Por João Ozorio de Melo – Domingo, 18 de dezembro de 2022
O sistema eleitoral dos EUA está mais longe da perfeição do que os da maioria dos regimes democráticos do mundo. Entre outros problemas, o país mantém o sistema de colégio eleitoral para eleger o presidente, apesar de ele ser rejeitado por quase dois terços dos americanos (63%, segundo pesquisa recente do Pew Reserarch Center); o voto distrital é uma fonte de malandragens políticas; a apuração dos votos é lenta e, muitas vezes, contestada na justiça. Mas, 26 dos 50 estados do país têm uma característica invejável: seus eleitores têm o poder de legislar.
O sistema, conhecido como “democracia direta”, não é novo, mas voltou a agitar o ambiente eleitoral do país porque alguns parlamentares estaduais querem restringir, ou pelo menos dificultar, esse “privilégio popular” de “interferir” no processo legislativo em estados dominados por um partido — normalmente, o Republicano, segundo a NPR (National Public Radio).
Dos 26 estados engajados em democracia direta, em 18 os eleitores podem propor emendas à Constituição estadual; em 21 podem iniciar projetos de lei estadual ou de lei municipal, bem como responder a questões de interesse estadual, municipal ou do condado; em 23 exercem o direito ao voto de referendo.
Por esse poder dos cidadãos de iniciar uma medida legislativa — isto é, colocá-la na cédula eleitoral e aprová-la ou rejeitá-la pelo voto popular — o sistema é chamado de ballot measure (que poderia ser traduzido como “medida eleitoral”, em vez de “medida legislativa”) — ou “lei estadual iniciada pelos cidadãos”.
Para iniciar uma medida eleitoral é preciso redigir a proposta e obter assinaturas de um certo número de eleitores. Esse número varia de estado para estado. No Colorado, por exemplo, é preciso obter a assinatura de 5% dos eleitores que votaram para governador nas eleições anteriores; na Califórnia, de 8%; no Arkansas, 10%; e no Arizona, 15%. Os demais estados têm números semelhantes.
Uma das dificuldades que os parlamentares que se opõem ao sistema querem criar é aumentar a percentagem de assinaturas para colocar uma medida na célula e depois aumentar a percentagem de votos favoráveis necessários para passá-la, de 50% para 60%.
Outro sistema é o da “lei estadual iniciada indiretamente” pelos cidadãos. Nesse caso, projetos de lei propostos pelos cidadãos não vão imediatamente para a cédula de votação. Depois de coletadas as assinaturas, a proposta é submetida, primeiramente, à assembleia legislativa para avaliação. Se o legislativo concordar em adotar a lei, então a proposta vai para a cédula eleitoral.
Propostas também são apresentadas pelo legislativo estadual. Dos 50 estados dos EUA, 49 têm um processo legislativo para colocar projetos de emenda à Constituição estadual na cédula de votação, para decisão dos eleitores. Delaware tem o mesmo processo, mas apenas para leis estaduais.
Tais sistemas se parecem um pouco com o plebiscito, mas são mais complexos, principalmente no aspecto de que podem ser iniciados pelos cidadãos, desde que o número suficiente de assinaturas seja coletado.
O sistema de “referendo de veto”, adotado por 23 estados, também tem essa característica: a proposta de referendo também pode ser apresentada pelos cidadãos. Nesse sistema, se insere na cédula a pergunta aos eleitores, que devem responder sim ou não, se um projeto de lei aprovado pelo legislativo estadual (ou qualquer outro organismo legislativo) deve ser ratificado ou vetado.
Em dois estados, Maryland e Novo México, o único instrumento à disposição dos eleitores para influenciar o processo legislativo é o referendo de veto.
Nas eleições de novembro de 2022, os eleitores aprovaram diversas medidas eleitorais — algumas delas importantes, como a de Missouri que legalizou o consumo recreativo da maconha, a de Michigan que consagrou o direito ao aborto no estado, e a de Dakota do Sul que expandiu o Medicaid (o seguro-saúde dos pobres).
Mas legisladores de pelo menos 11 estados, segundo a NPR, apresentaram medidas para dificultar o direito dos cidadãos de propor projetos de leis estaduais e de emendas constitucionais. Em 2021 e 2022, parlamentares estaduais apresentaram mais de 100 projetos de lei a suas respectivas assembleias legislativas, com a mesma intenção.
Fonte: Conjur