Honestidade Intelectual: princípios esquecidos?

cultura

Por  Thomas Conti – Terça, 18 de agosto de 2020

Honestidade Intelectual

Em busca do bom conteúdo…

Somos diariamente bombardeados por uma imensa[1] quantidade de informação, seja na mídia oficial ou nas redes sociais. Como diferenciar o conteúdo que foi pensado em seus detalhes e carrega alguma verdade, daquele que não passa de um título polêmico e palavras rasas ou enganosas? Como inferir os viéses ou distorções que autores desconhecidos podem colocar em suas publicações? Se colocarmos na ponta do lápis, quanto do conteúdo que lemos diariamente não poderia ser classificado como apenas exercícios de retórica ou propaganda?

Essas são questões pertinentes que afetam nossa vida diária na era da informação. Enquanto os grandes portais da mídia conseguem aderência em suas notícias não importando a sua qualidade, veículos menores têm de se desdobrar para conseguir um lugar ao sol – nesse vale tudo online, sensasionalismo e desinformação formam antes a regra do que a exceção.

Mas há espaço para relembrarmos o esquecido princípio da honestidade intelectual que constitui (ou já constituiu) um método indispensável de resolução de problemas na pesquisa acadêmica – princípio que espero seguir ao longo dos artigos deste blog, a despeito das dificuldades que certamente terei.

Bom, mas afinal quais os sinais mais claros de que por trás de um raciocínio o princípio da honestidade intelectual está sendo seguido e respeitado?

  1. 1. Nenhum argumento é intrinsecamente verdadeiro – sua força depende das evidências que lhe deem suporte. Não superestimar o poder do seu próprio argumento, portanto, é um indício de que a honestidade intelectual está em jogo. Reconhecer a existência de pontos de vista alternativos razoáveis, disposição para explicitar e questionar as próprias premissas, assim como possíveis fraquezas do próprio argumento – e admitir seus erros, quando for o caso – são qualidades associadas ao princípio da honestidade intelectual. Em síntese, deve haver um forte compromisso com o pensamento crítico.
    • Contraste: a Desonestidade Intelectual está mais comumente associada à arrogância, à caracterização daqueles que discordam como estúpidos (ou utilização de argumentos ad hominem[2] em geral) ou à representação errônea de suas posições e argumentos (como citações fora de contexto), dando a ideia de que este é inferior sem passar pelas dificuldades inerentes a um contra-argumento bem construído e embasado.[3]
  2. 2. É necessário demonstrar consistência. Além de não distorcer os fatos em seu benefício, caso o autor tenha conhecimento de evidências que contrariam a sua hipótese (algo normal de se esperar de um profissional da pesquisa) e mesmo que ele desconsidere a validade ou a relevância desses dados, eles devem ser destacados e discutidos à luz da sua argumentação para que o leitor corretamente seja capaz de realizar seu próprio julgamento sobre a validade da interpretação que lhe está sendo apresentada. Ademais, para um mesmo autor, um peso deve ter apenas uma medida: tanto visões a favor como contra àquela do autor devem ser avaliadas sob o mesmo padrão de rigor e precisão.
    • Contraste: na desonestidade intelectual, em geral a prática mais comum consiste justamente na omissão de dados e/ou argumentos inconvenientes. Ou, quando não são omitidos, aplicam-se dois pesos e duas medidas – argumentos adversários são tratados com grande rigor crítico, enquanto as ideias do próprio autor e/ou seus aliados são rapidamente aceitas, mesmo quando de baixa qualidade.
  3. 3. Uma prática básica e essencial à honestidade intelectual é o uso adequado de citações, seja para fazer o devido reconhecimento dos autores originais de uma ideia ou para embasar os artigos com fontes confiáveis de dados e/ou conceitos adicionais. As referências garantem um solo firme, fértil e iluminado para o crescimento de ideias. É uma premissa básica do avanço por meio da crítica a existência de avanços anteriores, que devem ser explicitados.
    • Contraste: artigos sem referências a outros autores ou que usam fontes não confiáveis (ou nenhuma fonte) são indícios de desonestidade intelectual atuando – comumente na forma de argumentos rasos baseados em pressupostos mais ou menos sutis de autoridade. No mesmo sentido, autores desonestos nunca reconhecem publicamente quando é feito um bom ponto de criticismo – e a troca honesta de conhecimento também é uma pré-condição para uma discussão crítica que avance.

Esses são os pontos fundamentais que a meu ver devem guiar qualquer bom artigo e a conduta de bons autores. Se pensarmos rapidamente nas notícias que ganham maior escopo nos dias de hoje, poucas se adequariam ao princípio da honestidade intelectual.

Parte da minha vontade em criar este blog veio justamente da discordância com esse ambiente. Devo reconhecer que não me eximo das críticas que coloquei aqui, e até que me torne experiente na redação profissional de artigos errarei diversas vezes ao longo do caminho, porém assumo desde já um compromisso pessoal com o princípio da honestidade intelectual, que servirá de norte para este blog.

Notas:

[1] Segundo estimativas da Cisco, contabilizando-se apenas o conteúdo em vídeo, levaria-se 6 milhões de anos para assistir o que será colocado na internet mensalmente a partir de 2016 (não devemos estar muito longe disso em 2013). Fonte: Estimativas Cisco (em inglês)
[2] Argumentum ad hominem é um argumento feito pessoalmente contra um oponente, ao invés de ser feito contra os argumentos que ele defende. Consiste em uma falácia informacional, ou irrelevância, baseada em uma falha cognitiva conhecida como ‘Halo Effect’: nossa tendência em julgar fazendo uso de estereótipos ou de culpa por associação.
[3] Um ponto que às vezes é mal compreendido é uma suposta ligação entre inteligência e honestidade intelectual – coisas que não estão minimanente relacionadas entre si. Uma pessoa pode ser extremamente inteligente e erudita porém utilizar essas capacidades de forma desonesta para seu proveito individual. Ao meu ver, a identificação de alguém como inteligente apenas significa atenção redobrada para possíveis sinais de desonestidade intelectual, pois certamente esta pessoa será capaz de distorcer e enganar de forma mais sútil e efetiva, caso o queira.

Fonte: Thomasvconti.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *