa acompanha dois criminosos de personalidades distintas que precisam se unir quando o que era para ser o simples roubo de um documento dá errado. Juntos, os personagens de Don Cheadle e Benicio Del Toro tentam descobrir quem os contratou e o que há de tão valioso dentro do envelope que embolsaram.

Ambientado na Detroit dos anos 1950, “Nem um Passo em Falso” estava prestes a iniciar as filmagens, no começo do ano passado, quando a pandemia obrigou os sets a desligarem as câmeras. Meses se passaram até que, em setembro, a equipe fosse autorizada a filmar –mas com baixas no elenco, que deveria ter George Clooney, Sebastian Stan e John Cena, devido ao atraso. Ficaram, além de Cheadle e Del Toro, Brendan Fraser, David Harbour, Jon Hamm, Ray Liotta e Matt Damon.

“Usar as máscaras foi um pouco estranho e bem desconfortável. As pessoas não escutam direito, então você tem que gritar e acaba ficando mais cansado”, diz Soderbergh sobre os rígidos protocolos que teve de seguir, por videoconferência. “Mas, para além dos cuidados no set, você precisa convencer a equipe a adotar os cuidados fora dele, porque é lá que a Covid está.”

Soderbergh calcula que os novos protocolos vêm encarecendo as produções hollywoodianas em cerca de 20% –o que não é um grande problema para os estúdios de peso, mas pode prejudicar a produção independente “de forma desproporcional”. Fora os efeitos psicológicos de estar se expondo à doença, algo que o cineasta espera que acabe conforme mais pessoas se vacinem.

“Nem um Passo em Falso” é o segundo filme que ele dirige para a HBO Max. Antes disso, se uniu a Meryl Streep em “Let Them All Talk” e, agora, prepara, também para a plataforma, “Kimi”, uma trama que ainda permanece em sigilo, mas que, segundo a imprensa estrangeira, pode ser ambientada na própria pandemia de coronavírus.

Soderbergh diz não se importar com o fato de esses trabalhos serem vistos em telinhas de televisões, computadores e celulares –antes desse trio, aliás, ele dirigiu “A Lavanderia” para a Netflix. Diante da atual crise das salas de cinema, aprofundada pela Covid, o cineasta vê no streaming um refúgio para filmes de porte médio, como “Nem um Passo em Falso”. Ele adoraria exibir seus dramas em gigantescas telas Imax, mas percebe que isso deixou de ser viável numa Hollywood dominada por super-heróis e grandes espetáculos visuais.

“Eu gosto de ver meus trabalhos numa tela gigante, é claro, mas eu não tenho problema com as pessoas assistindo a eles em outro lugar. Não me incomoda porque continua sendo algo que eu fiz, os pixels não foram rearranjados ou sei lá. Uma ideia ruim continua ruim mesmo numa tela de dois metros”, diz.

“Eu não posso reverter uma tendência. Tenho que achar um remo e seguir o curso do rio, se quiser me manter vivo. Nos próximos seis meses nós vamos entender melhor como os interesses das pessoas pelos cinemas mudaram com a pandemia –se é que mudaram mesmo.”

Foi também no streaming que muita gente fez o nome de Soderbergh bombar logo no início da crise sanitária. Várias plataformas de conteúdo sob demanda registraram que “Contágio”, dirigido por ele há dez anos, estava entre os longas mais vistos em diversos países. A trama fala sobre uma doença respiratória disseminada por morcegos, iniciada na China e que devasta boa parte da população mundial. “Pare de ficar pondo a mão no rosto”, insiste Kate Winslet numa cena.

Soderbergh achou a nova popularidade de “Contágio” tragicômica, já que não deveria haver surpresa nas semelhanças entre o que vivemos agora e o que seus personagens enfrentaram há uma década. Não foi bola de cristal, diz, foram cientistas que o ajudaram a conceber o longa e que há anos alertavam sobre a iminência de uma pandemia como a da Covid-19.

“Essa é a definição ambulante de algo que você vê chegando. Pessoas muito inteligentes já falavam sobre isso há muito tempo. ‘Contágio’ só falhou em prever que teríamos um governo tão ineficaz no combate à doença quanto o que tivemos em lugares como os Estados Unidos.”

Ele lamenta a má-condução da pandemia em tantos países, algo que, em parte, ajudou a doença a sair do controle e tornou quase que indiferente o atraso em dois meses da última cerimônia do Oscar, que passou da tradicional data de fevereiro para abril, na esperança de que a situação estaria controlada até lá.

Não foi bem o que aconteceu. É verdade que, ao contrário do Emmy e do Globo de Ouro, o Oscar pôde ter uma festa presencial, mas com inúmeras limitações e uma condução que dividiu opiniões. Muitas das alternativas arquitetadas para a cerimônia pandêmica vieram de Soderbergh, que assumiu a difícil tarefa de produzir o evento.

Os primeiros minutos da festa, que aconteceu numa estação de trem histórica de Los Angeles, com pé-direito alto e mesas afastadas, fizeram um aceno aos créditos iniciais dos filmes. Letras coloridas e gigantes anunciavam “produzido por Steven Soderbergh”, enquanto, ao fundo, Regina King desfilava num elegante vestido azul, em direção ao palco do evento.

Como é de praxe nessas cerimônia pomposas de Hollywood, surpresas e alguns momentos constrangedores seguiram o prelúdio. Mas foram os instantes finais da premiação que estamparam muitas manchetes na manhã seguinte. Quebrando a tradição, os organizadores encerraram a noite não com a estatueta de melhor filme, mas com a de melhor ator.

Tudo indicava que Chadwick Boseman levaria um Oscar póstumo num momento catártico, no que se tornaria uma grande celebração à sua memória. Não foi isso que aconteceu –Anthony Hopkins, que nem estava presente, acabou ficando com o homenzinho dourado, quebrando expectativas e transformando a chave de ouro que encerraria a cerimônia num verdadeiro embaraço.

“Eu fiquei muito feliz com todos os aspectos da cerimônia que pudemos controlar, o que não inclui quem ganha os prêmios”, diz Soderbergh, como se admitindo que o desfecho que ele havia previsto para a noite era outro. “Essa edição sempre foi vista pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e pela emissora como uma oportunidade para experimentar coisas novas. Eu gosto e tenho orgulho do que fiz, agora cabe a eles decidiram se gostaram ou não.”

Mas, questionado se aceitaria a difícil empreitada de novo –afinal, cerimônias do Oscar catastróficas já enterraram carreiras no passado–, Soderbergh não titubeia. “Foi divertido, mas eu não faria de novo.”
*
NEM UM PASSO EM FALSO
Quando: Estreia nesta quinta (1º), na HBO Max
Elenco: Don Cheadle, Benicio Del Toro e David Harbour
Direção: Steven Soderbergh

Fonte: Notícias ao Minuto

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *