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“Abin colombiana”: Corte Interamericana condena país por espionagem

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Ação trata de agressões e coleta irregular de informações na Colômbia. Voto de juiz brasileiro foi determinante para tomada de decisão

A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou, nesta segunda-feira (18/3), a Colômbia por um esquema de espionagem ilegal no país. A ação trata de agressões e coleta irregular de informações contra membros do Coletivo de Advogados José Alvear Restrepo (Cajar).

A Corte declarou que a Colômbia violou, em prejuízo às vítimas, “os direitos à vida, à integridade pessoal, à vida privada, à liberdade de pensamento e expressão, à autodeterminação informacional, ao conhecimento da verdade, à honra, às garantias judiciais, proteção judicial, liberdade de associação, circulação e residência, proteção da família, direitos das crianças e direito de defesa dos direitos humanos”.

O Cajar, grupo-alvo da espionagem, representava familiares de indivíduos desaparecidos e mortos pelas mãos do Estado ou dos paramilitares, integrantes de grupos considerados subversivos ou de oposição política. Os defensores dos direitos humanos representam pessoas vitimadas por violência praticada por agentes estatais ou por terceiros.

As atividades de inteligência clandestina eram acompanhadas de práticas intimidatórias, que buscavam constranger as vítimas a deixar de exercer a defesa dos direitos humanos.

“O caso Cajar vs. Colômbia inaugura caminhos para a proteção de direitos admitidos de forma inédita na sentença e aprofunda relevantes compreensões sobre standards de tutela convencional que vêm sendo sedimentados nas últimas décadas na jurisprudência da Corte IDH“, escreveu o juiz brasileiro Rodrigo Mudrovitsch (foto em destaque) em seu voto.

Mudrovitsch destacou ainda que o contato privado entre indivíduos pressupõe segredo, a menos que haja uma decisão judicial que autorize a interceptação telefônica no âmbito de uma investigação.

“Se a comunicação profissional do advogado está submetida à salvaguarda reforçada do sigilo, não é possível concluir que o mero controle judicial prévio se afigura suficiente para desvelar seu teor. Se assim o fosse, recairia sob a regra geral de sigilo, e não sob o manto do segredo profissional”, enfatizou o juiz brasileiro.

Rodrigo Mudrovitsch, atual vice-presidente da Corte, ressaltou ainda o uso de ferramentas tecnológicas para promover “monitoramento em massa” de civis. No Brasil, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria sido utilizada para monitorar adversários do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Ainda mais preocupante é o emprego recorrente de softwares de captura de dados e de vigilância de dispositivos por parte dos serviços de inteligência, viabilizando práticas como o monitoramento em massa de indivíduos”, enfatizou Mudrovitsch.

“Esse monitoramento, no entanto, muitas vezes realizado de maneira clandestina, pode violar a autodeterminação informativa, uma vez que os indivíduos não têm a mínima expectativa de que são alvos de vigilância e tampouco têm conhecimento sobre como os dados pessoais coletados serão utilizados pelos serviços de inteligência, permitindo uma ingerência arbitrária e abusiva em sua vida privada sem qualquer justificativa legítima”, completou.

Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição judicial autônoma, cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana. Esse instrumento, também chamado de Pacto de San José da Costa Rica, é um tratado internacional que prevê direitos e liberdades que precisam ser respeitados pelos Estados-partes.

A Corte ordenou diversas medidas de reparação ao Estado colombiano.

Confira:

a) a obrigação de as autoridades colombianas investigarem os atos de violência perpetrados contra as vítimas;

b) a purificação dos arquivos de inteligência a fim de garantir às vítimas o acesso efetivo às informações e aos dados contidos nesses arquivos sobre elas;

c) realizar uma campanha de informação em nível nacional para sensibilizar a sociedade colombiana relativamente à violência e estigmatização de que têm sido vítimas os defensores dos direitos humanos;

d) projetar e implementar um sistema de coleta de dados e números ligado a casos de violência contra defensores dos direitos humanos;

e) adequar a Lei nº 1.621, de 2013, para que a regulamentação seja compatível com as normas convencionais sobre a matéria;

f) aprovar a regulamentação necessária para implementar mecanismos ou procedimentos que garantam o direito à autodeterminação informacional; e

g) adaptar os manuais de inteligência e contraespionagem a fim de adequá-los aos padrões internacionais na matéria.

No Brasil, “Abin paralela”

O caso da “Abin colombiana” encontra semelhanças no Brasil. A Polícia Federal (PF) apura a utilização da Abin para o monitoramento de opositores e adversários políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro entre 2019 e 2021, sob a gestão do então diretor do órgão, Alexandre Ramagem.

A espionagem paralela era feita por meio do software de inteligência israelense First Mile, adquirido durante o governo de Michel Temer. A ferramenta permite rastrear a localização de pessoas a partir de informações fornecidas por torres de telecomunicações.

As diligências da PF também tentam identificar se o clã Bolsonaro se utilizou de informações da Abin para beneficiar os filhos do ex-presidente em inquéritos policiais.

No julgamento sobre a “Abin Colombiana”, Mudrovitsch salienta que os serviços de tecnologia devem respeitar o interesse público e se afastar de quaisquer justificativas que possam atrelar o monitoramento a interesses pessoais ou privados.

“Os serviços de inteligência devem observar e comprovar a existência de interesse público para conduzir suas atividades, incluindo aquelas de monitoramento e coleta de dados pessoais, a fim de afastar qualquer possibilidade de que elas atendam a interesses pessoais ou privados ou de que sejam realizadas sem objetivos, justificativas e limitações
claras”, ressaltou o magistrado brasileiro.

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Fonte: Metrópoles