Terapia com vacinas de RNA mensageiro elimina tumores causados por vírus HPV em testes com animais

Ciências saúde

Resultado foi obtido em estudo com pesquisadores da USP e é passo importante para futuros testes em seres humanos

Texto: Júlio Bernardes Arte: Joyce Tenório – Domingo, 05/03/23

Uma estratégia terapêutica inovadora, baseada em vacinas de RNA mensageiro (mRNA), eliminou tumores de colo de útero induzidos pelo papilomavírus humano (HPV) em pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. No experimento, feito em camundongos, as vacinas levam informação genética de uma proteína do vírus, que ativa células de defesa capazes de reconhecer e destruir os tumores, além de impedir seu retorno. Os resultados são superiores aos de outros imunizantes testados no controle de tumores causados por HPV e abrem perspectivas para a realização de ensaios clínicos em seres humanos. A pesquisa, feita em parceria com a Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos), foi apresentada em uma conferência para a imprensa em Washington, durante a reunião anual da Academia de Ciências dos Estados Unidos (AAAS), realizada no último dia 2 de março.

O estudo é descrito em artigo publicado na revista Science Translational Medicine em 3 de março. “O câncer de colo do útero provocado pelo vírus HPV tem alta prevalência em todo o mundo, porém causa um maior número de mortes em países em desenvolvimento, que possuem menos estrutura para diagnóstico e tratamento”, afirma ao Jornal da USP o professor do ICB Luís Carlos de Souza Ferreira, que coordenou a pesquisa em parceria com o professor Norbert Pardi, da Universidade da Pensilvânia. “No Brasil, são cerca de 5 mil mortes anuais por câncer de colo de útero, além dos casos de câncer colorretal, de cabeça e pescoço, também causados pelo HPV.” Ferreira coordena o Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas da USP e orientou a tese de doutorado de Jamile Ramos da Silva, que relata todas as etapas do estudo.

Luis Carlos de Souza Ferreira, pesquisador e diretor do ICB - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Luis Carlos de Souza Ferreira, pesquisador e diretor do ICB – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O professor explica que as vacinas de mRNA representam uma revolução tecnológica e empregam a informação genética do patógeno como princípio ativo. “De forma semelhante ao que foi feito para as vacinas contra covid-19, moléculas de mRNA são introduzidas em células do organismo que produzem a proteína que desencadeará as respostas imunológicas que conferem proteção para agentes infecciosos e para diferentes tipos de câncer”, relata. “Um avanço importante no estudo foi encapsular o mRNA com uma mistura de lipídios, permitindo que o mesmo chegue ao interior das células de nosso corpo.”

No estudo, realizado em camundongos, as vacinas baseadas em mRNA transportam informação genética que codifica o antígeno-alvo, uma proteína do HPV, que é o agente causador da doença. “Ao serem administradas nos animais, essa informação ativou células T citotóxicas capazes de reconhecer e destruir as células tumorais e conferir memória imunológica com capacidade de impedir recidivas do tumor”, descreve Ferreira. “Pela primeira vez, foram testadas três plataformas tecnológicas para o preparo de vacinas de mRNA que codificam para o mesmo antígeno-alvo e testadas no mesmo modelo experimental.”

Proteção

Todas as vacinas testadas forneceram proteção contra tumores que expressam oncoproteínas do HPV-16, o principal tipo de papilomavírus associado a tumores em seres humanos. “Um fato relevante é que as vacinas eliminaram tumores em estágio avançado de crescimento após a administração de apenas uma dose e em quantidade reduzida, minimizando as chances de reações inflamatórias e efeitos adversos associados ao tratamento”, afirma Souza Ferreira. “Os resultados foram muito superiores a estudos anteriores feitos pelo nosso grupo e em outros espalhados pelo mundo, e que empregaram vacinas baseadas em peptídeos, proteínas purificadas, vetores virais ou mesmo moléculas de DNA.”

“Outro avanço importante no desenvolvimento dos imunizantes foi a substituição de algumas bases nitrogenadas que compõem a molécula de RNA, de modo a reduzir a inflamação causada após a administração em nosso organismo, estratégia utilizada com sucesso nas vacinas contra o coronavírus”, aponta o professor. “No estudo que fizemos comparamos, pela primeira vez, três tipos de vacina de mRNA: uma baseada em moléculas de RNA com bases modificadas, incapazes de se multiplicarem no interior de nossas células, similar às usadas para covid-19; uma também com mRNA não replicante, mas sem mudança nas bases nitrogenadas; e uma com capacidade de se replicar, tecnologia ainda pouco utilizada nas pesquisas deste campo.”

De acordo com o professor, os resultados da pesquisa abrem perspectivas para uma nova geração de terapias antitumorais baseadas no princípio de imunização ativa. “A imunoterapia baseada em mRNA induz à resposta imunológica de forma ativa e não depende da aplicação sucessiva de moléculas ou células preparadas fora do nosso corpo, que têm custo elevado e efeitos adversos frequentes e graves”, aponta. “A abordagem vacinal para o tratamento de diferentes tipos de câncer poderá ser a nova fronteira da luta contra a doença e propiciará redução de custo, eliminação de efeitos adversos graves e conferir proteção duradoura, impedindo recidivas, ou seja, o retorno da doença.”

Souza Ferreira esclarece que um longo caminho precisa ser percorrido até que os testes clínicos de segurança e eficácia possam ser concluídos, sendo necessários parcerias com hospitais e investimentos expressivos para a produção da vacina em boas práticas de fabricação. “Nossa expectativa é que, por meio de parcerias com entidades públicas e privadas, possamos encontrar as condições necessárias para atingir a validação clínica da nova terapia antitumoral”, planeja. “De fato, isto vem sendo feito por meio de uma startup gerada na USP e de uma parceria com o Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), mas esperamos sensibilizar grandes empresas farmacêuticas, nacionais ou estrangeiras, para se unirem ao nosso time, do qual faz parte o grupo do professor Pardi nos Estados Unidos.”

A tese de doutorado de Jamile Ramos da Silva, do programa de pós-graduação do Departamento de Microbiologia do ICB, intitulada Vacinas baseadas em RNA mensageiro formuladas em nanopartículas lipídicas para tratamento de tumores induzidos pelo HPV-16, foi apresentada em dezembro de 2021 e vencedora do Prêmio Capes de Teses 2022 na categoria Ciências Biológicas III. A pesquisa envolveu etapas realizadas no Brasil e nos Estados Unidos, numa parceria com as empresas Acuitas, do Canadá, e Imunotera, originada no Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas da USP. 

Mais informações: e-mail [email protected], com o professor Luís Carlos de Souza Ferreira

Fonte: Jornal USP

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