Por Lilian Matsuura e Rayane Fernandes
Terça, 29 de Junho de 2021
É chegada a hora de discutirmos com seriedade a superação desse modelo de aparente presidencialismo imperial, afirma o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em debate virtual na manhã desta terça-feira (29/6). Defensor do semipresidencialismo, o ministro entende que esta seria uma forma de garantir estabilidade e reduzir as seguidas crises políticas pelas quais o país tem passado e a enxurrada de pedidos de impeachment que afastou dois presidentes da República, desde a redemocratização, e perseguiu todos os mandatários do período democrático.
No debate “Justiça e Democracia”, durante o lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2021 nesta terça-feira (29/6), Gilmar Mendes falou da força que a Constituição de 1988 conferiu ao Congresso e da necessidade que o Poder Executivo tem de dialogar com os parlamentares se não quiser ser alvo de impeachment.
“Naturalizamos o impeachment, tornando-o quase que equivalente a um voto de desconfiança. O presidente perdeu a governabilidade, logo a solução é a interrupção do seu mandato”, disse o ministro, para quem este fato por si só deveria levar a uma reflexão sobre o sistema de governo.
No governo Bolsonaro e durante a crise desencadeada pelo coronavírus, Gilmar citou o poder de decisão do Congresso na aprovação da PEC do orçamento de guerra, que permitiu a separação do orçamento para o combate à Covid-19 do orçamento geral da União. Uma proposta nascida no Executivo, mas que sem o seu apoio não iria em frente.
“Não será o caso de mantermos o regime presidencial, mas com outro perfil, em que o presidente tivesse um poder de moderação? Um primeiro-ministro que tivesse a maioria no Congresso ou na Câmara dos Deputados, tendo em vista nosso modelo bicameral”, questiona.
O ministro do Supremo Tribunal Federal entende que a adoção do semipresidencialismo não precisaria passar por um plebiscito ou referendo, porque as mudanças no sistema ao longo dos anos e a Constituição já permitiriam. Não sem diálogo para a construção conjunta desse novo sistema de governo, “em prol do país” e sem afetar os mandatos em curso, o que passa por repensar o multipartidarismo.
“Temos de adotar o voto de desconfiança construtivo. Só se derruba um governo colocando outro no lugar. Do contrário, corremos o risco de repetir a tragédia de Weimar [República de Weimar, que chegou ao fim em 1933, quando Hitler assumiu o poder na Alemanha], e levar ao colapso da democracia. Temos de zelar para que o remédio não mate o doente”, concluiu.
O presidente da Comissão de estudos de Direito Constitucional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, também participou do debate e também defendeu o sistema semipresidencialista. “É preciso melhorar, diante das crises institucionais, o semipresidencialismo, modelo francês, onde o presidente tem um protagonismo mais expressivo”, disse.
A implantação do semipresidencialismo, em sua opinião, poderia superar crises do governo no país, sem a necessidade de sempre optar pelo impeachment. “No Brasil, diante da falta de apoio do governo, da falta de popularidade do governo, a única saída é o impeachment”, afirmou. Mas destaca que não se deve desvirtuar este instrumento, que serve para punir crimes de responsabilidade, e nem pode ser medida política para um governo que não tem aprovação popular e respaldo do Congresso.
“O semipresidencialismo possibilitaria que a falta de apoio do Congresso, o voto de desconfiança do gabinete fizesse com que o governo, formado pelo primeiro-ministro, caísse e fosse substituído por outro, sendo que o presidente, eleito diretamente pelo povo, teria importante atribuições institucionais para a República”, explicou.
No debate, o ex-presidente do Conselho Federal da OAB justificou sua defesa ao sistema semipresidencialista. “A democracia, a ciência e a razão andam juntas. Quando se percebe um discurso totalitário, normalmente vem seguido de um discurso negacionista quanto à ciência e um discurso avesso à cultura”, disse. Explicou que esse foi um fenômeno do século passado, com o nazismo e o fascismo, e que, somente depois de duas guerras, é que se começou a ter a afirmação de direitos fundamentais.
“A segunda metade do século passado contribuiu e formatou um ambiente para a construção de uma evolução da humanidade que vivenciamos hoje, inclusive com avanços científicos, da internet e melhoria da qualidade de vida”, afirmou. “Sem dúvida alguma, não podemos repetir erros do passado, não precisamos retomar o negacionismo, os regimes totalitários, muito menos a negação e razão. Temos que caminhar tentando melhorar o sistema atual”, concluiu. Informações do site Conjur.