Futuro dos sistemas de saúde no pós-pandemia foi tema de seminário

Brasil saúde

Por: Javier Abi-Saab (Agência Fiocruz de Notícias)

“Se você me pergunta se estávamos preparados para esta pandemia, eu digo que obviamente não. Se a pergunta for se devemos estar preparados para as próximas pandemias, claramente sim. Ouvimos muito diálogo sobre a resiliência e fortalecimento dos sistemas de Saúde, mas devemos transformar os discursos em ações”. Esta foi uma das declarações de Carissa Etienne, diretora da Organização Panamericana da Saúde (Opas), na sua apresentação, na última sexta-feira (30/4), nos Seminários Avançados de Saúde Global e Diplomacia em Saúde, organizado pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz). O evento discutiu os futuros dos Sistemas de Saúde da América Latina e Caribe, Estados Unidos, África e Europa no pós-pandemia. Para isso, o seminário contou também com a participação de Jeffrey Sachs, diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia; Paulo Ivo Garrido, ex-ministro da Saúde de Moçambique; e Paulo Ferrinho, professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa.  

Uma das premissas do evento foi colocada no início por Jeffrey Sachs: “não temos uma única experiência global sobre a pandemia”. As respostas de cada região e país foram diversas e podemos observar como alguns países tiveram sucesso em controlar a pandemia e outros não. Sendo assim, é necessário avaliar o que tem dado certo e errado em cada experiência para poder planejar ações que permitam fortalecer os diversos sistemas de Saúde a nível global e que estes sejam capazes de oferecer saúde de maneira equitativa aos cidadãos e ainda responder às crises por vir.

A avaliação de Jeffrey Sachs é que “os Estados Unidos falharam completamente em conter a pandemia”. Para o pesquisador, a resposta do país, assim como aconteceu no Brasil, foi marcadamente politizada. A liderança de Trump acreditou, erroneamente, que o problema seria resolvido deixando o vírus se espalhar. A população estadunidense se encontra num alto grau de polarização e isso tem impactado as políticas de saúde. “Os EUA permanecem como um país federal, com muitas desigualdades entre os estados, estamos sofrendo com uma sociedade profundamente dividida com alta desigualdade de riqueza e ainda existe uma polarização partidária em que os democratas querem a vacina e os republicanos não. Esse é o cenário sobre o qual estamos parados”, explicou.

Para Sachs, desde a chegada da administração Biden, mas principalmente com o aumento das taxas de vacinação, o cenário estadunidense tem melhorado rapidamente. Atualmente, cerca de 30% da população foi vacinada e claramente existe um ponto de inflexão da pandemia. No entanto, esse é um cenário temporário devido às novas variantes. Caso o mundo inteiro não aumente suas taxas de vacinação e essas mutações não sejam controladas, a população estadunidense, mesmo vacinada, continua em risco. Nesse sentido, Sachs enfatiza sobre o caráter internacional da pandemia e que a resposta global exige o funcionamento dos organismos multilaterais, o qual não vinha acontecendo de maneira adequada em parte pela saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Fragilidades dos Sistemas de Saúde Africanos

Ex-ministro da Saúde de Moçambique, Paulo Ivo Garrido afirmou que os sistemas de saúde da África podem ser resumidos em uma palavra: fragilidade. Ele esclareceu a definição e os elementos que, para a OMS, compõem um sistema de Saúde enfatizando quais são as fragilidades que mais se viram latentes na África devido à pandemia. “Sistema de Saúde é um conjunto de instituições, pessoas e ações cujo objetivo principal é a promoção, restauração e manutenção da saúde individual e coletiva. Seis elementos compõem um Sistema de Saúde: liderança e governação, recursos humanos, financiamento, sistemas de informação, produtos e tecnologia e provisão de serviços de saúde”, afirmou.

Para Garrido, a fragilidade dos sistemas de Saúde africanos se expressa de muitas formas e em praticamente todos os componentes mencionados. Na liderança, há chefes de estado que negam a doença e os métodos de prevenção; nos recursos humanos, existe escassez, precariedade e exploração no trabalho dos profissionais; o financiamento está em falta; e os produtos e tecnologias são escassos e desatualizados. De acordo com o ex-ministro, a Covid-19 ocasionou uma resposta semelhante em quase todos os países da África. “Foram interrompidas as atividades regulares para se focar na Covid-19, o que significou a suspensão de consultas, de intervenções quirúrgicas e de atividades de promoção de saúde, entre outras”. 

As mudanças que Garrido propõe seguem dois pilares: o primeiro é o reconhecimento dos governos africanos da saúde como um direito do cidadão e um dever do estado. O segundo pilar diz respeito ao fortalecimento dos sistemas de saúde, considerando seus seis componentes e incidindo sobre diversas instâncias políticas. “Eu proponho que cada país africano deve traçar um plano de fortalecimento dos seus Sistemas de Saúde”. Para finalizar, o ex-ministro admite que talvez suas sugestões parecem utópicas, mas cita a Mandela dizendo “Sempre parece impossível, até que é feito”.

Representando a região das Américas, Carissa Etienne enfatizou a necessidade de lideranças políticas fortes e de investimentos contínuos para superar a crise de saúde pública que vai além da Covid-19. Para a diretora da Opas, as mudanças que devemos realizar no pós-pandemia são muito próximas às mudanças que devíamos ter realizado antes da pandemia pois tratam de questões estruturais que devem garantir o acesso à saúde dos cidadãos. Sistemas de Saúde fortes são mais resilientes e capazes de enfrentar crises como a que vivemos; não devemos esperar ter uma próxima pandemia para perceber que devemos combater a desigualdade e enfrentar as lacunas dos sistemas de Saúde. 

“Covid não foi a primeira doença a bater na nossa região e não será a última”, afirma Etienne, indicando algumas das medidas que devem ser tomadas. Para a médica dominiquense, “precisamos combater as desigualdades nos sistemas de Saúde e insistir no financiamento público de saúde. Reconhecer 6% do PIB em financiamento público e que 30% seja investido em saúde primária. Devemos trabalhar em inovação. Em termos de vacina e outros insumos, não há motivos para a região da América Latina e o Caribe não ser autossuficiente e uma fonte para o mundo”, disse a diretora da Opas, reforçando a necessidade de trabalhar em cooperação internacional vendo as capacidades de cada país.

Ettiene adverte que a tendência, ao nos recuperar da Covid-19, é que os estados retirem os investimentos da saúde. Isso seria um erro monumental, pois as mudanças necessárias passam por manter os investimentos. Para a médica, o custo compensa muito mais do que a inação. “Covid-19 demonstrou que uma economia saudável depende de pessoas saudáveis e quando alguém fica para trás, todos corremos riscos mais altos”. A diretora da Opas reiterou a necessidade essencial de investir em assistência primária para avançar na direção de Sistemas mais fortes, resilientes e equitativos. “Saúde não é privilégio, é direito. Essa é a canção que cantamos na região faz muito tempo”, destacou. 

Desafios de uma União Europeia de Saúde

Na sua apresentação, o professor Paulo Ferrinho chamou atenção para o histórico da formação de um Sistema Europeu de Saúde que veio a possibilitar a criação de uma União Europeia de Saúde, instituição que, na pandemia da Covid-19, tem a grande oportunidade para se reforçar e se desenvolver. O pesquisador destaca que antes da pandemia existia uma atuação limitada da Comissão Europeia sobre a temática da saúde, tendo uma função suplementar aos Estados Membros. Estas competências limitadas explicam de certa forma a falta de resposta adequada da União Europeia no início da pandemia. Isto criou um ciclo vicioso de respostas nacionais que paralisou a coordenação regional.

No entanto, a Comissão reagiu em março de 2020 com um Road Map para harmonizar as medidas de confinamento nos estados membros, criando uma reserva de equipamentos essenciais, definindo políticas de saúde específicas e aprovando o programa EU4Health 2020-2021 para fortalecer a União Europeia de Saúde. A principal função desta instituição é estar preparada para reagir em tempos de crises sanitárias com ações como o fortalecimento da indústria farmacêutica, o reforço da resiliência do bloco, e a coordenação frente a eventuais ameaças transfronteiriças.

Ferrinho explicou que a resposta financeira da Comissão foi robusta, envolvendo um pacote de 540 milhões de euros para apoiar as empresas e trabalhadores mais afetados pela Covid-19. Apesar disso, o financiamento foi considerado insuficiente. Também sugere que houve deficiência nos Sistemas de Informação, os quais devem ser ajustados antes da próxima pandemia. O professor concluiu que existe um compromisso forte em avançar no sentido de fortalecer uma União Europeia da Saúde, mas que o sucesso desse compromisso depende do avanço de quatro blocos essenciais: liderança e governação; financiamento; produtos e tecnologias médicas; e prestação de serviços. Informações do site Fiocruz.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *