A vacina de Oxford é realmente tão promissora?

Ciências
  • Data 29.10.2020
  • Autoria Fabian Schmidt

Projeto da empresa de biotecnologia Vaccitech desenvolvido pela farmacêutica AstraZeneca e a universidade britânica é com frequência citado como avançado. Mas ele também desperta questionamentos.

Hoje há mais de 200 projetos de vacina contra o coronavírus em andamento em todo o mundo. Deles, nove são considerados pelos observadores como favoritos por já estarem em estágio avançado de testes.

Um dos projetos que tem atraído particular atenção é o da ChAdOx1, a chamada vacina de Oxford, que está sendo testada no Brasil e em outros países.

A vacina, da empresa de biotecnologia Vaccitech, foi desenvolvida pela farmacêutica britânico-sueca AstraZeneca em colaboração com a Universidade de Oxford e é também conhecida como AZD1222.

O jornal inglês The Guardian, citando pesquisadores envolvidos no projeto, noticiou na última terça-feira (27/10) que as últimas pesquisas sugerem que a vacina “produz uma resposta imunitária tanto nos adultos mais velhos como nos jovens“. A informação teria circulado, segundo o jornal, num evento acadêmico fechado. Os dados, porém, só serão divulgados após serem revisados por outros pesquisadores.

UE acelera processo de verificação

A agência europeia de medicamentos, EMA, já iniciou uma revisão da AZD1222. É a primeira vez que isso está sendo feito na União Europeia com uma vacina contra o coronavírus. Para poupar tempo, a agência está verificando os dados dos testes enquanto eles ainda estão sendo recolhidos, algo que nunca antes havia acontecido.

Dentro deste procedimento atual, é possível que a vacina possa ser liberada já alguns dias após o fim dos testes – se a agência europeia estiver convencida de que ela é eficaz e segura. Mas até agora a EMA tem se recusado a dizer quanto tempo a revisão vai demorar. Ela diz apenas que os testes com milhares de voluntários estão em andamento e que os resultados são esperados nas próximas “semanas ou meses”.

Embora ainda não esteja claro se a vacina será aprovada, vários governos já encomendaram dezenas de milhões de doses. A AstraZeneca já assinou, por exemplo, um acordo com um instituto da Índia para produzir pelo menos 300 milhões de doses. Ter acesso prioritário à vacina pode, afinal, gerar bilhões em lucros.

Mas críticos como o biólogo austríaco Clemens Arvay veem tudo isso como uma confirmação de sua crença de que a poderosa indústria farmacêutica quer trazer a vacina para o mercado a qualquer custo em busca de lucro. Arvay, que tem um blog no Youtube, argumenta que, no processo, se está ignorando a devida cautela médica e pondo em risco a saúde do público.

Ele apoia o argumento com uma série de pontos: a substância ativa não criou proteção suficiente contra infecções na fase pré-clínica em primatas e, no entanto, foi aprovada para um ensaio combinado das fases 1 e 2. Nesta fase, houve graves efeitos colaterais: febre e diminuição dos glóbulos brancos (neutropenia). Apesar disso, a vacina foi aprovada para a fase 3. E agora houve um grave incidente na fase 3 – um paciente sofreu de mielite transversa – mas a pesquisa continua.

“Posso entender a preocupação de que as pessoas não estão trabalhando cuidadosamente porque a pressão é grande”, diz Stephan Becker, virologista da Universidade de Marburg, na Alemanha. “Por isso, há razão para ficar com a pulga atrás da orelha.”

O próprio Becker esteve envolvido no estudo combinado das fases 1 e 2. Seu instituto realizou o monitoramento imunológico no teste de neutralização de anticorpos. Isso significa que ele e seus colegas verificaram se uma das três respostas imunológicas desejadas para a vacinação funcionava.

Neste teste, os pesquisadores verificaram a funcionalidade da vacinação e se os anticorpos desenvolvidos pelo sistema imunológico do paciente vacinado poderiam inibir a infectividade viral. Os pesquisadores realizaram um teste sorológico (Elisa) que mostrou que os pacientes produziram anticorpos ligados à proteína spike típica do Sars-CoV-2. Um terceiro teste tratou da resposta das células T, ou seja, a defesa imunológica aprendida dos glóbulos brancos.

“Não tenho a impressão de que a indústria esteja exercendo pressão sobre os cientistas e as autoridades reguladoras. As autoridades reguladoras estão agora muito concentradas nas vacinas para covid-19, mas isso não significa que se esteja trabalhando com menos cuidado”, diz Becker.

A vacina é mesmo eficaz?

Em suas críticas, Arvay recorre à opinião de especialistas como o proeminente geneticista e biólogo molecular americano William A. Haseltine. Em maio, Haseltine havia expressado dúvidas sobre a eficácia da vacina em um artigo na revista Forbes. Ele escreveu que estava decepcionado com os resultados da fase pré-clínica, na qual a vacina foi testada em animais.

Mas Becker tem uma interpretação diferente dos resultados deste estudo, que foi publicado em versão prévia nas revistas científicas Biorxiv e Nature.

A vacina foi primeiramente testada em ratos e, posteriormente, em macacos. Becker diz que o estudo demonstrou que todos os ratos apresentaram reação após a vacinação. Os roedores produziram três formas desejadas de imunidade, tanto quanto a neutralizantes quanto no teste serológico. “E parece que a resposta das células T também funciona”, diz ele.

O pesquisador afirma que os testes com macacos produziram resultados semelhantes. “Aqui você pode ver que os animais também sobem no Elisa após uma única vacinação e têm uma resposta neutralizante e uma resposta de célula T também”, comenta.

Após serem vacinados, os animais foram infectados com o coronavírus. O estudo mostra que eles tiveram uma redução na carga viral na região nasal. A redução da carga viral “não foi tão acentuada” no pulmão, reconhece Becker. Mas ele diz que isso não é suficiente para concluir que a vacina não funciona – especialmente levando em conta que o estudo combinando fase 1/fase 2 em humanos mostrou que 91% dos vacinados desenvolveram anticorpos específicos após uma única vacinação, e 100% após a segunda vacinação.

Efeitos colaterais semelhantes aos da gripe

A segunda crítica da Arvay se concentra nos efeitos colaterais registrados durante os testes – no caso sintomas semelhantes aos da gripe, desenvolvidos temporariamente por cerca de 70% das pessoas vacinadas em teste. Elas também tiveram febre alta, de mais de 38 graus Celsius.

Stephan Becker também se impressionou no início. “Mas, se a febre diminui rapidamente, é aceitável dizer: não se trata de um efeito colateral sério – no sentido de que não é prolongado. Em tais casos, afirma ele, é preciso ponderar se o risco para os pacientes supera a proteção que eles recebem contra uma infecção pelo coronavírus.

O pesquisador alemão diz que é sempre importante verificar se tal vacinação ainda pode ser usada com segurança naqueles que estão particularmente em risco de contrair a covid-19, ou seja, pessoas idosas e com histórico de doenças.

Um em cada dez participantes do estudo na fase 1/fase 2 foi submetido ao monitoramento do sangue e constatou-se que os neutrófilos, tipos de glóbulos brancos, haviam diminuído temporariamente em 46% dos testados.

Segundo Arvay, esta neutropenia é uma indicação de que o sistema imunológico está enfraquecido pela vacinação. Em sua opinião, não se justificava passar à fase 3.

Becker concorda que a proporção de pessoas em teste nas quais isso foi observado é considerável, porque a neutropenia ocorre com muito menos frequência em vacinas convencionais. Mas ele diz que também há exceções.

Por exemplo, a neutropenia é um efeito colateral comum na vacinação contra a febre amarela, considerada uma das mais seguras.

Portanto, diz Becker, talvez tenha sido correto iniciar a fase 3 com testes em humanos. “Se os neutrófilos desaparecem do soro, é porque eles se retiram para onde são agora necessários – para o local onde a vacinação está sendo administrada. Esta é provavelmente também a razão pela qual eles voltam relativamente rápido”, comenta.

Becker afirma que a neutropenia e a febre podem provavelmente ser interpretadas como parte da mesma reação. “É desagradável, mas é também um sinal de que o sistema imunológico entrou em ação aqui”, diz. Em tal situação, é difícil para os médicos decidir se faz sentido prosseguir com o desenvolvimento de uma vacina. “É claro que se deseja que uma vacina ideal não tenha nenhum efeito colateral e que proporcione 100% de proteção. Mas isso é raro, especialmente se a vacina tiver que ser desenvolvida e testada sob condições como as que temos agora.”

Doença nervosa como caso especial?

O efeito colateral que ocorreu durante a fase 3 em uma paciente inglesa no início de setembro é mais grave. Ela tinha sintomas de mielite transversa, uma inflamação da medula espinhal. Esta é uma doença neurológica autoimune. A paciente teve alta do hospital após um curto período de tempo.

No final de setembro, a revista científica Nature publicou uma reportagem dizendo que possivelmente houve mais um caso, que chamou menos atenção, de mielite transversa antes, e o paciente foi diagnosticado posteriormente com esclerose múltipla.

As doenças autoimunes do sistema nervoso ocorrem raramente em conexão com as vacinas, mas com certa frequência em conexão com infecções virais ou bacterianas. Muitas vezes, não é possível descobrir claramente o que causou a doença.

Além disso, a própria covid-19 frequentemente causa doenças autoimunes do sistema nervoso que podem ser graves e possivelmente fatais.

Apenas alguns dias após a alta hospitalar do paciente britânico, os cientistas continuaram o estudo da fase 3.

“Uma interrupção a curto prazo do recrutamento do estudo, como aconteceu agora neste caso, é um procedimento comum em ensaios clínicos”, diz Clemens Wendtner, médico chefe do departamento de infectologia da Clínica Schwabing, em Munique.

Ele enfatiza que, após a vacinação, a mielite transversa ocorre tipicamente em 1,3 a cada 1 milhão de pessoas. Portanto, foi correto reagir.

“Se ocorrerem efeitos colaterais graves, um Data Safety Monitoring Board (DSMB), que é independente, decide se será necessário interromper o processo”, enfatiza o médico. Wendtner não descarta, porém, a possibilidade de que algo mais possa ter causado a doença.

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