Ao mesmo tempo em que nega uma das causas dos furacões, o empresário tem explorado o desastre politicamente. Durante visitas a áreas atingidas pelo Helene na Carolina do Norte e Geórgia -2 dos 7 estados que definirão a eleição em menos de um mês-, ele atacou o governo Biden com uma série de mentiras
Nunca um furacão tão forte havia atingido os EUA tão cedo quanto o Beryl, em julho. Agora, o país se prepara para o pior com a chegada do Milton, prevista para a noite desta quarta (9), enquanto ainda lida com a destruição e as mais de 200 mortes causadas pela passagem do Helene no final de setembro.
Uma das razões para a piora da intensidade do fenômeno é a temperatura da superfície do mar acima da média, aponta a Noaa, a agência governamental americana voltada para oceano e atmosfera.
Mas, segundo Donald Trump, a temperatura do planeta está caindo.
“Lembra quando eles falavam ‘aquecimento global’? Eles não falam mais isso. Eles falam em mudança climática porque o planeta na verdade está esfriando”, disse em um comício acompanhado pela Folha no mês passado, em Uniondale (Nova York).
A fala não tem respaldo científico. O ano de 2023 foi o mais quente da história -e 2024 deve ultrapassar a marca, conforme anunciou nesta terça (8) o observatório climático europeu Copernicus.
Ao mesmo tempo em que nega uma das causas dos furacões, o empresário tem explorado o desastre politicamente. Durante visitas a áreas atingidas pelo Helene na Carolina do Norte e Geórgia -2 dos 7 estados que definirão a eleição em menos de um mês-, ele atacou o governo Biden com uma série de mentiras.
Trump disse que o presidente teria ignorado o governador da Geórgia (o que foi desmentido pelo governador); que as pessoas que perderam suas casas estariam recebendo apenas US$ 750 (esse é o valor emergencial; o total pode chegar a milhares de dólares) e que a Fema, a agência que lida com desastres, estaria sem recursos porque gastou-os com imigrantes (ela acabou de receber uma injeção de US$ 20 bilhões e os fundos para imigrantes e desastres são independentes).
“Eles roubaram dinheiro da Fema como se roubassem de um banco, para poder dá-lo a imigrantes ilegais para que eles queiram votar neles”, disse o republicano.
Em resposta à onda de desinformação, a agência criou uma página para desmentir os rumores. Na última segunda (7), Kamala Harris chamou as declarações de Trump de “absurdamente irresponsáveis”.
“Ninguém pode negar o impacto da crise climática. Quem faz isso deve ter [sofrido] morte cerebral”, disse Joe Biden após o Helene.
O que Trump promete para o clima
A frase foi um cutucão no republicano, que já afirmou no passado que a crise climática é uma fraude. Durante o debate entre vices na semana passada, o companheiro de chapa de Trump, J.D. Vance, iniciou a resposta a uma pergunta sobre crise climática com a frase “vamos supor que isso seja verdade”.
Em sua plataforma de campanha, o empresário promete acabar com o que chama de “New Deal Verde socialista” e “desacorrentar a produção de energia de todas as fontes”. Ele afirma que vai facilitar o licenciamento de projetos e eliminar restrições adotadas no governo Biden, incluindo o projeto de transição para carros elétricos.
Embora a produção de petróleo e gás nos últimos quatro anos tenha batido recorde, Trump acusa os democratas de boicotarem a indústria de combustíveis fósseis americana e atribui a disparada da inflação a isso. “Nós vemos perfurar, baby, perfurar” é uma das frases sempre repetidas pelo republicano em todos os seus discursos.
No entanto, um aliado inusitado estaria pressionando Trump a suavizar sua posição: a própria indústria petrolífera. Segundo o Wall Street Journal, executivos de grandes empresas do setor têm tentado convencer o candidato a não acabar com a IRA, a grande lei para energia verde e transição energética americana.
O interesse é na preservação de ao menos os incentivos tributários previstos no pacote, como para investimentos feitos em captura de carbono, hidrogênio verde e biocombustíveis.
A indústria de petróleo e gás é a quarta maior doadora de campanha de Trump, atrás da financeira, de aviação e imobiliária, de acordo com análise do grupo apartidário de pesquisa Open Secrets. No caso de Kamala Harris, o setor ambiental aparece em quarto lugar.
O que Kamala promete
Em sua plataforma, a atual vice-presidente promete genericamente dar continuidade à agenda do governo Biden, sem detalhar propostas.
“Como presidente, ela vai unir os americanos para lidar com a crise climática enquanto ela dá continuidade a esse trabalho histórico, avança a justiça ambiental, protege as terras e a saúde pública, amplia a resiliência a desastres climáticos, reduz o custo de energia para residências, cria milhões de novos empregos e continua a responsabilizar poluidores para assegurar ar e água limpos para todos”, diz sua campanha.
Kamala deu o voto de minerva para aprovação da IRA, a lei que abriu as portas para investimentos bilionários em energia verde e transição energética. Como procuradora na Califórnia, a democrata trabalhou em casos ligados a violações ambientais contra a BP, a ConocoPhillips e a Volkswagen, entre outras.
Ela ainda entrou em choque com o governo Obama para impedir o uso de “fracking” -método de extração de petróleo e gás criticado por ambientalistas- na costa do estado. Quando disputou a nomeação do partido, em 2019, ela chegou a prometer que baniria a prática se eleita.
Mas agora, como candidata, ela recuou. “Eu não vou banir o ‘fracking’. Eu não bani quando fui vice-presidente. Na verdade, eu dei o voto de desempate para abrir mais concessões para ‘fracking'”, disse na semana passada durante entrevista a um canal de TV da Pensilvânia.
O estado é o principal palco de disputa da eleição presidencial e, graças ao método de extração, o segundo maior produtor de gás dos EUA.
Clima não é prioridade para eleitor
A mudança climática está em último lugar no ranking de preocupações do eleitor, segundo pesquisa feita pelo Pew Research Center. Enquanto 81% dizem que a economia é um fator muito importante para seu voto em novembro, apenas 37% afirmam o mesmo sobre o clima.
Considerando apenas apoiadores de Kamala, esse percentual sobe para 62%. Entre os de Trump, cai para 11%.
Ainda não está claro se e como os furacões podem afetar a preferência de eleitores -as regiões mais afetadas abrangem uma população pequena, em relação ao total de cada estado, e tendem a já pender para republicanos.
Por ora, os governos estaduais estão fazendo esforços para que a votação não seja prejudicada.
Fonte: Notícias ao minuto / © Getty Images