Treinador diz que camisa 10 vive momento mágico de gols e assistências na temporada e que seleção brasileira vai precisar de nova liderança no comando técnico após o Mundial do Catar
Por Kiko Menezes e Márcio Iannacca — Rio de Janeiro
06/11/2022 13h23
O técnico Tite vai divulgar nesta segunda-feira, às 13h, na sede da CBF, no Rio de Janeiro, a lista dos 26 convocados que disputarão a Copa do Mundo do Catar, a partir do dia 20 de novembro. Um nome está na ponta da língua do treinador e da torcida brasileira, o do atacante Neymar. E é justamente a empolgação e o comprometimento do camisa 10 da seleção brasileira que arrancou elogios do comandante às vésperas da convocação final para o torneio.
– Preparação individual, a consciência dele de começar a se preparar ainda nas férias, em Mangaratiba. Ricardo Rosa, preparador físico particular dele, que deu todas essas condições. O PSG, que proporcionou essa condição de apressar todo esse processo. Mas ele é fundamentalmente da capacidade dele individualmente de querer se preparar, vontade de ganhar é uma coisa. Atletas de alto nível, pessoas que atingem o alto nível, todos têm essa capacidade. Mas a pergunta é: você tem vontade de se preparar? Quando você se prepara de forma anterior você está colhendo aquilo que foi feito na preparação.
Em quase uma hora de conversa com a TV Globo (assista à reportagem do Esporte Espetacular no vídeo acima) , o treinador deu exemplos sobre o bom momento de Neymar, que tem 121 jogos pela seleção brasileira e 75 gols.
– O número de gols e assistências. Ou mais recentemente estou subindo o elevador e o cara disse: o Neymar tá voando, viu aquela bicicleta que ele deu, deu no pau e devia ter entrado. Esses lances onde você tem essa clarividência, rapidez de raciocínio e execução. A gente consegue perceber quando o atleta pensa rápido, o talentoso, e executa rápido. Alguns atletas mantém, os extraordinários mantém a rapidez de raciocínio, mas com a idade chegando vai tendo um delay na execução. A gente consegue perceber que tipo de jogada vai acontecer e o defensor também. Quem consegue manter o talento, e ele tem, com o físico respondendo, faz coisas que acabam sendo surpreendentes quando há essa sintonia. Que continue nessa vibe. É vibe que a molecada chama, né?
E a seleção brasileira ainda é dependente do Neymar?
– Sim. Ela é Neymar dependente. Ela é Thiago (Silva) dependente. Alisson dependente. Antony dependente. Raphinha dependente. Ela depende de vários talentos. Uma equipe é feita do conjunto todo e de seus grandes talentos.
Se de um lado Neymar é motivo de elogio e expectativa positiva para a Copa, de outro Tite já sabe o que esperar após o Mundial. Ele reiterou que deixará o cargo após a competição no Catar. Mas por que?
– Porque existe tempo para outras lideranças. Porque existe tempo para outros profissionais virem aqui e fazer um trabalho começo, meio e fim. Não sou dono do lugar. Por maturidade, saber que todo mundo tem o seu tempo, por ser grato por ter feito um ciclo inteiro. Existe um complexo muito maior. Outros desafios vão surgir na minha carreira – disse o treinador.
Confira abaixo a íntegra da entrevista com Tite:
Existe ciência na convocação? Qual é a ciência para chegar aos 26 nomes que irão disputar a Copa do Mundo?
TITE: É um desafio muito grande. Estávamos falando fora do ar e eu repito: tem o lado humano muito forte. Respeito todos os atletas. Essa expectativa toda que gera de estar convocado. Paralelamente ao lado humano tem o momento físico, clínico e técnico dele. Numa Copa do Mundo, onde o tempo de preparação é muito curto, e jogo de três em três dias esses aspectos todos são fundamentais.
Ainda existem dúvidas?
TITE: Sim. O pessoal brinca comigo sempre e a gente reflete. Tenho por hábito usar todo o tempo possível. A experiência me mostrou isso. Vou me dar o último dia de ir para casa, refletir, ficar em paz comigo mesmo. Sabendo que não vou agradar a todos e é uma atribuição do técnico. Mas em cima das ideias nossas, dos acompanhamentos, ser o mais justo humanamente possível. Isso vamos buscar e vou utilizar todo o tempo que for necessário. O pessoal brinca e diz que é um coletivo à noite. Coletivo já não tem que é um tempo passado, mas reflexões, sim.
Como é a noite do treinador na véspera da convocação final?
TITE: A única que está acostumada e sabe relatar isso tudo é a minha esposa. Começo a chutar ela de madrugada, a adrenalina sobe e ela fala: calma, te acalma. Daqui a pouco chega em determinado momento no meio da noite, nesses dias que antecedem (a lista)… Quatro horas da manhã acordei, olho e são quatro horas da manhã. Eventualmente tenho esses estalos, né? Você vai dormir um pouquinho antes, prolonga o sono, expectativa. Volto a dizer, eu sou humanista por excelência. Há o atleta, mas antes tem o homem, o caráter, o filho, o pai, o ser humano que deve ser respeitado. Faço questão de externar isso, essa gratidão a todos os atletas que fizeram parte desse conjunto. As escolhas vão acontecer, elas são técnicas, mas elas têm o respeito pessoal muito grande.
A seleção brasileira hoje está melhor preparada do que a seleção brasileira que foi para a Copa da Rússia?
TITE: É injusto fazer as duas comparações. Quando assumimos era um momento de recuperação da seleção brasileira. Agora, depois de 2018, é um momento de construção com um processo inteiro. O que tivemos nesse tempo maior? Acertos e erros. Maiores oportunidades. Em uma das primeiras perguntas você colocou isso. O quanto de atletas foram oportunizados? Num Brasil onde temos talentos enormes. Procuramos acompanhá-los para que pudéssemos dar essas oportunidades e que agora a gente esteja no melhor momento que a seleção brasileira teve nesses quatro anos. Vai ganhar? Não sei. Mas que é o melhor momento, isso, inquestionavelmente é.
Dá para dizer que a formação titular da seleção brasileira se consolidou no último ano?
TITE: Processo pós Copa do Mundo que também foi rico para mim. Em termos da Copa de 2018 foi rico. Não estou desprezando absolutamente, mas foi um momento atípico de dois anos apenas que a margem de erro era muito pequena. Problemas de lesão aconteceram, lembrando de Dani (Alves), Neymar, Renato Augusto, para não falar de outros, para contextualizar. A partir dali começa uma nova etapa, novas construções. Manteve-se aspectos importantes de resultado, uma equipe sólida, mas ela carecia de criatividade e de gol. E essa nova geração, que foi trabalhada por (Carlos) Amadeu (treinador da base, que faleceu em 2020), fica a minha gratidão à família dele, a (Rogério) Micale (treinador campeão olímpico na Rio 2016), a (André) Jardine (treinador campeão olímpico em Tóquio 2020), a Paulo Victor (treinador das categorias de base da Seleção), a Guilherme da la Dea, Ramon Menezes (atual treinador da seleção sub-20). Todos esses profissionais da base, que integradamente, com a gente, vão falando das características… Os atletas se sentem pertencentes também à seleção principal. Vai criando-se uma geração aonde deu esse acréscimo em termos ofensivos, criativos, de drible, de finta, de lance pessoal, que essa geração trouxe.
Você tem 76 jogos à frente da seleção brasileira. Foram 57 vitórias, 14 empates e 5 derrotas. Qual é a sua leitura sobre os seus números?
TITE: Tomo muito cuidado com os números, mas não deprecio também. Mas prefiro a análise qualitativa. Qual é a análise qualitativa? Ela está embasado na criação e gols. Time criativo e que faça gols. Um time que seja sólido defensivamente, que muito pouco tome gols, que é um atributo para vencer. E resultados, vitórias. Quando você une esses três fatores, você está muito perto da excelência. Eu tenho alguns números marcados, inclusive de oficiais. São 47 jogos oficiais e o aproveitamento em oficiais supera, ela vai para 84% ou 86%. Alguma coisa assim. Por que eu falo de oficiais? Porque oficial o bicho pega. Em algum jogo amistoso, em algum momento, o atleta está jogando Champions League, segura um pouco, está jogando a final do Brasileiro, inconscientemente, segura um pouco. Jogos oficiais não tem jeito. Não tem jeito. Você tem que estar no seu máximo físico, técnico, tático e emocional forte. Essas construções me deixam muito felizes em termos de resultados. Mas o que me deixa mais feliz é esse processo de manter solidez, mantendo resultado, oscilando criação e gols e agora, no momento final, está na sua melhor condição. Veio essa geração, esses externos, esses fumacinhas, que eu gosto de falar, perninha rápida, dribladores, fintadores… Eles te trazem uma DNA muito característico nosso, brasileiro.
Em jogos oficiais você perdeu apenas duas vezes: Bélgica, na Copa do Mundo de 2018, e Argentina, na final da Copa América. O que significam essas derrotas?
TITE: Não sei. Não tenho a dimensão agora. Claro que fico orgulhoso desse retrato todo, desse recorte todo. O que me deixa mais feliz é que eu falo tanto em processo e chegamos no final desse processo para a Copa do Mundo consolidado. Isso me deixa mais feliz. O técnico, como toda rotatividade, ele precisa ter começo, meio e fim. Quando ele é interrompido, você não tem referência sobre o real valor, a capacidade da recuperação da equipe dela crescer. Quando uma equipe está num mal momento e ela cai, quando ela retoma um padrão ela retoma muito mais forte. As relações de confiança com o técnico, com a comissão técnica e com as relações humanas de lealdade, confiança, transparência, liderança, que é de troca, fica muito mais consolidada. Então isso me deixa contente.
O cargo de treinador da seleção brasileira é tão diferente que quando você tem duas derrotas em momentos especiais elas podem causar questionamento?
TITE: Claro que sim. E deve ser assim e humanamente é assim. Não posso crer numa situação irracional de achar que em algum momento não vai ter crítica se elas fazem parte do contexto. E eu tenho que saber absorver, tenho que me preparar, o cargo estar técnico da seleção, ser técnico, tem essa exposição. Tem que entender isso. O que há uma diferença, que eu cuido, é quando há uma crítica com uma informação errada. Isso me incomoda. A outra que eu fico indignado é quando há maldade. E a gente consegue discernir quando há maldade nessas situações todas. Mas também há reconhecimentos na mesma proporção ou mais de trabalhos. Isso é do jogo.
Em algum momento você pensou em desistir após a derrota para a Bélgica na Copa?
TITE: Sim. Pensei sim. Por que ia passar de novo? Eu pensei: são quatro anos. Quatro anos é tempo para caramba até a Copa do Mundo. Eu vou buscar sempre ter a capacidade de buscar o melhor, a busca é uma característica minha, a inquietude do saber, de ler, de buscar informações. São quatro anos, demorado, a cultura do futebol brasileiro será que vai me permitir ter essa paciência ou compreender esse processo todo para chegar em quatro anos. Andei do posto seis ao posto treze (na praia da Barra da Tijuca), ao posto oito umas 500 vezes. Falei com a minha esposa mais um monte, falei com os meus irmãos, com os meus filhos. E dessa exposição toda que traz, o prazer muito grande, uma realização, uma pressão. E aí decidi. Mas nesse momento eu balancei para poder aceitar.
O que te convenceu a seguir em frente?
TITE: Um argumento que a minha filha me disse: pai, você é construtor de equipe, todos os trabalhos que você teve sucesso você teve começo, meio e fim. Agora está tendo a possiblidade e não vai querer. Você pegou antes que era mais difícil. Período de recuperação, equipe que era sexta colocada. Você jogou toda a sua carreira em risco, se não classifica para o Mundial você seria taxado como primeiro técnico que não classificou para o Mundial em toda a história. Não vou te encorajar para criar todo um processo? Fora isso, a condição de manter em tempo integral uma comissão técnica, com fisiologista, preparador físico, que hoje se integram e tem canal de comunicação com todos os clubes. Com técnico que fala com os técnicos adversários, que acompanha jogos, que acompanha in loco, que acompanha em tempo integral. Foi nos dada uma estrutura profissional para poder desenvolver…
Faria algo diferente de 2018 para cá?
TITE: Fizeram essa pergunta e eu estava com dificuldade de responder. Se eu fiz diferente ou errado é porque eu não tinha conhecimento ou competência para tal. Eu me arrependeria se, premeditadamente, eu tentasse fazer uma coisa para ganhar outra ou para fazer o mal de alguém. Isso eu me arrependeria. Se eu errado eu fiz e fiz. Um cara bom acerta 7 ou 8 de dez. Duas ou três eu vou errar. Eu tenho que compreender isso. Eu não posso me exigir perfeição. Eu para comigo mesmo não posso compreender isso.
Quase 80% de renovação do grupo de 2018 para cá. Por que tivemos um processo de renovação tão grande?
TITE: Vou largando o que vem na cabeça. Uma geração surgindo, um intercâmbio daqueles profissionais que eu falei lá atrás. Um atleta vindo da seleção olímpica ou da seleção de base muito mais familiarizado. Um bastidor para ti. O Matheus Cunha perguntou para o fisiologista: o homem (Tite) falou que eu entrei e teve aquele lance. Eu entrei aos 72 do segundo tempo. O Guilherme (fisiologista) respondeu: ele sabe a hora que entrou, a hora que saiu, o treino que você fez, os lances que você tem. Ele acompanha tudo de vocês. O Matheus Cunha não vinha jogando constantemente no Atlético de Madrid. É a nossa função. Não é uma atribuição extraordinária, é nossa função. Temos prazer e amor em fazer isso.
Quais foram as suas maiores descobertas? Cite nome…
TITE: Vou ser injusto. Ela pode ser uma descoberta de um jogador que se mantém em alto nível, extraordinário, com 38 anos. Ela pode ser uma descoberta de um atleta se preparando e num momento crucial nesses três meses atingindo a performance e os cuidados e a preparação que o Neymar tem. Ou de um Raphinha, que eu não imaginava que acontecesse. A comissão técnica buscou informações, analisou vídeos, trouxe, entrou na minha sala. Eu disse: tenho mais coisas que ver, que analisar, para avaliar, para convocar, e vocês vem me trazer o Raphinha. Nós já filtramos e já sabemos o que ele pode… Tá aqui. Fomos buscar mais informações, entra em contato com o técnico, o Bielsa. Aí vai ver in loco. Essas construções… Os atletas da base. Eu e Juninho fomos assistir ao pré-olímpico na Colômbia, com Antony, Nino, Bruno Guimarães, Douglas Luiz, Matheus Cunha. Uma série de atletas… Esses acompanhamentos vão te municiando de conhecimentos, informações verdadeiras, sentimento. Futebol se sente também não se olha. A atmosfera, as pressões. Tem jogadores experientes com evolução e jogadores jovens com afirmação. Até surpreendente como é o caso do Raphinha.
O que ficou do ciclo agora e o que vocês deixaram para trás em termos táticos?
TITE: A premissa anterior, do passo anterior, uma relação humana de confiança e lealdade. Não precisa ser um expert em liderança para saber que essa é uma ferramenta fundamental para que todas as outras se desenvolvam. Em termos ofensivos, a gente começou a criar opções. As opções começaram a surgir com os externos, os pontas, e a gente ficou com jogadores abertos para tentar furar o bloqueio do adversário também. Dois meias, um segundo meio-campista jogando dentro do campo do adversário. Um ataque posicional inicialmente, mas depois com liberdade criativa. Se pudesse colocar nomes, incialmente posicionando os dois externos e o centroavante mais funcional pela liberdade que eles têm das movimentações, da chegada de ter laterais. Não temos mais Junior, Leandro. Não temos mais Cafu e Roberto Carlos. Temos jogadores mais defensivos. Em compensação temos jogadores agudos dos lados. Aquele apoio que era feito pelos laterais agora é feito pelos pontas. Vamos trazer os laterais para dar consistência e abastecer os jogadores da frente. Esse aspecto harmônico a gente procurou ajustar ao longo desse tempo, mas principalmente criativo e ofensivo. Fez-se as modificações, um segundo meio-campista mais ofensivo, Neymar mais centralizado, não Neymar Barcelona, Neymar mais PSG, com liberdade criativa maior ainda, de transitar, criar, fazer as jogadas de articulação, de chegada.
Alguma ideia foi abandonada?
TITE: Por circunstâncias, o atacante do lado flutuador, sim. Antes jogávamos com o Couto (Philippe Coutinho) ou com o Willian, que fazia uma função de lado do campo em que rodava por dentro para deixar uma passagem do lateral. Hoje a gente tem um externo para que esse segundo meio-campista seja esse jogador que jogue na frente. O futebol é visual e às vezes é difícil de entender os movimentos.
A Copa acontece num período fora dos padrões, quando os campeonatos europeus estarão pegando fogo. O que muda com essa nova configuração de Copa do Mundo?
TITE: O atleta europeu vem mais fresh em termos físicos e em termos mentais também. Se pega em final de temporada europeia ele vem extremamente pressionado porque vai estar disputando final ou eliminou ou não teve título, não classificou para as principais competições. Pega o jogador exaurido, mentalmente exaurido, fisicamente, por vezes, sem as suas melhores condições. Agora não, vamos pegar o atleta fresh mental e fisicamente. Em contrapartida, os brasileiros todos disputando finais, Libertadores, Copa do Brasil, campeonato nacional… Mentalmente te absorve. Mentalmente não conta? Eu tô absorvido mentalmente de conversar e externar as minhas ideias de forma organizada para contigo. Isso demanda energia. O atleta que tem que racionar rápido, executar rápido, também tem que estar fresh. Nesse aspecto, o Campeonato Brasileiro…. Os jogadores brasileiros trazem um prejuízo maior.
Vamos ter uma Copa de alto nível?
TITE: Acredito que sim. Outro fator é que todos os gramados são muito bons. São seis substituições e o ritmo de jogo se mantém. Ele (ritmo) pode, com substituições, ser mantido numa rotação maior.
Como vê a dedicação do Neymar para chegar bem na Copa?
TITE: Preparação individual, a consciência dele de começar a se preparar ainda nas férias, em Mangaratiba. Ricardo Rosa, preparador físico particular dele, que deu todas essas condições. O PSG, que proporcionou essa condição de apressar todo esse processo. Mas ele é fundamentalmente da capacidade dele individualmente de querer se preparar, vontade de ganhar é uma coisa. Atletas de alto nível, pessoas que atingem o alto nível, todos têm essa capacidade. Mas a pergunta é: você tem vontade de se preparar? Quando você se prepara de forma anterior você está colhendo aquilo que foi feito na preparação.
Você tem um exemplo palpável que tenha observado dessa dedicação do Neymar?
TITE: O número de gols e assistências. Ou mais recentemente estou subindo o elevador e o cara disse: o Neymar tá voando, viu aquela bicicleta que ele deu, deu no pau e devia ter entrado. Esses lances onde você tem essa clarividência, rapidez de raciocínio e execução. A gente consegue perceber quando o atleta pensa rápido, o talentoso, e executa rápido. Alguns atletas mantém, os extraordinários mantém a rapidez de raciocínio, mas com a idade chegando vai tendo um delay na execução. A gente consegue perceber que tipo de jogada vai acontecer e o defensor também. Quem consegue manter o talento, e ele tem, com o físico respondendo, faz coisas que acabam sendo surpreendentes quando há essa sintonia. Que continue nessa vibe. É vibe que a molecada chama, né?
Como é a liderança do Neymar com os atletas mais jovens?
TITE: Gostaria que vocês tivessem uma câmera escondida, totalmente escondida, para ver como ele age no dia a dia. E como ele dá confiança aos garotos e os encoraja. Ele os recebe. Talvez porque ele tenha sido recebido em momento importante de sua carreira. Ele deixar atletas à vontade. Tem um lance, não sei se o Raphinha, o Antony ou o Rodrygo, que foi dar uma caneta em direção ao gol. Alguém atrás falou: toca logo. Ele olhou e disse: deixa ele ir para dentro porque estamos no processo criativo, incentiva e encoraja o moleque para ir para dentro. Se ele errar eu vou estar ajudando. Não estou falando isso para gerar empatia para quem está me ouvindo, para mostrar que eu sou um cara excepcional ou para me fragilizar e sensibilizar alguém. Eu conto essas histórias para gerar conexões com as pessoas que estão do outro lado nos ouvindo e que em suas atividades também passam por isso. E que vem num atleta, que não tem essa transparência, que o bastidor mostra. Ele é dele, mas é de Thiago, do Alisson, do Ederson, são desses jogadores, cada um no seu estilo. Ele é de Casemiro, é de Dani. Essa combinação jogadores mais jovens, mas que são recebidos bem e se sentem à vontade, dá uma química legal na equipe.
A seleção brasileira ainda depende do Neymar?
TITE: Sim. Ela é Neymar dependente. Ela é Thiago (Silva) dependente. Alisson dependente. Antony dependente. Raphinha dependente. Ela depende de vários talentos. Uma equipe é feita do conjunto todo e de seus grandes talentos.
Você estava preparado para essa pergunta?
TITE: Me foi feita de outra forma. Mas como não vai depender de um grande jogador? Claro que ela depende. Depende da formatação, mas talvez eu tenha falado com tanta clareza. Fui bem?
O Neymar não conseguiu chegar 100% na Copa da Rússia por conta da lesão. Imagino que essa seja uma preocupação da comissão técnica. Não ter jogadores contundidos antes da Copa.
TITE: Ter essa conscientização da preparação. Um atleta bem preparado, treinando em alto nível, com velocidade e intensidade, com contato, ele vai estar menos propenso a lesões. Falei em termos técnicos. Pensar e executar a jogada mais rápido. Ao mesmo tempo ele vai sair das marcações e da batida do adversário, da pancada do adversário. O jogador mais lépido, leve, mais ágil, vai conseguir evitar a falta do adversário. E a experiência me mostra, não te amedronte. Vou usar o não, ser assertivo. Fique encorajado para competir de forma leal porque inibir demais a chance de acontecer uma lesão é maior.
Na preparação tivemos apenas um jogo contra uma seleção europeia, a República Tcheca, em 2019. Vai fazer falta?
TITE: Sim. Essa resposta tenho ela tabulada, quando vou para casa, tomando banho. Sim, mas as outras seleções também sentem falta. Tem o relato de outros jogadores, em outras equipes, o Taffarel comentou no Liverpool. O Van Dijk, o Mané, quando lá estava, e outros jogadores. A gente sente falta de jogar contra sul-americanos, Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia. Tem os dois lados.
A pandemia atrapalhou?
TITE: Sim. Vamos ser coerentes. Vamos ser justos. Assim como preparação, nós tivemos que nos adaptar a uma nova realidade. Não gosto de usar a palavra reinventar. Ninguém se reinventa, mas alguém se molda. As circunstâncias aconteceram e tivemos que nos moldar a ela. Foi difícil, mas teve influência sim.
A relação dos familiares com os jopgadores no Catar será diferente em relação ao que ocorreu na Rússia?
TITE: Vai ter menos tempo para termos um contato. Tudo que é pouco é errado. E tudo que é demais é errado. Temos que encontrar um meio-termo. Não acredito que contato com a família prejudique. Acredito que fortaleça. No seu momento, na sua hora. Não acredito que se penalizar, se fragilizar, se auto punir, vai te levar a alguma coisa. Vamos encontrar esse meio-termo.
Você manifestou que não vai continuar na Seleção após a Copa. Por que?
TITE: Porque existe tempo para outras lideranças. Porque existe tempo para outros profissionais virem aqui e fazer um trabalho começo, meio e fim. Não sou dono do lugar. Por maturidade, saber que todo mundo tem o seu tempo, por ser grato por ter feito um ciclo inteiro. Existe um complexo muito maior. Outros desafios vão surgir na minha carreira.
Já imaginou como será o primeiro momento sem ser técnico da seleção brasileira?
TITE: Sim. Vou sentir ciúme do técnico que vier. Vou sentir inveja de não ter permanecido. Vou fugir do noticiário para não ferir os meus sentimentos. Vou ter todas as manifestações humanas, mas ficar em paz comigo mesmo. Sabendo que começo, meio e fim acabam acontecendo.
O que sente o treinador na véspera da convocação para a Copa?
TITE: Algumas crenças que são irracionais e não posso trazer para comigo. A primeira é a perfeição. Não posso me cobrar. Vou errar na convocação, vou errar algumas. Humanamente eu vou. Premeditadamente, não. Planejamento que vamos fazer precisam ser reconduzidos porque, nunca na vida, todas as situações que a gente planeja vão acontecer. Você precisa ter a capacidade de reconduzi-las. E a terceira é que eu represento alguns e outros eu não represento. Tem familiares meus e amigos que não vão estar torcendo por mim. E isso é da vida, é do jogo, é o mundo real. Essas angústias que eu vou ter no dia anterior vão estar na busca do mais correto possível e sempre respeitando o lado humano. A todas as famílias, todos os atletas que fizeram parte desse conjunto e dessa… Eu falo e eles sentem no meu dia a dia. Escolhas elas acabam acontecendo.
Fonte: Globo Esporte