Com impasse nas negociações, acordo ambiental decisivo não se concretizou. Mas sem os pontos “polêmicos” – redução na produção, fim do uso de químicos tóxicos e recursos para transição econômica no Sul Global – seu texto será inócuo
Por Steve Fletcher e Samuel Winton, no The Conversation | Tradução: Guilherme Arruda
Impulsionadas pelas Nações Unidas, as negociações de um tratado global para acabar com a poluição por plásticos foram encerradas em 1º/12 sem que um acordo tenha sido alcançado. Uma nova rodada de negociações deve ocorrer em meados de 2025.
Fracassaram as discussões em torno de um teto para a produção de plástico, restrições ao uso de certos produtos químicos em plásticos e apoio financeiro para ajudar os países em desenvolvimento a buscar alternativas menos poluentes. Todas essas propostas foram firmemente contestadas pelo autodenominado “grupo de países com ideias semelhantes”, formados pelos grandes produtores de petróleo, que contam com poderosos defensores internos dos setores petroquímico e químico e para os quais o plástico oferece um mercado em rápido crescimento.
Embora nenhum acordo tenha sido fechado em Busan, Coreia do Sul, onde as negociações ocorreram, houve um sentimento de determinação renovada para criar um tratado de plásticos ambicioso e robusto. Em um momento memorável do debate, um delegado de Ruanda discursou sobre a necessidade de reduzir a produção de plástico para enfrentar a poluição crescente e foi aplaudido de pé.
Ao ler uma lista de 95 países que apoiam uma transição global para a eliminação de produtos plásticos que contém produtos químicos perigosos, um delegado do México também recebeu aplausos prolongados das delegações alinhadas. O espírito de colaboração e multilateralismo era palpável.
Durante a reunião, os países que apoiam as obrigações legais de reduzir a poluição plástica se recusaram a aceitar um tratado limitado a medidas voluntárias. O tratado deve tomar medidas em cada estágio do ciclo de vida de um item plástico, eles defendem – e isso inclui reduzir a quantidade de plástico produzido. Por sua vez, o “grupo de países com ideias semelhantes” priorizava o melhor gerenciamento de resíduos e reciclagem, omitindo o fato de que a superprodução excessiva de plástico deve sobrecarregar até mesmo os sistemas mais avançados de processamento.
Observadores também criticaram a maneira como os povos indígenas foram marginalizados durante as discussões, sem acesso às negociações a portas fechadas. O texto do rascunho do tratado também não abordou a igualdade de gênero e a equidade intergeracional.
Ao fim da noite de discussões, os delegados concordaram que o quinto comitê de negociação intergovernamental se reuniria novamente em 2025 para continuar desenvolvendo o texto de um tratado para acabar com a poluição plástica. Mais importante: os delegados concordaram que a próxima rodada de negociações se baseará no progresso feito em Busan e não retornará a rascunhos mais antigos.
Muitas questões ainda precisarão ser debatidas nas negociações retomadas em 2025. A seguir, apresentamos três das mais significativas.
Recursos para o Sul Global
Os países em desenvolvimento precisam de recursos para promover uma transição econômica que reduza sua dependência dos plásticos poluentes. No entanto, praticamente não há consenso sobre como essas verbas devem ser transferidas.
Há uma divergência forte sobre a criação de um novo fundo global dedicado à questão dos plásticos, a ser financiado pelos países desenvolvidos. A alternativa proposta é a utilização de mecanismos já existentes, como o Fundo Global para o Meio Ambiente.
O rascunho do tratado também menciona a criação de taxas ou impostos à produção de plásticos, ação que muitos delegados defendem ser essencial para angariar os recursos necessários à implementação do tratado global. Para muitos países produtores de plásticos, essa é uma medida inaceitável — pois a veem a medida como punitiva e custosa para o comércio.
Um plano para reduzir a produção de plástico
A “coalizão de altas ambições”, co-presidida por Ruanda e Noruega, considera essenciais as medidas para a redução da produção de plásticos, uma posição sustentada por sólidas evidências científicas.
Nesse sentido, uma ousada proposta foi apresentada pelo Panamá, exigindo dos países a adoção de metas que reduzam a fabricação de polímeros plásticos primários a níveis sustentáveis a partir da adoção do tratado.
No entanto, metas para a redução da produção de plásticos também fora consideradas inaceitáveis pelos países ricos em petróleo. Na plenária final, pronunciamentos do “grupo de países com ideias semelhantes” e do grupo árabe deixaram bem claro que tais medidas não seriam aceitas.
Acabar com o uso de produtos químicos perigosos
Pesquisas apontam que, dos mais de 16 mil produtos químicos utilizados ou presentes nos plásticos, faltam informações de segurança para mais de 10 mil deles — e 4,2 mil dos outros são considerados preocupantes.
A regulação efetiva do uso de produtos químicos em plásticos precisa ser a base do tratado dos plásticos. Contudo, a despeito do apoio de mais de 100 países a propostas apresentadas para uma transição global que elimine os químicos nocivos à saúde, o rascunho do acordo só toca no problema de passagem.
Encontrar as concordâncias necessárias para o texto de um tratado que acabe com a poluição plástica é difícil. O tempo extra para as negociações não garantirá um acordo ambicioso, mas abre espaço para discussões que podem destravar a possibilidade de um consenso nesse que é um dos mais críticos dos desafios globais.
Fonte: Outra Saúde / Foto: Oceanic Society