Por Vitor Nuzzi | RBA
Biografia narra a trajetória intensa do cantor que foi sucesso internacional nos anos 1970 e 1980
No próximo 5 de janeiro, completam-se 10 anos da morte de Nelson Ned D’Ávila Pinto, mais conhecido como Nelson Ned, aos 66 anos. Primogênito entre sete filhos, mineiro de Ubá – terra de Ary Barroso e das irmãs cantoras Célia e Celma –, o artista sempre lembrado pela pequena estatura foi um astro internacional entre os anos 1970 e 1980. Um verdadeiro pop star latino.
Difícil de imaginar, dada as condições difíceis que ele teve que superar. Com poucos meses, o menino – cujo nome artístico destaca os nomes do pai e da mãe – foi diagnosticado com displasia espondiloepifisária. Um tipo raro de nanismo, que lhe causava constantes e fortes dores. Assim, não passou de 1,12 metro. Isso não o impediria de fazer sucesso em países da América Latina e nos Estados Unidos, com seu repertório romântico.
Sucesso, romances, drogas
A “vida louca” de Nelson Ned ganhou biografia publicada em novembro: Tudo passará (Companhia das Letras, 250 páginas) tem a assinatura do jornalista, crítico e roteirista André Barcinski e texto de Marcelo Rubens Paiva na contracapa. Barcinski narra a trajetória intensa do artista, entre o sucesso sem limites, infinitos casos amorosos, idolatria de chefes do tráfico e até um inesperado fã, o escritor colombiano Gabriel García Márquez. Os dois, inclusive, tornaram-se amigos – Nelson adorou Cem anos de solidão.
Sua chegada a Luanda, por exemplo, parou o aeroporto, para surpresa e emoção do cantor brasileiro (“Isso tudo é pra mim? Não é possível, meu Deus!”). Entre outras façanhas, Nelson Ned também fez duas apresentações, em um só dia, no mítico Carnegie Hall, em Nova York.
Em meio à fama, o cantor também comprou brigas com parte da imprensa brasileira, que o via com desprezo. E não se intimidou com os ataques do sempre ferino Ronaldo Bôscoli. Pelo contrário, atacou com a mesma pegada, chamando o bossa-novista de “pseudocompositor”, com letras “efeminadas”, ao contrário das dele, Nelson Ned, sempre “viris”. Lembrou que cantava para multidões, não em pequenos espaços, e ainda espezinhou: “Tenho uma garota muito mais bonita do que dona Elis Regina”. Na época, Bôscoli e Elis eram casados.
Bate-boca com João Saldanha
Sempre galanteador, Nelson Ned tentava conquistar Marli de Oliveira. O primeiro encontro não foi exatamente romântico. Ela almoçava com Genival de Melo, produtor do cantor, no agitado apartamento onde também moravam Antônio Marcos e Claudio Fontana, quando após uma gritaria uma mulher passava ainda abotoando a blusa, seguida por Nelson Ned, apenas de cueca. Depois da cena, nada incomum, ele se desculpou e ainda levou Marli de volta para casa. A mãe da moça se espantou: “Que é isso, minha filha, você sai de casa atrás do Wanderley Cardoso e volta com o Nelson Ned?”. Eles se casaram e tiveram dois filhos. O artista teve ainda uma menina fora do casamento, com uma empregada da família dos país. Duas moças e um menino (Nelson Jr., Veronica e Monalisa) – todos herdaram a condição física do pai.
A metralhadora giratória de Nelson Ned atingiu também, entre muitos outros, João Saldanha e Chico Buarque. Em Cali, na Colômbia, o “João sem medo”, como era conhecido, dizia a um grupo de jornalistas ter “profunda admiração” pelo artista, pela sua capacidade de superação. Nelson e uma mulher se aproximaram, Saldanha disse que tinha acabado de “encher a bola” do cantor e acrescentou que ele só não era perfeito porque nunca tinha gravado nada de Chico Buarque. A resposta de Nelson Ned não foi amigável, e ganhou réplica:
– Deus me livre, gravar música deste comunista de merda!
– Seu anãozinho vagabundo. Vá se foder!
Um revólver de presente
Nelson Ned declarou ser contra a ditadura. Disse ser contra Fidel Castro e contra Augusto Pinochet. Declarou-se como “homem de centro”. Ele presentou o último general-presidente, João Figueiredo, com um revólver banhado a ouro que havia recebido, em 1978, do general Arturo Durazo Moreno, homem forte do governo mexicano. Junto com o mimo, vieram também cartões de visita do militar, com uma mensagem dócil: “Toda vez que você atirar em alguém no México, coloque esse cartão no bolso do defunto e ninguém o incomodará”.
Barcinski narra sem julgamento e em detalhes as aventuras e desventuras do cantor, que primeiro usou e abusou dos remédios para tentar aplacar as permanentes dores. E depois das drogas, como a cocaína que recebia, pura, de chefes do tráfico admiradores de sua voz. Também bebia muito. Podia ser explosivo, mas era generoso na mesma proporção – como quando bancou as operações e toda a recuperação de um garoto venezuelano de 6 anos que também sofria de nanismo e que conheceu em 1979, em Caracas.
Dores de amores
Seu repertório expressa, acima de tudo, dores de amores rejeitados. Teve uma vida de excessos – materiais, físicos. Depois de Marli, teria uma tumultuada relação com Maria Aparecida Rodrigues, em 1980. Foram muitas e muitas brigas. Em uma delas, Cida foi baleada na clavícula, mas as versões sobre o episódio são contraditórias.
Aos poucos, Nelson Ned perdeu espaço para a música pop e o boom sertanejo que tomou conta do país. Os problemas físicos aumentaram, e o vozeirão perdia potência. Barcinski anota que o último grande disco da carreira é de 1993: El Romántico de America, com 18 boleros clássicos.
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Se as coisas já não andavam bem, pioraram com a morte de Genival Melo, empresário e “segundo pai” do artista, em 1995. Nelson, seu pai, morreu em 1998 e a mãe, Ned, um ano depois. O cantor voltou-se para temas religiosos, lançando discos gospel. A vida de luxo foi ficando para trás e o estado de saúde agravou-se com um AVC. Passou os últimos anos entre as casas das irmãs e clínicas de repouso. Ao autor da biografia, um ano antes de morrer, disse que gostaria de ser lembrado “como um homem romântico, que amou muito e viveu intensamente”.
Fonte: Rede Brasil Atual