Panorama mostra: em grande parte do Norte Global, mulheres podem fazer o procedimento com segurança, mas há diferenças significativas entre os países. Na América Latina, liberdade é amplamente negada – mas a luta pela sua garantia cresce a cada ano
por Flavio Aguiar – Sexta, 13 de outubro de 2023
O tema é polêmico, envolvendo aspectos de saúde pública, éticos, religiosos, jurídicos, penais e last, but not least, de direitos humanos, no caso do direito das mulheres ao controle sobre seu próprio corpo, conforme as defensoras e os defensores da descriminalização, ou do direito do feto à vida desde a concepção, conforme as opositoras e os opositores.
O tema do aborto se implantou de vez no Brasil, curiosamente dentro e fora do país. Na semana passada o filme brasileiro Levante, de Lilah Halla, ganhou o primeiro prêmio da categoria ficção no Festival de Cinema Latino-Americano em Biarritz, na França. A protagonista do filme é uma jogadora de vôlei que, às vésperas de um jogo decisivo para sua carreira, descobre que está grávida e deseja interromper a gravidez. O filme já merecera menção de melhor filme de estreia na mostra paralela do Festival de Cannes, também na França. E no começo do ano o filme Infantaria, de Laís Santos Araújo, que também aborda o tema do aborto, ganhara o Prêmio Especial do Júri na seção Generation 14Plus, na Berlinale, o Festival Internacional de Cinema de Berlim.
Na maioria dos países europeus o aborto mediante pedido da mulher grávida é descriminalizado. Encontram-se neste caso países tão diferentes em matéria de tradições culturais, políticas e religiosas como a Itália e a Rússia, a França e a Turquia, a Irlanda e a Suécia, Portugal e Hungria, Espanha e Ucrânia, para citar alguns exemplos. Em alguns casos a liberalização da prática do aborto foi muito precoce, como na extinta União Soviética e também em vários países que pertenciam ao finado Pacto de Varsóvia, do antigo Leste geopolítico da Europa. Em geral o prazo da permissão varia entre 10 e 14 semanas de gravidez. Na maioria dos países o prazo é de 12 semanas. Mas há exceções: na Islândia o prazo é de 22 semanas, e na Holanda, 24.
A Finlândia e o Reino Unido são considerados países onde há leves restrições ao aborto, embora neste último país seja permitido requerer um aborto até as 24 semanas de gravidez, Já a Polônia, Liechtenstein, Mônaco e San Marino são considerados países onde as restrições são muito severas, como no Brasil, onde o aborto só é admitido em casos de estupro, risco de vida da mãe e anencefalia do feto. Em San Marino um plebiscito recente aprovou a descriminalização, mas a matéria ainda deve ser regulada em lei.
Em Malta e Andorra o aborto é proibido. Um caso curioso é o da Dinamarca, país considerado liberal na matéria. Entretanto nas Ilhas Faroe, sob sua jurisdição, o direito ao aborto ainda é restrito por limitações muito severas.
Organizações não-governamentais assinalam que a descriminalização ou legalização do aborto é uma coisa; mas a garantia de acesso é inteiramente outra. Apontam como exemplo o caso da Itália, onde a maioria dos médicos se recusa a fazer abortos, alegando motivos éticos ou religiosos. Sublinham ainda que o custo da operação pode ser muito alto, como no caso das clínicas particulares na Hungria. Por fim, defendem que a regulamentação do aborto deixe de ser feita dentro do Código Penal e passe definitivamente integrar o capítulo dedicado à Saúde Pública ou o dedicado a Direitos Humanos. Motivo: mesmo onde seja apenas descriminalizado, o aborto continua sendo uma prática ilegal. Só que a paciente e quem faça o aborto não serão punidos, mas “perdoados”.
O dia 28 de setembro é considerado mundialmente como o Dia Internacional pelo Aborto Seguro. Faz muito tempo que a data integra as mobilizações em favor da descriminalização do aborto na América Latina. A partir de 2011 a Rede Internacional de Mulheres pelos Direitos de Reprodução decidiu que a data deveria ser adotada mundialmente. A escolha do dia 28 de setembro se deu para comemorar a data em que, no ano de 1871, o Parlamento do então Império do Brasil aprovou a Lei do Ventre Livre, que declarava libertos os filhos de escravas.
E foi no dia 28 de setembro que a ministra Rosa Weber pediu sua aposentadoria da presidência e do seu cargo de ministra do Supremo Tribunal Federal, seis dias após declarar seu voto histórico pela descriminalização do aborto até as 12 semanas de gravidez.
Fonte: Outra Saude