Por Dhonatas ( Portal Ipirá City) – Domingo, 26 de março de 2026
Rodrigo era viúvo, pai de Iago, um adolescente rebelde que mesmo tendo tudo do bom e do melhor, não valorizava nada. Tinha uma bela casa, boa alimentação, mas não se preocupava com os estudos, não dava a mínima para os esforços do pai, que trabalhava de dia à noite para oferecer a melhor vida para ele, Iago não valorizava sequer a vida em si. Ele havia perdido a mãe há dois anos, vítima de septicemia (sepse), na época ele tinha 15 anos de idade. Mas essa rebeldia já o acompanhava desde criança. Os pais sempre se esforçaram para educá-lo da melhor maneira, mas parecia que nada poderia transformar o jeito genioso de Iago. Certa vez, numa segunda-feira, Rodrigo que costumava assistir aos canais esportivos no horário do almoço, resolveu colocar em um canal de jornal local, e atentou-se aos noticiários. Ele se comoveu com um caso de situações precárias de um hospital em Guiné-Bissau (África), onde o mesmo não possuía equipamentos, profissionais capacitados, nem capacidade suficiente para atender seus pacientes. Rodrigo passou o resto do dia refletindo sobre o que acabara de assistir, e não conseguia tirar as imagens da cabeça, nem parava de imaginar quão ruim era a situação daqueles doentes. No dia seguinte ele voltou a assistir ao mesmo jornal, mas dessa vez o noticiário falava sobre um orfanato em Angola (África), que era sustentado através de doações e trabalhos voluntários. Rodrigo que assistia enquanto almoçava, via aquelas crianças sem pais, com os sorrisos de orelha a orelha, em fila, com um prato e uma colher nas mãos, cada um esperando a sua vez de ser servido. Tudo aquilo mexeu muito com Rodrigo, que ainda não havia superado a história do hospital. Na quarta-feira, lá estava ele novamente, maratonando o jornal do meio-dia, e aquele episódio falava sobre um presídio em Timor-Leste (Ásia), superlotado, em condições sub-humanas, onde o governo local ainda procurava maneiras de controlar o crime e o tráfico de drogas que só aumentavam no país. Na quinta-feira o jornal voltou a falar da Ásia, mas dessa vez sobre um centro de reabilitação em Macau, no noticiário, os mosaicos escondiam os vários rostos de jovens que entraram no mundo das drogas. Enquanto passava àquelas imagens, Rodrigo imaginou Iago, seu único filho, numa situação daquelas. Naquele momento ele percebeu que certas coisas na vida, devem ser vistas com os próprios olhos, para que assim possam ser refletidas perante a própria vida. No dia seguinte, sexta-feira, Rodrigo voltou a assistir o jornal, naquele que seria seu último dia de trabalho antes das férias de fim de ano. O noticiário falava sobre um asilo em Portugal (Europa), onde vários idosos eram sustentados e abrigados. Pessoas que dedicaram a vida para cuidar dos outros e foram deixadas de lado quando elas mais precisavam de cuidado.
No sábado, Rodrigo decidiu comprar passagens para ele e Iago irem conhecer todos aqueles lugares. Iago prontamente aceitou o convite do pai, que havia falado apenas sobre viajar para a África, Ásia e Europa, mas não revelou quais seriam os países, nem os locais de destino. Iago fantasiou os prováveis lugares. Na África, ele imaginou que ele e o pai iriam para Marrakesh (Marrocos), ou Nairóbi (Quênia), que são os locais mais procurados por turistas. Já na Ásia, ele imaginou que iriam para Doha (Catar), ou Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), já imaginando tirar várias fotos para postar nas redes sociais, utilizando kandura, ghutra, gahfiya, agal e cirwall. Na Europa, Iago que sonhava em conhecer a Torre Eiffel em Paris (França), e o Coliseu em Roma (Itália), não tinha dúvidas de que essa era sua grande chance de conhecê-los e realizar-se.
─ Filho, nosso primeiro voou com destino a África sairá amanhã pela manhã bem cedo. Como terei apenas 10 dias de férias, pensei em passar dois dias na África, dois na Ásia e um na Europa, mas ainda tem um lugar que quero visitar com você aqui mesmo em nossa cidade.
─ Tranquilo coroa, você quem manda. Tô ansioso já, só estou em dúvida sobre a Europa, imaginei dois lugares, mas pelo visto só iremos a um deles. ─ Ficou pensativo.
─ Já lhe falei para não criar expectativas. Volto a repetir, serão férias que mudarão sua visão de mundo.
Quanto mais Rodrigo falava, mais expectativas eram criadas por Iago. No dia seguinte eles seguiram para o primeiro destino. Chegaram a Guiné-Bissau.
─ Coroa, onde estamos?
─ Estamos em Guiné-Bissau meu filho, vamos visitar e conhecer um hospital chamado Simon Menezes.
Ao chegarem, se depararam com senas horríveis, pessoas no chão tomando soro, algumas com membros fraturados aguardando por cirurgia, outras esperando por transplante de órgãos. Foi um dia muito pesado para Rodrigo e Iago. O pai por sua vez, já havia visto cenas iguais àquelas pela televisão, e planejou levar o filho até lá para que esse visse o mundo de uma forma que ele nunca havia visto antes. Rodrigo questionava e interrogava os funcionários do hospital a respeito de toda aquela situação, enquanto Iago não disse uma palavra sequer durante todo o período em que estiveram por lá. No fim do dia foram para um hotel, no dia seguinte, bem cedinho, eles iriam embarcar para o próximo destino. Rodrigo notou a reflexão do filho e preferiu não perguntar nada, o deixou a vontade para desabafar quando quisesse. O dia amanheceu. Partiram para Angola.
─ Chegamos filho, hoje iremos visitar o orfanato João Faustiniano.
Iago seguia em silêncio, enquanto o pai continuava se informando sobre tudo no local, parecia um pesquisador nato. Passearam bastante, conheceram os quartos das crianças. Eram 10 quartos ao todo, cada quarto continha 4 camas para 12 crianças dormirem, um total de 120 crianças. Chegou o horário do almoço e Iago observava todas aquelas crianças formando uma enorme fila, cada uma com um prato e uma colher nas mãos, a maioria descalça. Após serem servidas, se espalharam pelo imenso jardim, fizeram uma oração de agradecimento pelo alimento e começaram a degustar o delicioso almoço que continha arroz, feijão e só, felizes da vida. O Sol já estava se pondo quando Rodrigo e Iago foram para um hotel. Na manhã seguinte partiriam para Timor-Leste.
Ao chegarem ao destino, Rodrigo observou uma equipe de repórteres que desembarcou junto com eles, ele teve uma leve impressão de que já a havia visto antes. Mas enfim, seguiram.
─ Iago, estamos em Timor-Leste, hoje iremos visitar o presídio Prejaunes Beroca.
O clima já foi tenso desde a chegada, pois no mesmo momento em que eles chegaram, também chegou uma viatura com quatro detentos. Depois de muita conversa, Rodrigo conseguiu a liberação do delegado para que ele e o filho pudessem conhecer o interior da prisão. Lá dentro o clima foi ainda mais tenso, e não era pra menos. O cárcere estava superlotado, e ali tinha detentos de todos os
tipos: traficantes, assassinos, pedófilos, assaltantes. Iago permanecia em silêncio. Dessa vez eles nem esperaram o fim do dia para saírem, foram passear um pouco para espairecer, se é que isso seria possível depois do que eles haviam acabado de presenciar.
─ Então meu filho, quer conversar? Você não falou uma palavra sequer desde quando desembarcamos em Guiné-Bissau. ─ Perguntou preocupado.
─ Não pai, por enquanto não quero falar sobre nada do que vimos, mas saiba que estou bem. ─ Respondeu cabisbaixo.
Seguiram para o hotel. E mesmo não sendo a viagem dos sonhos de Iago, ele estava registrando alguns momentos de cada lugar que visitara com o pai. No dia seguinte seguiram para Macau.
─ Filho, acabamos de chegar em Macau, aqui iremos visitar o centro de reabilitação Santo Luiz Gonzaga.
Ao chegarem, foram muito bem recebidos, os pacientes estavam desenvolvendo atividades artísticas numa sala de pintura. Jovens e adultos, dependentes químicos, que estavam tentando se readaptarem e se reeducarem, para que assim, pudessem voltar a viver em sociedade e ter uma vida normal longe das drogas. Iago gostou bastante do local, e apesar da realidade dos pacientes, ele conseguiu sentir a paz naquele lugar e torceu para que todas aquelas pessoas conseguissem dar a volta por cima. Ficaram por ali até o pôr do Sol. Em seguida, foram para uma pousada. Pela manhã eles iriam para o último país antes de retornarem para o Brasil. Assim que o dia amanheceu, pegaram o primeiro voou para Portugal.
─ Iago, chegamos ao asilo Lar de Idosos Lisboa. Aqui estão vários pais, avós, bisavós e até tataravós que foram desprezados por suas famílias, esses anciãos mereciam ser mais respeitados. O que me conforta é saber que aqui eles estão sendo bem tratados, talvez melhor do que se estivessem com a verdadeira família, se é que posso chamar assim.
Rodrigo passou o dia inteiro proseando com os idosos, enquanto Iago sentou- se embaixo de um pau-brasil, tirou algumas fotos e refletiu sobre todos os lugares que já haviam visitado. Chegava o momento de voltarem para o Brasil.
─ Pai, em qual lugar iremos quando chegarmos a Maringá-PR?
─ Será surpresa meu filho.
Seguiram viagem de volta para o Brasil. Ao chegarem, nem passaram em casa, foram de mala e cuia para o cemitério, o mesmo que Angélica, mãe de Iago e esposa de Rodrigo, havia sido enterrada.
─ Aqui meu filho, é onde tudo acaba. O que ficam são as coisas boas que fizemos pelas outras pessoas aqui na terra. Sua mãe jamais será esquecida, pois o amor que sentimos por ela supera qualquer dor. Nascemos sem trazer nada, morremos sem levar nada, e no intervalo entre a vida e a morte, brigamos por aquilo que não trouxemos e não levaremos. Rancor, inveja, soberba, vingança; nada disso vale a pena, por que no final, o que verdadeiramente importam são nossos bem- fazeres.
─ Com licença, tudo bem com vocês? Chamo-me Roger, sou repórter. Eu e minha equipe trabalhamos em um jornal de TV chamado De olho na notícia, aqui mesmo em Maringá-PR. Vocês poderiam nos conceder uma entrevista?
─ Ei, eu já te vi antes em algum lugar. ─ Disse Rodrigo, pensativo.
─ Acredito que vocês já tenham nos visto antes sim, nós com certeza os vimos. Estamos seguindo vocês desde Guiné-Bissau. Nós estávamos cobrindo uma reportagem sobre o hospital, que foi lançada ao ar na segunda-feira da semana passada, e continuamos por lá em busca de respostas dos representantes políticos a respeito da saúde local. Não pude deixar de escutar você pedindo informações para o diretor geral do hospital, falando que levou o seu filho até lá para que ele pudesse conhecer a realidade de um jeito que ele nunca viu. Isso chamou muito a nossa atenção. E curiosamente vocês também são aqui de Maringá. Quanto aos demais locais que vocês foram, outras equipes estavam fazendo a cobertura.
─ Então estão nos seguindo durante todo esse tempo? Meu Deus. Lembro- me de tê-los visto em Timor-Leste, mas não sabia que estavam nos seguindo. Mas tudo bem, topamos sim conceder a entrevista.
A equipe se preparou para fazer várias perguntas para Rodrigo e Iago. O pai estava supertranquilo, tinha total convicção sobre o que responder independente das
perguntas que viessem a serem feitas. Então ele respondeu a todas e deixou para Iago a responsabilidade das considerações finais.
─ A verdade é que a vida é uma viagem e todos somos turistas.