A gíria do momento deu nome ao jeito novo de fazer música na década de 50, quando o termo “bossa” era usado entre os jovens cariocas da zona sul, para dizer que alguém levava jeito pra aquilo. Mas, embora possa parecer uma ideia pensada e elaborada, o termo foi criado quase que por acaso. É o que conta o músico Roberto Menescal: “A Sylvinha Teles nos convidou pra dar uma canja na Hebraica, no Rio, e quando chegamos tinha um cartaz que dizia: ‘hoje, Sylvia Telles e o grupo Bossa Nova’. Eu achei que era um grupo que estava tocando para as pessoas dançarem”, lembra.
Foi quando o jornalista que organizava o evento, Moisés Fux, explicou que, como não sabia o nome pelo qual os músicos gostavam de ser chamados, havida escolhido aquele para por no cartaz. Roberto lembra que, na mesma hora, concordou com a sugestão do organizador – ainda mais depois que Ronaldo Bôscoli, que estava no grupo, gostou da ideia. “Ele veio por trás e disse assim: ‘Beto, esse nome já é nosso’”.
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Naquele dia, Bôscoli subiu ao palco antes da apresentação e chamou o grupo: “Hoje eu quero apresentar a vocês, em primeira mão, o grupo Bossa Nova. Então, a gente já saiu de lá bossa nova”, diz Roberto. Assim, o movimento que começava entre os jovens artistas, inquietos com o sofrimento do samba-canção que dominava o cenário musical da época, ganhava um nome.
“A gente não sabia que era um movimento. A gente se reunia e as pessoas perguntavam que tipo de música fazíamos. A gente faz um samba, mas um samba mais moderno, com as harmonias mais curtidas”, explica Menescal (confira na entrevista em vídeo).
O ritmo novo logo ganhou o mundo, com letras mais esperançosas que as do samba-canção, a sofisticação do jazz e uma batida única e totalmente brasileira. Sobre este jeito de tocar, Menescal detalha uma conversa que teve com João Gilberto, que revelou de onde vinha aquele ritmo encantador. “Eu perguntei para o João, uma vez: ‘de onde vem a tua batida?’. Do samba, ele disse. ‘Mas essa tua diferente?’. ‘Rapaz, sabe o que, que é? Vocês querem tocar o samba, tudo no violão. O agogô, reco-reco, tombador, tudo junto, mas vocês têm que escolher um’. Eu digo: ‘o que você escolheu?’. ‘Eu escolhi o tamborim’”.
Neste vídeo, o professor de violão do Departamento de Música da Universidade de Brasília (UnB), Alessandro Borges, explica como a batida do violão de João Gilberto foi inovadora. Assista:
A nova bossa da música
Suingue, harmonia, melodia e letra inspiram as novas gerações de músicos até os dias de hoje. Um exemplo disso é a jovem cantora Analu Sampaio, que, aos 13 anos, canta bossa nova com uma interpretação que extrapola tudo isso e ganha mais vida ainda em suas expressões corporais. “É um assombro (ela) cantando bossa nova”, elogia Menescal.
Analu começou a carreira cedo: aos cinco anos de idade, já frequentava programas televisivos, e logo formou uma legião de seguidores nas redes sociais, onde a maior parte do seu público é formada por jovens de sua faixa etária. “Eu sempre gostei muito de cantar. Meus pais sempre me influenciaram a escutar música boa, a escutar bossa nova, e eu acho que daí que vem essa vontade de compartilhar essa musicalidade, de levar essa música, principalmente para as pessoas da minha idade”, diz Analu.
A artista relembra que a bossa nova foi definitiva para que ela pudesse escolher a música como profissão e dedicar-se à estudá-la. “A bossa nova mudou a minha vida de uma forma muito grande. Foi através dela que eu abri a minha mente para o mundo musical. Eu tive vontade de aprender, de estudar música. Eu sou muito feliz pelos meus pais terem me apresentado a bossa nova desde quando eu era muito mais nova”. Assista:
Mais de 60 anos depois da bossa nova fazer a cabeça da juventude da época, a variedade musical e as diferentes formas de divulgação fazem com que a geração atual muitas vezes nem tenha contato com o gênero musical. Por essa razão, Analu trabalha para que a bossa nova continue a chegar a muitos que não tiveram a mesma oportunidade que ela, de se apaixonar pela música.
Neto de Tom Jobim, Daniel Jobim é outro artista que mantém o legado da bossa nova e que vive nesse universo musical desde muito novo, ao lado do pai Paulo Jobim, também músico. Daniel estará na programação de hoje da Rádio Nacional FM, com entrevista na programação às 16h. Ao longo do dia de hoje, entre 8h e 17h, a Nacional FM celebra a bossa nova, tocando clássicos, nas vozes em que foram eternizados, e regravações feitas por artistas de outras gerações: na lista estão canções como Garota de Ipanema (com Tom Jobim e banda Melim), Chega de saudade (com João Gilberto e Vanessa da Mata), Água de beber (com Vinícius de Moraes e Bossacucanova), Só tinha que ser com você com (com Tom Jobim e Fernanda Porto), entre outras.
E já estão disponíveis dois programas que prestam homenagem a Tom Jobim: o Memória Musical recuperou uma entrevista concedida pelo compositor ao programa (ouça abaixo), e no Tanto Mar, Carminho interpreta clássicos do maestro.
Dia de celebrar a bossa nova
São tantas histórias que permeiam os bastidores da bossa nova que não há uma data certa para definir quando o estilo foi criado. Mas todos concordam que um marco é agosto de 1958, quando chegou às lojas de discos do país, o álbum duplo, de 78 rotações, Canção do Amor Demais do selo Odeon. Nele, João Gilberto interpretava Chega de Saudade, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim.
Tom Jobim foi o primeiro a deixar saudades, em 1994. Logo, foi o escolhido para ser homenageado, quando Solange Kfouri, produtora musical da MPB Marketing, reuniu artistas em uma iniciativa para criar o Dia Nacional da Bossa Nova. “Era um papo na casa da cantora Vanda Sá. Estávamos Carlinhos Lira, Solange, eu e mais uma porção de gente, e a Solange disse assim: ‘todo lugar tem o Dia do Tango, o Dia do Jazz e a gente não tem nada. Aliás, no Rio, nós não temos a Casa da Bossa Nova’”, lembra Menescal.
Naquela reunião, em 2017, a data de nascimento de Tom Jobim – 25 de janeiro – foi sugerida por Solange para ser a data que celebraria a bossa nova. E ali, tinha início um processo que recebeu o apoio de Humberto Braga, então secretário de Música e Artes Cênicas do Ministério da Cultura, e que em 2019, instituiria, por lei, o Dia Nacional da Bossa Nova..
Se vivo fosse, Tom Jobim estaria completando 95 anos no dia de hoje. E o programa Bossamoderna, da Rádio MEC, apresenta a carreira e a obra do compositor na série Tom Jobim 95 anos, com três episódios e produção do crítico musical Tárik de Souza. O primeiro episódio, já disponível no site das Rádios EBC, lembra o começo da carreira de Jobim. Ouça aqui:
Os demais episódios da série Tom Jobim 95 anos vão ao ar em uma maratona na Rádio MEC, que começa às 22h de hoje e termina à 1h da quarta (26), com reprise nas próximas edições do Bossamoderna – sempre aos domingos, às 22h (ouça a Rádio MEC aqui). Eles também serão disponibilizados na página do programa.
Ouça outras séries especiais da Rádio MECsobre a bossa nova:
A onda que se ergueu no mar, com Ruy Castro
60 anos da bossa, com Tárik de Souza
Além da série, a Rádio MEC também exibe nesta terça uma série de programas especiais para marcar o Dia da Bossa Nova. Ao 12h, o Concerto MEC toca a obra de Tom Jobim no violão clássico de Arthur Nestrovski. O Harmonia, que começa às 20h, traz Jobim Sinfônico, com as músicas de Tom Jobim interpretadas pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP). E ainda no Jazz Livre, que vai ao ar às 21h, uma playlist com vários sucessos da bossa nova.
Edição: Nathália Mendes
Fonte: Agência Brasil