Para proporcionar conforto térmico às vacas leiteiras, o sistema sustentável que conjuga pecuária com agricultura e floresta precisa garantir sombra e monitorar interações sociais do rebanho.
Como sabemos se uma vaca está confortável? Observando como ela se comporta: quando se sentem bem, bovinos bebem água, se deitam e pastam na sombra. Temperaturas e sensações térmicas são elementos relevantes para isso, assim como a segurança que o indivíduo sente dentro da hierarquia social do rebanho. Na pecuária, seja de leite ou de corte, a sensação de conforto é um fator de bem-estar do animal que é objeto recorrente de pesquisas também porque se reflete na produção. O cortisol, hormônio do estresse, faz com que vacas deixem de produzir leite e baixa a qualidade de qualquer produto pecuário, além de sujeitar os animais ao adoecimento.
O conhecimento e monitoramento dos hábitos do gado é importante no sistema silvipastoril, modelo de agricultura sustentável em que são reunidos nas pastagens agricultura, pecuária e floresta – pelo menos 100 árvores por hectare.
A questão é que, nesse sistema, o bem-estar animal acaba sendo outro desafio de manejo. Apesar das vantagens do sistema silvipastoril, que vão da necessidade menor de espaço a ganhos com a qualidade do solo, ele tem sido de lenta disseminação no Brasil. Os motivos são vários, inclusive culturais, mas um deles é o fato de exigir planejamento e manutenção atentos às necessidades das espécies de plantas e animais envolvidos.
A inovação da tese “Thermal environment and social hierarchy influence the location and behavior of dairy cows in a silvopastoral system” (em português, “O ambiente térmico e a hierarquia social influenciam a localização e o comportamento das vacas leiteiras em um sistema silvipastoril”) está em propor uma tecnologia capaz de monitorar esses dados de forma rápida e com o uso de sensores baratos.
Por trás da ideia do sistema criado pelo pesquisador Matheus Deniz, doutor em Zootecnia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), havia o objetivo de atender demandas de dados para pesquisa. A proposta cresceu de tamanho, com olhos na expansão do modelo silvipastoril e da possibilidade de criar uma ferramenta de apoio aos pecuaristas nas quatro estações do ano. A ferramenta foi chamada de sistema Adef.
A tese parte da constatação de que a mediação de dados por estações meteorológicas é ineficaz para monitorar o conforto térmico dos animais, porque geralmente subestima a duração e a gravidade do estresse térmico. Assim, o sistema Adef tem o objetivo de medir variáveis ambientais específicas da região do pasto. “O Adef pode contribuir para que os produtores tomem conhecimento sobre o ambiente térmico nas fazendas. Com a coleta de informações meteorológicas os produtores podem realizar ações mais precisas e melhorar o conforto térmico das vacas”, contou Deniz à Ciência UFPR.
O sistema é um conjunto de registradores de dados (dataloggers) autônomos, os Adef, que são administrados por um microcontrolador programado por software de código aberto. Os componentes de cada Adef são um microcontrolador, um cartão de memória, um relógio, um sensor de ambiente, dois sensores térmicos e uma bateria externa. O custo estimado do sistema com cinco dataloggers é de cerca de 30 dólares.
Dessa forma, o novo sistema viabiliza uma medição de baixa incerteza de variáveis como temperatura do solo, do ar e umidade, entre outros, que compõem os índices de cálculo do bem-estar animal. Os experimentos — medições e cruzamentos de dados — foram realizados na Estação de Pesquisa Agroecológica do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), em Curitiba.
A conclusão da pesquisa é que o Adef é também versátil, portanto poderia ser adaptado para outras pastagens e até sistemas semifechados como os celeiros, entre eles os galpões de frangos de corte, por exemplo.
Conforto térmico será desafio constante para a pecuária devido à crise climática
O sistema de sensores Adef funciona como uma ferramenta que facilita e estimula o modelo silvipastoril. Mas também pode ser percebido como um recurso que gera dados para que gestores de políticas públicas entendam o impacto do aquecimento global para a pecuária. Segundo a tese, o acúmulo de dados ambientais pelo sistema Adef permite que ondas de calor sejam classificadas e previstas.
Essa deve ser uma preocupação do agronegócio brasileiro, já que o país é o terceiro maior produtor de leite no mundo. São mais de 34 bilhões de litros anuais e uma produção descentralizada, presente na maioria dos municípios, que emprega cerca de quatro milhões de trabalhadores em mais de um milhão de propriedades, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Atualmente o setor leiteiro do Brasil passa por uma crise de demanda causada pela baixa competitividade diante de outros produtores, como Argentina e Uruguai.
Além de o modelo silvipastoril servir para baixar custos de produção sem tanto dano ambiental, um sistema como o Adef subsidia o monitoramento do bem-estar animal sem necessidade do gasto com energia elétrica do qual dependem ventiladores e aspersores de água usados nos modelos com confinamento de animais.
A emergência climática também tem impulsionado as pesquisas de conforto térmico animal, uma linha de pesquisa já sólida no PPGZ da UFPR.
Segundo o professor Marcos Martines do Vale, do Departamento de Zootecnia da UFPR e co-orientador da pesquisa, estão sendo conduzidas no programa pesquisas sobre utilização de recursos tecnológicos de inteligência artificial (IA) e biometeorologia para a obtenção de conforto térmico de animais. “Estamos desenvolvendo novos projetos focados em mitigação de mudanças climáticas e aplicação de novas tecnologias com potencial de patente, caso da IA”, explica.
“Frente às mudanças climáticas, a utilização de sistemas que auxiliem no abatimento de calor e na regulação climática pode ser benéfica não só para os animais, mas também para o ser humano”, avalia Deniz, que estuda o conforto térmico de vacas leiteiras em sistemas silvipastoris desde a graduação. No doutorado na UFPR, teve orientação do professor João Ricardo Dittrich e co-orientação de Marcos Martines do Vale.
Hoje é professor na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, onde coordena o Grupo de Estudos em Bovinos Leiteiros (Gebol).
Posição social das vacas em criações repetem regras dos bovinos na natureza
Pesquisar o conforto térmico em rebanhos bovinos significa também compreender como esse fator de bem-estar se relaciona com a hierarquia social que esses animais mantêm mesmo sob condições de pecuária.
Assim como os seres humanos, os bovinos são animais gregários, ou seja, vivem em coletividade devido a uma certa fragilidade física. De acordo com Deniz, animais de criação costumam ter essa característica social, que é a que possibilitou que fossem mantidos pelo ser humano em espaços reduzidos.
Para fortalecer a segurança do grupo, os rebanhos seguem um sistema no qual é estabelecido o status social de cada animal em relação aos outros membros do grupo. Assim, cada animal tem uma posição social que varia de mais subordinado a mais dominante. As vacas mais velhas e maiores, por exemplo, são geralmente as dominantes do rebanho. “A vida em grupo é uma estratégia contra a predação que auxiliou na evolução dos bovinos, portanto o comportamento social dos bovinos nos sistemas de produção animal são reflexos dos seus comportamentos naturais”, explica o pesquisador.
O estudo dessa hierarquia ajuda a entender os comportamentos dos animais na criação. Por exemplo, as vacas em posição dominante no bando bebem menos água em geral, mas deitam mais e aproveitam mais a sombra.
Fonte: O Presente Rural