Feijão resiste na agricultura familiar e nas ruas de Feira de Santana (BA)

Bahia Brasil cidades CITY RURAL economia Feira de Santana


Principal item da alimentação dos brasileiros, área plantada com a leguminosa caiu 30% país desde 2005

Por Cleyton Vilarino — Feira de Santana (BA) – Segunda, 3 de março de 2025

As bandeirolas penduradas em pleno mês de novembro confirmam o que dona Therezinha dos Santos Ribeiro declara de peito cheio: em sua casa, o ano todo é dia de São João. “No Natal, o povo chega aqui e pergunta, ‘aqui é Natal ou São João?’ e eu digo que é os dois juntos, Natal e São João!”.

A festa comemorada em pleno período de colheita e de chuvas no sertão é a preferida da agricultora baiana de 80 anos. “A gente gosta da festa, do forró, de tomar um licor, carne assada na fogueira, milho”, assume Therezinha. Se a decoração estraga, ela logo se apressa em substituir por uma nova. “Não está fazendo mal a ninguém, não tem razão para tirar”.

Orgulhosa de ter conquistado a sua aposentadoria rural, ela não abre mão de trabalhar na sua pequena roça no distrito de Humildes, em Feira de Santana. Na pequena área, de cerca de 4,5 hectares, cultiva banana, milho, amendoim, quiabo, maxixe, mandioca (ou aipim, como é localmente chamada a raiz) e seu principal produto, o feijão– de-corda.

Ingrediente fundamental da dieta dos brasileiros, a cultura do feijão tem perdido espaço no campo. No Brasil, a área plantada caiu de 4,2 milhões de hectares em 2005 para 2,9 milhões de hectares esperados para este ano, segundo a Conab. Em Feira de Santana, a queda foi de 72% desde 2005, passando de 18,1 mil hectares para pouco mais de 5 mil hectares em 2021.

A plantação que Deus criou

Junto com a leguminosa plantada no quintal, chama atenção a presença do bredo, também conhecido em outras regiões como caruru. Considerado uma planta daninha em lavouras de outras partes do país, na roça de dona Therezinha ele é tratado como “a plantação que Deus criou” e mantido tal como aprendeu com sua mãe.

“Eu acho que ele ajuda o feijão porque, do jeito que está aí, ele dá uma sombrinha”.

Nativa da América do Sul, a planta é considerada uma PANC (planta alimentícia não convencional) e aproveitada na casa de Therezinha tanto para sua alimentação quanto na criação animal. Quando está mais exuberante, chega a ser vendida com as demais colheitas. “Ele prontinho, com um camarãozinho dentro, quebrar um ovinho de quintal dentro, é delicioso. Para que arrancar o bichinho?”.

Sem controle de herbicidas ou pesticidas, a produção pode ser considerada orgânica, apesar de não certificada. “A gente não bota produto químico, vive do tempo, da natureza”, declara a agricultora. A biodiversidade é mantida na base da intuição. “Eu não sei explicar como, mas que ajuda, eu acho que ajuda”, afirma.

A feira de Feira

Toda a colheita é vendida é na principal feira livre de Feira de Santana, a feira da Marechal – a mesma que deu origem à cidade em 1833. Passados quase dois séculos, as barracas de frutas, verduras e legumes hoje disputam o espaço e a clientela com lojas e supermercados modernos, cujas caixas de som na calçada se sobrepõem aos tradicionais gritos dos feirantes, tão comuns em outras regiões.

Há dez anos ajudando dona Terezinha, sua filha Edineide Ribeiro (ou Dona Mocinha, como é conhecida na cidade) tem sido testemunha da transformação vivida pela feira da Marechal. “A gente sente que a agricultura familiar vai declinando, tem bem menos pessoas que produzem para vender aqui. A maioria compra na Ceasa”, observa.

Therezinha dos Santos Ribeiro e sua filha Edineide na propriedade rural — Foto: Rogério Albuquerque
Therezinha dos Santos Ribeiro e sua filha Edineide na propriedade rural — Foto: Rogério Albuquerque

No distrito de Humildes, por exemplo, sua família é uma das poucas que ainda cultivam alimentos, algo cada vez mais difícil diante de secas cada vez mais severas.

“O pessoal vai migrando da zona rural para a cidade, e vão diminuindo os produtores da região”.

Depois da colheita, manter o tradicional ponto de venda da família é um desafio adicional. “Temos sido tratados como lixo”, denuncia a feirante, ao lembrar das reiteradas tentativas da prefeitura de Feira de Santana de remover a feira da Marechal do seu tradicional endereço.

“Eu acho que a prefeitura de Feira de Santana deveria e deve ter mais respeito com quem trabalha, principalmente de uma cidade que leva o nome de feira, deveria preservar a história da cidade”, critica Edineide.

Procurada, a gestão municipal não retornou até a publicação desta reportagem.

Fonte: Globo Rural / Produtora Therezinha dos Santos Ribeiro — Foto: Rogério Albuquerque

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *