Colapso sanitário em emergências do clima afeta particularmente o segmento – levantando demanda por políticas específicas. Entidades frisam urgência de medidas para garantir cuidado no RS – e em possíveis futuras catástrofes
O movimento social de Aids, em especial as organizações parceiras do Fórum Ongs Aids RS e o Grupo de Apoio à Prevenção da Aids do Rio Grande do Sul (GAPA/RS) junto à Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) e o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), estão acompanhando com grande preocupação as trágicas consequências e desdobramentos da tragédia no Rio Grande do Sul, sobretudo para a população vivendo com HIV no estado, em especial aquelas em condições de vulnerabilidade.
Diversas questões nos preocupam neste cenário, especialmente em relação ao acesso aos serviços de saúde e à continuidade das ações de prevenção, diagnóstico, tratamento ao HIV e Aids e à tuberculose. É importante lembrar que a região metropolitana de Porto Alegre já apresenta um contexto preocupante, com uma epidemia de Aids generalizada, o maior coeficiente de mortalidade por Aids do Brasil e uma alta prevalência de tuberculose e outras doenças infecciosas, podendo se agravar diante desta catástrofe climática, política e social que está enfrentando.
Entre as nossas preocupações estão sobretudo os que se encontram abrigados e sem data para voltar para casa, pessoas vivendo com HIV, em situação de rua ou privados de liberdade, cujas instituições penais foram afetadas pelos alagamentos, população LGBTQIANP+, em especial pessoas trans.
Atualmente, mais de 530 mil pessoas estão desabrigadas, sendo que destas 80 mil encontram-se em alojamentos recém-criados para atender a população desabrigada e já temos relatos de assédio e violência sexual, preconceito e transfobia. Nos aflige observar que, apesar do admirável trabalho de acolhimento das instituições e pessoas responsáveis pelos abrigos para a população severamente impactada pelas inundações, tais espaços podem reproduzir e fortalecer dinâmicas de violência já conhecidas por diversos grupos vulneráveis e estigmatizados, caso não se implementem medidas de proteção bem desenhadas e adaptadas ao atual cenário.
Nos últimos 5 anos, vivenciamos no Brasil pelo menos três grandes tragédias que ameaçaram o acesso e manutenção ao tratamento de doenças crônicas — a pandemia de COVID-19, a seca na Amazônia e agora as inundações no RS. As duas últimas apontam para o aumento das emergências climáticas e de larga escala, e o cenário se repete: a demora e desarticulação para estruturar planos de mitigação aos desdobramentos destas crises que impactam as rotinas de cuidado de pessoas com doenças crônicas, sobretudo as que necessitam de cuidado contínuo.
Louvamos a elaboração e entrada em vigor no dia 9 de maio da Norma Técnica N. 15/2024 do DATHI/SVS/MS, que entre outras orientações, desobriga a apresentação de receita e formulários de solicitação dos antirretrovirais ou antivirais para o tratamento da AIDS ou de hepatites, além de liberar a entrega de antirretrovirais para Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ao HIV para 120 dias. A Prefeitura de Porto Alegre também anunciou medidas para facilitar o acesso aos medicamentos, por exemplo, com a entrega dos medicamentos nos abrigos.
Tais medidas são passos importantes, ainda que não deem conta da complexidade de desafios, por exemplo, para aqueles recém-diagnosticados e que estão entrando na rede do SUS, ou para a marcação de consultas, exames, entre outros. Além disso, temos que considerar que estas estratégias encontram uma barreira potente: o estigma social e o preconceito presente no cotidiano de quem vive com HIV, aids e/ou tuberculose.
Eventos climáticos extremos já são uma realidade no Brasil. Nós da sociedade civil avaliamos como urgente a elaboração de planos estratégicos robustos e articulados entre todos os entes federativos e que contemplem a participação comunitária para lidar com a manutenção da continuidade de tratamento, as medidas para diagnóstico e a prevenção de infecções, especialmente as sexualmente transmissíveis em emergências. Não podemos esperar o surgimento de novas tragédias climáticas e crises sanitárias para que fluxos de atendimento e resposta sejam elaborados. Precisamos estar preparados e articulados previamente aos acontecimentos.
Pedimos urgentemente a elaboração e disseminação de diretrizes para o funcionamento de abrigos e para prevenção de casos de violência contra grupos vulneráveis, bem como fluxos de atendimento para vítimas de violência sexual nestas situações, como o encaminhamento das mesmas para profilaxias e prevenção ao HIV e IST, além de todo amparo médico, psicológico e social.
Também pedimos que pessoas com doenças crônicas, dentre elas Aids, sejam consideradas como parte dos grupos prioritários em planos e ações de prevenção e combate a doenças infecciosas que podem surgir como consequência das inundações.
As organizações que assinam esta nota se solidarizam com as pessoas afetadas pelas chuvas e inundações no Estado do Rio Grande do Sul e permanecem à disposição para contribuir com a elaboração de planos que possam mitigar e enfrentar os imensos desafios aqui citados.
Assinam essa nota:
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA
Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual – GTPI/Rebrip
Fórum Ongs Aids RS
Grupo de Apoio à Prevenção da Aids do Rio Grande do Sul (GAPA/RS)
Fonte: Outra Saúde / Foto: Agência Aids