‘Taxad’? Afinal, os brasileiros estão pagando mais ou menos impostos?

economia
  • Daniel Gallas
  • Da BBC News Brasil em Londres

“Taxad”, “Taxador de Promessas”, “Zé do Taxão”, o profeta “Nostaxamus”, o super-herói “Taxa Humana”, o navegador “Pero Vaz de Taxinha”.

A internet foi inundada nos últimos dias com memes sobre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com piadas que o acusam de elevar impostos.

Os memes fazem trocadilhos com filmes e personagens famosos, sempre retratando o ministro como um político com fúria arrecadatória, determinado a cobrar impostos de tudo.

Alguns memes chegaram a aparecer no painel iluminado de Times Square, em Nova York — não se sabe quem pagou pelos anúncios.

ministro não reagiu publicamente aos memes, mas políticos ligados ao governo defenderam Haddad, dizendo que o ministro trabalha por justiça tributária (com maior taxação dos mais ricos e desoneração dos mais pobres) em medidas como aumento do salário mínimo, criação de um cashback para os mais pobres na reforma tributária e isenção de imposto de renda para quem ganha até dois salários mínimos.

A BBC News Brasil pediu um posicionamento do ministro a respeito dos memes, mas não recebeu resposta do Ministério da Fazenda até a publicação desta reportagem.

Em sua conta no X, o Ministério da Fazenda publicou seu próprio meme sobre o tema.

Uma foto do filme Divertida Mente 2 aparece com um elogio à reforma tributária aprovada pelo Congresso no ano passado e capitaneada por Haddad: “Um mix de emoções envolveu todos os brasileiros com a grande conquista da #ReformaTributária após 40 anos. O Brasil agora terá um sistema tributário simples e justo!”.

Brincadeiras e memes à parte, os brasileiros estão mesmo pagando mais impostos por causa das políticas de Haddad e do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)?

A BBC News Brasil conversou com especialistas para entender o que está acontecendo com a carga tributária brasileira e por que essa onda de memes e críticas ao ministro surgiu neste momento.

Dados mostram que a carga tributária brasileira teve uma ligeira queda no ano passado em comparação com 2022.

Ou seja, no primeiro ano da gestão de Haddad no ministério, os brasileiros pagaram menos impostos em relação ao total da economia, se comparado com 2022, último ano de Paulo Guedes como ministro da Fazenda.

Mas esses dados são de 2023 e ainda não é possível dizer qual será a carga tributária deste ano, segundo os especialistas.

No entanto, desde que Haddad chegou ao ministério, houve mudanças significativas na forma como o governo federal cobra alguns dos impostos federais — ajustes que ele defende como justos e importantes para a economia.

E esses ajustes se refletiram na arrecadação: de janeiro a maio, o governo federal arrecadou R$ 1,089 trilhão — um aumento real (acima da inflação) de 8% em relação a maio do ano passado.

Parte disso aconteceu porque a economia está aquecendo e mais pessoas estão empregadas — ou seja, mais empresas e trabalhadores estão pagando mais impostos, apontam especialistas

Mas parte também se explica pelas medidas do ministério, como a tributação de fundos offshore.

Outro motivo que explicaria a popularidade dos memes contra o ministro é a insatisfação geral dos brasileiros com impostos.

Um especialista ouvido pela BBC News Brasil citou que um estudo que mostra que o Brasil está em último lugar em um ranking que compara qualidade de vida e uso dos impostos (leia mais abaixo).

Carga tributária caiu em 2023. E neste ano?

O indicador mais citado para se saber se a população está pagando mais ou menos impostos é a carga tributária — a soma de tudo que o governo (em todas as suas esferas — municipal, estadual e federal) arrecadou em relação ao tamanho da economia (o Produto Interno Bruto). Ou seja, a carga tributária mostra qual é o peso dos impostos na economia brasileira.

No final do governo de Jair Bolsonaro (PL), a carga tributária estava em 33,1%. Em 2023, primeiro ano do governo Lula, caiu para 32,4%.

“O que o governo tem dito em relação a essa polêmica toda e às brincadeiras com o ministro Haddad é que não houve aumento de carga tributária”, diz a advogada tributarista Thais Veiga Shingai, professora do MBA em gestão tributária na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), vinculada à Universidade de São Paulo (USP).

“O que houve foi um aumento da arrecadação e que se justifica por diversos fatores e mudanças que aconteceram na legislação tributária federal e no próprio contexto macroeconômico.”

O que o governo federal fez para alterar a arrecadação — e que vem provocando alguns atritos?

“O governo tem tomado uma série de iniciativas para corrigir pontos da tributação federal que o Ministério da Fazenda considera que estavam errados e que mereciam ajustes”, afirma Shingai.

“A questão é que alguns desses pontos são controversos. O Ministério da Fazenda entende que havia distorção, e a iniciativa privada entende que não.”

Especialistas citam seis mudanças tributárias promovidas pelo governo federal:

  • Tributos em cima de isenções fiscais para empresas: No ano passado, o governo federal entendeu que empresas que recebem isenção fiscal de Estados e municípios (dentro da chamada guerra fiscal) ainda precisam pagar tributos federais em cima do valor que são isentados localmente.
  • Créditos tributários: as empresas ganharam do governo no Supremo Tribunal Federal (STF) um embate conhecido como “tese do século” — sobre como é calculado os impostos PIS e Cofins pago pelas companhias. Isso significa que as empresas têm bilhões de reais a receber do governo em créditos — supostamente por impostos indevidamente cobrados. Neste ano, o governo criou limites mensais de quanto deve compensar cada empresa.
  • Desoneração da folha de pagamentos: ainda nos governos de Dilma Rousseff (PT; 2010-2016), empresas que empregam muitos trabalhadores foram beneficiadas com uma redução nas contribuições previdenciárias. A ideia que baseou essa desoneração da folha é que isso geraria mais empregos – uma conclusão que se mostrou equivocada, segundo alguns estudos posteriores. Tanto o governo Lula como o governo Bolsonaro vinham tentando acabar com essas desonerações, que beneficiam 17 setores, mas sempre há briga no Congresso e na Justiça. Este ano, o governo usou uma medida provisória para acabar com as desonerações, mas o tema foi parar no STF. Essa medida está paralisada na Justiça e não teve impacto na arrecadação ainda.
  • ‘Taxa das blusinhas’: daqui a duas semanas, em 1º de agosto, acaba a isenção do imposto de importação em plataformas de comércio online para compras abaixo de US$ 50 — o que ficou conhecido como “taxa das blusinhas”, dada a popularidade de sites como Shein e Shopee. Haddad disse que a isenção prejudicava as varejistas nacionais com concorrência desleal.
  • Juros sobre capital próprio: empresas podem pagar a seus sócios e acionistas com juros sobre capital próprio — que pode ser deduzido no imposto de renda. As regras de cálculo foram alteradas pelo governo para diminuir essa dedução.
  • Tributação de offshores e fundos fechados: offshores são entidades localizadas em países estrangeiros para realizar investimentos financeiros. Os fundos fechados são modalidades de investimento para pessoas de alta renda. O governo mudou as regras, aumentando a tributação.

Todas essas seis mudanças tiveram como objetivo aumentar a arrecadação do governo federal.

‘Elite reclamando’

A carga tributária caiu no primeiro ano do governo, mas a arrecadação de impostos está subindo.

Afinal: isso explica a onda de memes na internet chamando Haddad de “Napoleão Bonataxa”, “Bixo Taxão” e “Mike Taxon”?

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre isso.

Para Andre Roncaglia, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), os memes contra Haddad são parte de um protesto das elites brasileiras que estão descontentes com ajustes que o especialista considera importantes no sistema tributário.

“Fica evidente que o meme ‘Taxad’ é um protesto das oligarquias brasileiras contra a correção de distorções históricas na tributação da renda dos mais ricos”, escreveu Roncaglia em um artigo de jornal.

“A campanha caluniosa tenta contaminar a população com insatisfações sentidas por grupos específicos.”

Para Roncaglia, a tentativa do governo não tem sido de aumentar impostos, mas sim de cobrar tributos de setores que deveriam estar pagando, mas se beneficiaram com desonerações.

“O meu ponto é que o ministro não está aumentando impostos. Ele está restaurando a base de tributação, o que faz toda a diferença. Não está dizendo ‘vamos agora subir a alíquota’ ou ‘vamos criar um imposto novo’, como foi com a CPMF no passado”, diz o pesquisador.

“Mesmo no caso da taxa das blusinhas, essa era uma isenção concedida. Havia um limite de isenção para até US$ 50 em compras e, a partir daí, a tributação era de 60%. Ele não criou um imposto novo, ele só eliminou a isenção. E aí isso tem o efeito de ampliar a base tributável da renda ou das operações.”

Já Carlos Pinto, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBTP), acredita que, mesmo que os memes sejam reforçados por grupos políticos que possam ter interesses em atingir o ministro, eles crescem na internet de maneira orgânica, porque a população brasileira sente que o governo está se esforçando para aumentar arrecadação, sem melhorar os serviços prestados.

“É importante entender que, apesar de haver uma estabilidade da carga tributária, o governo aumentou de maneira notória o volume de arrecadação por estar atraindo agora recursos de fontes que antes não eram tributadas. Então, naturalmente, com a população ciente disso, tem uma aceitação desses memes”, diz Pinto à BBC News Brasil.

O especialista acredita que algumas decisões e declarações de Haddad — como no caso da taxa das blusinhas ou a promessa de tributar sites de apostas esportivas — têm grande repercussão entre a população, ajudando na proliferação dos memes.

Muitos impostos, poucos serviços

O especialista do IBPT acredita que um dos motivos que fazem com que os memes sobre Haddad tenham se popularizado é a percepção entre brasileiros — independente de orientações políticas de cada um — de que os impostos pagos não estão se traduzindo em melhoras na vida da população.

O IBPT é formado por advogados, contadores, economistas e acadêmicos que discutem os problemas tributários do Brasil.

Um estudo da entidade divulgado em abril comparou a carga tributária de 30 países com as maiores tributações no mundo com o nível de desenvolvimento do país, medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Os dados usados no estudo são de 2022.

O objetivo foi mostrar quanto os impostos pagos pela população se traduzem em qualidade de vida para a população.

O Brasil apareceu em último nessa relação, atrás de outros países sul-americanos como Uruguai (9º) e Argentina (22º). O ranking foi liderado por Irlanda, Suíça, Estados Unidos, Austrália e Coreia do Sul.

“Quem mora no Brasil não viu melhoria da segurança pública, não viu melhoria do sistema público de saúde, não viu melhoria de estradas e rodovias, não houve atração de grandes indústrias que possam promover ainda mais o desenvolvimento econômico”, diz Pinto.

“Há sim um aumento exacerbado de gastos públicos que não estão sendo transferidos para a população. Então, acho que o meme só ganhou volume porque a população enxerga que existe o interesse do governo em cobrar mais tributos.”

Outro ponto relevante, segundo Roncaglia, na discussão pública sobre impostos é que existe pouca transparência sobre os tributos pagos.

Isso gera uma dificuldade de diferenciar no dia a dia os efeitos da redução de impostos em relação à variação dos preços, diz o pesquisador.

“Vamos imaginar que uma foi ao supermercado comprar um produto que foi desonerado”, explica Roncaglia.

“Se, depois de uma desoneração de impostos, o preço do produto subiu, por exemplo, por causa de outro motivo, como uma entressafra, essa pessoa não vai se sentir beneficiada. Ela não sabe que a vida dela seria ainda pior se o tributo ainda incidisse ali. Tudo que ela vê é o preço.”

Além disso, muitos tributos são cumulativos, o que também prejudica a transparência — e muitos deles não são óbvios para os consumidores, diz Thais Veiga Shingai, da FIPECAFI.

“No Brasil, tem tributo sobre tributo, tem muito tributo. Um entra na base de cálculo do outro. Isso faz com que a tributação não fique transparente para o cidadão”, diz Shingai.

“É muito difícil a gente identificar qual é a carga tributária que a gente suporta no nosso dia a dia.”

Reforma tributária

Os memes sobre o ministro da Fazenda tiveram repercussão no mundo político — sendo debatidos até mesmo no Congresso.

Os especialistas acreditam que a imagem pública do ministro de “arrecadador voraz” projetada pelos memes pode ter impacto em discussões importantes no futuro, como na reforma tributária.

O Congresso ainda tem pela frente a tarefa de aprovar a segunda parte da reforma — mas todos os especialistas com quem a BBC News Brasil conversou acreditam que esta segunda etapa está cada vez mais distante.

A reforma tributária é vista por políticos, empresários, investidores, acadêmicos e pela população em geral como fundamental para os rumos do desenvolvimento do Brasil.

O sistema tributário brasileiro é notório por ser complicado, oneroso, pouco transparente e muitas vezes injusto.

Cidadãos reclamam que pagam impostos demais e recebem poucas contrapartidas do Estado.

Algumas empresas reclamam que precisam empregar equipes enormes de advogados só para entender como devem pagar tributos no Brasil.

Além das leis tributárias, existe um mar de regras e exceções que abrem caminho para desonerações e tratamentos especiais.

Em alguns pontos, o sistema é regressivo — cobrando impostos demais dos mais pobres e de menos dos mais ricos.

Especialistas indicam que existe a necessidade de um sistema que seja mais justo e transparente, que garanta ao Estado a capacidade de pagar pelos serviços básicos para a população e que mantenha em equilíbrio as contas públicas do governo — sem aumento do endividamento público.

No ano passado, o governo conseguiu aprovar uma parte da reforma em que havia maior consenso da sociedade.

Diminuiu-se a quantidade de impostos (que foram agregados em poucas contribuições) e se criou mecanismos para recompensar os mais pobres, como desoneração da cesta básica e cashbacks.

Mas a parte mais controversa da reforma foi adiada: as mudanças no Imposto de Renda e uma discussão sobre lucros de dividendos, que no Brasil são isentos de taxação.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil temem que esta parte crucial da reforma possa ser adiada indefinitivamente, porque Lula e Haddad já gastaram muito de seu capital político nos embates tributários feitos até agora.

“Acho que a gente vai avançar na discussão, mas eu não sou otimista quanto a aprová-la, talvez na extensão que a gente precise, ainda no governo Lula. É possível que o debate de tributação da renda tome o restante do mandato do governo”, diz Roncaglia.

Fonte: BBC Brasil / INTERNET/ REPRODUÇÃO

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