Vacinas podem ser atualizadas para manter, ou mesmo melhorar, sua capacidade de proteção à medida que os vírus sofrem mutações e alteram sua forma de ação no organismo. O que falta para o processo de atualização — amplamente conhecido pela ciência e empregado anualmente na vacinação contra a gripe — possa ser aplicado no combate à Covid-19?
É importante ressaltar que todas as vacinas utilizadas no Brasil são comprovadamente eficazes para reduzir internações e mortes pela doença e foram responsáveis por frear o impacto que a variante Ômicron causou entre a população durante a terceira onda, quando houve um aumento exponencial do número de novas infecções pelo coronavírus.
As pesquisas sobre a segunda geração dos imunizantes têm avançado em passos lentos, na contramão do que foi visto no começo da pandemia, quando as primeiras vacinas contra o Sars-CoV-2 foram desenvolvidas em tempo recorde.
Segundo o presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Juarez Cunha, essa demora está relacionada a uma série de fatores, sobretudo o aparecimento de novas variantes.
“Muitas vacinas estão sendo estudadas de acordo com o que está acontecendo na vida real. Então, como as variantes vão surgindo e é preciso avaliar se aquela vacina que foi projetada vai proteger de forma adequada, isso acaba atrasando mais os estudos, porque não adianta fazer as pesquisas com a cepa ancestral [que desencadeou a pandemia], porque ela não está mais acontecendo”, explica o especialista.
Cunha ressalta que como a vacinação avançou pelo mundo, com vários países decretando o fim do estado de emergência causado pela Covid-19, a urgência em relação ao desenvolvimento de vacinas também diminuiu.
“No início tínhamos uma carga muito grande da variante original que permitia que os estudos corressem de forma mais rápida, tinha muita gente adoecendo, então se comparava a eficácia de forma bastante rápida. Felizmente, estamos em um outro momento, de quadros mais leves, em especial nas pessoas vacinadas. Então aquela necessidade que tivemos em 2020 mudou um pouco, porque as características da doença também mudaram”, afirma.
Além disso, os imunizantes de segunda geração, assim como as primeiras vacinas que foram aplicadas, só podem ser distribuídos à população após a autorização dos órgãos reguladores respectivos de cada país, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no Brasil.
“O que temos bastante adiantado em relação à segunda geração é a vacina da Moderna, que já está sendo colocada para avaliação nos Estados Unidos. Essa nova vacina bivalente já dá uma proteção mais adequada tanto para a Delta quanto para a Ômicron, além de manter a cepa ancestral”, afirma Cunha.
Em relação às vacinas aplicadas no Brasil, apenas a Pfizer tem pesquisas em andamento sobre a atualização do seu imunizante, e já está desenvolvendo um produto direcionado para a variante Ômicron.
Em nota enviada ao R7, a farmacêutica informou que trabalha com duas abordagens. A primeira envolve o uso de uma dose mais alta da vacina atual combinada com uma dose mais alta do imunizante desenvolvido especificamente contra a Ômicron.
Já a segunda seria de uma vacina multivalente, também derivada de uma combinação de dosagens altas do imunizante atual com o desenvolvido para a Ômicron, mas com a diferença de que neste caso a aplicação seria em dose única.
“Adotamos uma abordagem abrangente para desenvolver possíveis vacinas de Covid-19 de nova geração e estamos atualmente avaliando a segurança, tolerabilidade e imunogenicidade [capacidade de produzir anticorpos]. Em relação à chegada ao Brasil, dependerá dos resultados dos estudos e, posteriormente, das análises regulatórias”, diz a nota.
A Janssen, braço farmacêutico da Johnson & Johnson, afirmou por meio de nota que tem pesquisas em andamento para avaliar a capacidade dos anticorpos induzidos por sua vacina de neutralizar as novas variantes do Sars-CoV-2, mas não entrou em detalhes sobre o desenvolvimento de um imunizante de segunda geração.
“Nosso corpo de evidências crescente mostra que a eficácia da vacina da Janssen contra a Covid-19 permanece forte e estável no decorrer do tempo, inclusive contra as variantes circulantes como Ômicron e Delta”, diz a nota enviada ao R7.
Em relação à vacina da AstraZeneca, o Instituto Bio-Manguinhos, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que importou a tecnologia para produzir o imunizante no Brasil, afirmou que não há nada em vista sobre uma atualização do imunizante fabricado nacionalmente.
O que esperar de uma vacina de segunda geração?
No decorrer da pandemia, quando as campanhas de vacinação avançaram pelo mundo, foi observado que a proteção oferecida pelas vacinas sofreu um declínio após cerca de seis meses da aplicação do esquema completo (de duas doses para a maioria das vacinas e de uma dose no caso da Janssen).
Além disso, as mutações sofridas pelo coronavírus se mostraram capazes de escapar parcialmente dos anticorpos produzidos pelos imunizantes, o que exigiu a implementação das doses de reforço. Vale destacar, no entanto, que mesmo nesses casos as vacinas foram fundamentais para evitar casos graves e mortes por Covid-19.
“O que esperamos com essas vacinas de segunda geração é uma maior eficácia, uma maior efetividade, uma duração mais longa da proteção e principalmente uma adaptação às novas variantes. Além de também uma maior facilidade no acesso, vacinas de RNA mensageiro [como a da Pfizer] têm dificuldades nesse sentido”, ressalta o presidente da SBIm.
Cunha destaca que os imunizantes aplicados por meio intranasal, como os sprays, são apostas promissoras para o futuro, não só pela facilidade da aplicação, como também por serem administrados pelo nariz, um dos principais canais de acesso do vírus ao corpo.
Para as vacinas de segunda geração ou mesmo para as que ainda estão em fase de desenvolvimento, também se espera que elas reduzam a capacidade que o vírus tem de se replicar no organismo e, consequentemente, de ser transmitido, o que é chamado de imunidade esterilizante.
“Não sabemos como será daqui para a frente, porque a tendência é de que outras variantes apareçam. Esses laboratórios estão trabalhando no que eles chamam de pancoronavírus, que é uma vacina que pode funcionar independente da variante que surgir. Não adianta ter uma vacina que é eficaz contra a Gama e Delta, mas cair a proteção para a Ômicron”, explica Cunha.
Fonte: R7