Estudo aponta desinformação sobre o agronegócio brasileiro em livros didáticos do MEC

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Um estudo realizado pela Fundação Instituto de Administração (FIA), vinculada à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP), concluiu que há desinformação relacionada ao agronegócio brasileiro em diversos livros didáticos destinados a alunos de escolas públicas do país.

Foram dedicadas, ao todo, três mil horas para analisar nove mil páginas de 94 livros das principais editoras que produziram livros adquiridos pelo Ministério da Educação (MEC) no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2022, para estudantes do ensino fundamental I e II e do ensino médio.

Entre os principais elementos de desinformação mapeados estão a presença de viés político-ideológico nos trechos que tratam da produção agropecuária no país; conteúdos com dados imprecisos ou desatualizadas; e trechos com informações ausentes a ponto de prejudicar a compreensão do aluno sobre o tema.

Um dos problemas centrais que sustentam a desinformação levada aos alunos está na ausência de dados científicos para tratar do assunto. De 345 menções ao agronegócio nos livros, o estudo concluiu que 303 (87,8%) eram autorais, sem embasamento científico. Desse total, apenas 12 (3,5%) se tratavam de textos científicos.

Há, segundo o estudo, 60% a mais de menções negativas ao setor agropecuário brasileiro do que positivas. Entre as citações negativas mais frequentes estão temas como desmatamento, conflitos fundiários – relacionados a grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo – e uso de agrotóxicos. Já entre as menções positivas figuram tecnologia e sustentabilidade no agronegócio, segurança alimentar e a importância econômica da atividade para o país.

Ideologia e distanciamento da realidade do agronegócio
Apesar de os vieses de natureza política ou ideológica representarem um elemento importante nesse cenário de desinformação, Letícia Jacintho, presidente da associação De Olho no Material Escolar, entidade que solicitou a elaboração do estudo, avalia que o distanciamento entre os setores produtivos brasileiros em relação à educação é um agravante.

“Nas visitas às editoras que têm nos procurado, percebo que são empresas presentes basicamente nos grandes centros urbanos brasileiros. Estão muito distantes da realidade do agro, que também investiu pouco em comunicação para mudar esse cenário”, diz Letícia. “Nessa aproximação com o setor educacional vejo que eles têm interesse nessas atualizações nos materiais. Nosso propósito é ligar os setores – o agronegócio do educacional”, afirma.

Letícia destaca, ainda, que apesar de os livros analisados no estudo serem apenas aqueles destinados às escolas públicas, o cenário não muda em relação às instituições privadas. “O conteúdo produzido pelas editoras que estão no PNLD e que também produzem materiais para o setor privado é praticamente o mesmo. É uma impressão mais cara [no caso das escolas privadas], mas o conteúdo e o autor são os mesmos. Não é um problema apenas dos livros da rede pública”.

Impactos da desinformação
Para membros da associação De Olho no Material Escolar, os impactos da desinformação relacionada ao agronegócio nos livros didáticos são diversos e passam por aspectos educacionais e socioeconômicos. Isso porque, segundo a entidade, a falta de entendimento por parte das novas gerações pode prejudicar a renovação dos quadros profissionais no setor. Relatório da associação feito a partir do estudo da FIA menciona que diferentes países passam por dificuldades na formação, retenção e promoção de quadros para os próximos anos.

No âmbito educacional, o relatório aponta que a precariedade de embasamento científico em várias das menções ao agronegócio prejudica o incentivo ao espírito científico dos estudantes e a formação de opiniões independentes e atitudes e valores compatíveis com os saberes das ciências.

O que é o movimento De Olho no Material Escolar
A associação, fundada por produtores rurais, começou suas atividades em junho de 2020, ainda no início da pandemia da Covid-19. Com os filhos mais tempo em casa devido ao isolamento social, pais e familiares passaram a ter mais contato com os livros didáticos usados pelos filhos e identificaram uma série de distorções e imprecisões nos dados apresentados aos estudantes.

A entidade argumenta que, devido às rígidas leis ambientais e trabalhistas, além do constante aprimoramento tecnológico, o setor agropecuário passou por uma grande transformação nas últimas décadas. No entanto, ainda predomina nos materiais didáticos uma visão negativa do agronegócio, sem mostrar sua importância para a economia e com informações incorretas sobre reforma agrária, trabalho escravo no campo, uso excessivo de agrotóxicos, queimadas, entre outros.

O grupo conseguiu atrair apoio técnico de entidades como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), que funciona na USP; e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e passou a fazer visitas técnicas a editoras. Uma segunda linha de atuação encontrada pelos produtores foi levar professores e alunos a fazendas e empresas do agronegócio, atividade denominada “vivência”.

Agora, com os dados que confirmam as informações imprecisas em mão, a entidade planeja intensificar a aproximação junto às editoras para efetuar as correções necessárias nos livros. Outra estratégia é conquistar mais espaço junto a órgãos dos Três Poderes, em Brasília. No ano passado, membros do grupo já haviam se reunido com integrantes do governo federal e avançado em conversas. Agora, com a mudança de governo, Letícia espera manter o diálogo e tirar do papel as mudanças.

“Acredito que não existem portas fechadas para a educação. Esse é um dever compartilhado de todos. Temos o apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária e esperamos iniciar um trabalho junto ao MEC num futuro próximo”, diz Letícia.

Fonte: Gazeta do Povo