A presidência brasileira do BRICS acontece em um momento crítico: a escalada dos impactos climáticos impõe desafios inéditos, o multilateralismo está sob pressão e a transição energética enfrenta turbulências geopolíticas
O Brasil, à frente do bloco, tem a oportunidade de impulsionar uma agenda ambiciosa e alinhada com a ciência para acelerar a transição energética. Mas, para isso, precisará superar obstáculos estruturais e políticos que não podem ser ignorados.

Além das tensões geopolíticas, a expansão do grupo adiciona complexidade. O Brasil pode se beneficiar da transição devido à competitividade das fontes renováveis no país; a China, apesar de ainda depender fortemente do carvão, vê na exportação de equipamentos para geração renovável uma oportunidade estratégica. No entanto, outros sócios do bloco têm suas economias fortemente atreladas aos combustíveis fósseis e resistem a compromissos mais ousados.
Nesse cenário heterogêneo, a grande questão é: até que ponto será possível alinhar o bloco com uma visão de transição energética que seja de fato compatível com os desafios climáticos?
O abismo entre expectativas e realidade
A sociedade brasileira espera que a liderança internacional do país se traduza em resultados concretos. Além da presidência do BRICS, o Brasil também será o anfitrião da COP30, onde precisará demonstrar que está liderando pelo exemplo. Mas há um abismo entre as declarações diplomáticas e a realidade da política energética.
Os relatórios que o Brasil planeja lançar no Grupo de Trabalho de Energia do BRICS, sobre Novos Combustíveis Sustentáveis e Pobreza Energética, podem reforçar a narrativa da transição justa. No entanto, sem metas objetivas para a substituição dos fósseis por fontes renováveis, há o risco de “greenwishing” – promessas ambiciosas sem um plano concreto para entregá-las, resultando em compromissos mais desejados do que realizáveis.
A urgência climática não permite discursos vazios. A ciência é alarmante: 2024 foi o ano mais quente dos últimos 125 mil anos, com eventos extremos devastando economias e populações por meio de enchentes, furacões, queimadas e secas recordes. Os compromissos atuais ainda são insuficientes para conter o aquecimento global. Não há mais espaço para planos tímidos ou soluções graduais.
Financiamento: o elefante na sala
A grande incógnita é o financiamento. O BRICS pode (e deve) pressionar as economias avançadas a cumprirem suas promessas de mobilização de recursos para a transição. Mas o bloco também precisa fazer sua parte: alinhar seus planos de investimento e mobilizar o mercado de capitais para expandir os investimentos públicos e privados em infraestrutura energética de baixas emissões.
O retorno de Donald Trump à Casa Branca pode paralisar os bancos multilaterais sob influência dos EUA, restringindo ainda mais o acesso ao financiamento climático para países em desenvolvimento. Nesse contexto, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS tem potencial para ocupar um papel estratégico e precisa ser fortalecido. Hoje, não opera na escala necessária para impulsionar uma transição energética de grande impacto. Bancos de desenvolvimento e fundos soberanos dos membros do bloco também podem ter papel central na transição do mundo em desenvolvimento.
Sem dinheiro, os planos de transição correm o risco de permanecer apenas na retórica. E sem um alinhamento político mais forte entre os membros, as decisões podem acabar sendo guiadas mais por interesses econômicos de curto prazo do que pelo imperativo climático.
O Brasil pode liderar – mas precisa agir rápido
A presidência brasileira do BRICS é uma oportunidade única para posicionar o país como articulador de um novo modelo de desenvolvimento sustentável. Mas isso exige decisões difíceis: enfrentar pressões internas da indústria fóssil, evitar concessões excessivas a aliados do bloco que atrasam a transição e, principalmente, mobilizar financiamento em larga escala para garantir que a energia limpa e acessível se torne realidade no mundo em desenvolvimento.
O Brasil tem credibilidade e capacidade técnica e diplomática para construir as pontes necessárias para uma transição energética acelerada. Mas o tempo está se esgotando. A janela de oportunidade para garantir uma transição energética justa antes que as economias sejam devastadas pelos impactos climáticos está se fechando rapidamente.
A grande questão é: a presidência brasileira do BRICS será capaz de transformar o discurso em ação? Os próximos meses serão decisivos para definir o papel do bloco na transição global – e evidenciar se o Brasil está pronto para liderar pelo exemplo.
Fonte: Um Só Planeta / Foto: Getty Images