Por Paulo Sergio João – Sábado,19 de fevereiro de 2022
A quitação de obrigações trabalhistas contratuais sempre foi carregada de insegurança jurídica em razão do fato de que se atribuía aos empregados a condição de hipossuficiente e vulnerabilidade na manifestação de sua vontade.
Nesse sentido, a CLT, no artigo 477, no seu parágrafo 2º, trazia redação limitativa quanto aos efeitos do termo de rescisão e, da mesma forma, a Lei nº 13.467/17 manteve os efeitos restritivos quanto às verbas que são liquidadas, alterando a expressão “termo de rescisão” para “instrumento” (“§2º. O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas”).
A jurisprudência trabalhista também se pacificou na Súmula 330 do TST reafirmando as limitações de quitação quanto aos valores liquidados por ocasião da liquidação de verbas trabalhistas.
Portanto, a regra sempre foi de que a quitação vale pelo que está escrito, permitindo que o ex-empregado procurasse a reparação de outros direitos e diferenças não pagas na ocasião de seu comparecimento perante o sindicato de classe, com as clássicas ressalvas da pretensão de postular outros direitos, muitas vezes ainda desconhecidos.
A nova legislação trabalhista da reforma de 2017 (Lei nº 13.467), com a finalidade de eliminar litigiosidade, entre as novidades que trouxe, em homenagem à autonomia da vontade e à boa-fé, permitiu a possibilidade de que as partes celebrassem acordo extrajudicial, dando ao Judiciário trabalhista a possibilidade, quando provocado, de decidir sobre a homologação de acordo extrajudicial de sua competência (artigo 652, “f”).
A nova lei cuidou também de apontar os requisitos necessários e essenciais para a validade do negócio jurídico: representação de advogado a fim de assegurar a livre manifestação da vontade, observando que não pode ser o mesmo causídico para as mesmas partes (Capítulo III-a do Processo de Jurisdição Voluntária para Homologação de Acordo Extrajudicial, artigo 855-B, §1º e 2º).
A nova disposição estabeleceu prazo de 15 dias para que o juiz do Trabalho, instado a se manifestar, decida sobre a homologação.
E, nesse caso, o juiz analisará os requisitos de validade do acordo extrajudicial, ou seja, representação e capacidade das partes e condições intrínsecas das condições da negociação submetida a homologação.
O que se tem visto, no entanto, é a homologação parcial de tais acordos em vários casos e o magistrado importa a insegurança jurídica para a avença, transformando os acordos extrajudiciais em ações intermináveis, com desprezo absoluto da capacidade de manifestação da autonomia da vontade das partes e dos advogados que representam seus clientes.
Nesse sentido, o sítio o TST publicou no último dia 14 notícia de que a 5ª Turma, em voto da lavra do ministro Breno Medeiros, reconheceu sem ressalvas acordo extrajudicial (RR-10738-41.2019.5.15.0098).
Não é o caso de impedir que o Judiciário analise os elementos componentes do acordo, partes, representação e direitos transacionados, a fim de que seja observada a licitude dos negócios jurídicos, mas, preenchidos os requisitos essenciais, pareceria que não há possibilidade legal de se transformar o acordo extrajudicial em convite a novas disputas judiciais sobre o mesmo fato.
No acórdão analisado o ministro assevera que “assim, se não cabe ao Poder Judiciário tornar-se um mero ‘homologador’ de acordos em que se identifica violação a dispositivos legais ou, ainda, vícios de consentimento das partes (tendo como norte o princípio da proteção, que cerca as relações de trabalho), não deve, da mesma forma, modular seus efeitos, à revelia da vontade das partes”.
Portanto, o dispositivo legal não retira do Judiciário trabalhista a oportunidade de averiguar o conteúdo do acordo, inclusive com designação de audiência para se convencer da licitude do convencionado e, uma vez convencido de que não atende princípios morais, éticos ou de direito material, rejeitar a homologação do acordo na sua integralidade, não cabendo, segundo o ministro, a homologação parcial, com ressalvas que as próprias partes não fizeram.
Caberia, ainda, um aspecto de rejeição de acordos extrajudiciais e que diz respeito aos seus aspectos intrínsecos de moralidade e de licitude aos quais o Judiciário não pode se furtar da análise e, se apuradas violações, o remédio deve ser o da rejeição total da transação por ofensa a valores fundamentais nas relações de trabalho.
Fonte: Conjur