A eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos movimentou atores eleitorais brasileiros e insuflou a oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem um histórico de declarações contrárias ao político que retorna à Casa Branca.
Neste texto, o site IstoÉ apresenta as razões políticas, jurídicas e econômicas desse resultado que efetivamente produzem efeitos sobre o cenário brasileiro e as relações de poder para as eleições de 2026.
Política
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que se diz amigo do presidente eleito americano, afirmou que a volta à Casa Branca permitirá que Trump “complete sua missão” e reacendeu “a chama da liberdade, da soberania e da autêntica democracia”.
“Que a vitória de Trump inspire o Brasil a seguir o mesmo caminho“, enfatizou Bolsonaro, que está inelegível, mas tem dito reiteradas vezes ser o candidato da direita à Presidência em 2026, em eventual embate contra Lula ou um representante de seu grupo político.
O ex-presidente não disfarça o objetivo de explorar a eleição americana como uma espécie de “prenúncio” do regresso da direita radical ao poder no Brasil. Parlamentares da “tropa de choque” bolsonarista no Congresso, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF) e o ex-ministro Gilson Machado (PL-PE), viajaram aos EUA para acompanhar a apuração e endossaram o tom de esperança com o resultado.
Isabela Kalil, professora de antropologia da Fesp-SP (Fundação Escola de Sociologia e Política) e coordenadora do Observatório da Extrema Direita, disse ao site IstoÉ que a razão para a animação da direita radical brasileira com o cenário americano se associa ao fato de que ambos os grupos promoveram atos antidemocráticos — nos EUA, com a invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021; no Brasil, com o ataque aos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
“Para o mundo político, a vitória de Trump transmite a mensagem de que, mesmo após a incitação a um golpe de Estado, um líder político pode ser recompensando em uma eleição democrática“, afirmou.
Na perspectiva dos parlamentares brasileiros, disse a professora, a eleição dá margem a uma chance de anistia para Bolsonaro. “Ainda que a movimentação do grupo seja ambígua, o retorno de Trump abre espaço político”, disse.
Sem perspectiva clara para a reabilitação, os herdeiros do espólio político do ex-presidente se movimentam. Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, classificou a eleição de Trump como um triunfo “do conservadorismo, do patriotismo, da prosperidade e da liberdade”. Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, destacou a derrota de Kamala Harris como um sinal da “insatisfação com os governos de esquerda”.
Do Paraná, Ratinho Júnior (PSD) afirmou que a “maior democracia do mundo deu sinal verde” a Trump, enquanto Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, desejou que a eleição americana “inspire, em todo o mundo, o sentimento de patriotismo, liberdade e os valores que fazem uma grande nação”.
Jurídica
Bolsonaro, por sua vez, ainda confia na reversão de sua inelegibilidade para repetir o retorno do aliado americano, o que pode acontecer por meio de uma reversão da decisão judicial do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ou pela concessão de anistia no Congresso.
No final de outubro, o projeto que prevê anistia para os presos do 8 de janeiro e pode incluir Bolsonaro no “pacote” foi enviado a uma comissão especial pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A decisão representou um atraso na tramitação, mas o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse confiar na articulação pela reabilitação de seu correligionário mais popular em entrevista ao portal UOL.
Antônio Celso Baeta Minhoto, doutor em direito público e membro da Associação Mundial de Justiça Constitucional, disse ao site IstoÉ que o caminho mais viável para a reabilitação está no Legislativo. “A vitória de Trump não é determinante para essa condição, mas injeta energia renovada para a tramitação da anistia“, afirmou.
No caso da tramitação judicial, o professor avalia que o Supremo, hoje encarado como um obstáculo pelo bolsonarismo, teria de ser submetido a “um elemento novo de pressão” para reverter a decisão da Justiça Eleitoral. “Trump dificilmente cumprirá esse papel”, ponderou.
Antonio Carlos de Freitas Júnior, professor de direito constitucional da EBD (Escola Brasileira de Direito), foi na mesma linha. “Um movimento exclusivo do Judiciário é improvável, mas uma reação conjunta do establishment, em que o Congresso age [para anistiar o ex-presidente] e o Supremo não reage é mais viável, com uma atuação para garantir um embate entre as principais lideranças de esquerda e direita nas urnas”, disse ao site IstoÉ.
Econômica
Dentro do que está posto, Trump retorna à Casa Branca com a promessa de uma política protecionista e industrialista. Para Christopher Garman, diretor para as Américas do grupo Eurasia, nessa agenda está — ou deveria estar — o foco de preocupação do Executivo brasileiro com a vitória do republicano.
“A soma prometida de protecionismo comercial, políticas anti-imigração e expansionismo fiscal traz riscos de impacto negativo para o Brasil em um mundo em que o dólar está mais forte e moedas como o real estão mais fracas. O efeito provável é a diminuição da capacidade brasileira de reduzir juros”, disse ao site IstoÉ.
A redução da taxa básica de juros é uma premissa de Lula no atual mandato — para o presidente, a alteração da política monetária está atrelada ao fomento do poder de compra e consumo dos brasileiros e, por consequência, do aquecimento da economia nacional.
“Um câmbio mais fraco gera mais inflação e prejudica o aquecimento brasileiro. O efeito não é imediato, mas para o final de 2025, às vésperas da eleição presidencial”, afirmou Garman. “No fundo, a pergunta que deve ser feita é: uma vitória de Trump pode gerar condições financeiras que minem a economia brasileira? Isso é o que pode fortalecer a oposição. O resto são discussões superestimadas”, concluiu.
O modelo econômico de Trump já foi experimentado na primeira vez em que o republicano ocupou a Casa Branca, quando Michel Temer (MDB) estava no Planalto. Ao site IstoÉ, Aloysio Nunes, ministro das Relações Exteriores na ocasião, afirmou que o Brasil foi penalizado pelo aumento de tarifas de exportação dos EUA.
“Pelo que Trump tem dito, esse aumento de tarifas deve ocorrer de forma mais ampla [no novo mandato]. Essas restrições poderão atingir até mesmo exportações agrícolas, o que é prejudicial porque os Estados Unidos são nosso segundo maior parceiro comercial, atrás somente da China”, disse o ex-chanceler.
Fonte: Isto é