Holly Young – Terça, 2 de janeiro de 2024
Campanha por uma alimentação sem produtos de origem animal completa dez anos em 2024, com os impactos ambientais do consumo de carne e derivados de leite já bem documentados pela ciência.
Quando o Burger King lançou o lanche Impossible Whopper em 2019, a ativista vegana de longa data Toni Vernelli mal acreditou no que estava vendo.
Para ela, que militou contra a rede de fast-food 30 anos atrás, o orgulhoso lançamento de um hambúrguer vegano e o compromisso assumido pela empresa de ter 50% do cardápio à base de plantas até 2030 era um sinal do quanto as coisas haviam mudado, e do quanto elas nunca mais voltariam a ser as mesmas. “Como se essa tendência só pudesse ir numa direção“, explica Vernelli.
Antes tido com um estilo de vida praticado por poucos, o veganismo parece estar ocupando um lugar cada vez maior na cultura mainstream ocidental.
O Veganuary, uma organização sem fins lucrativos do Reino Unido onde Vernelli trabalha – e que batiza uma campanha de mesmo nome realizada nos meses de janeiro para promover a dieta –, viu o número de adeptos da iniciativa aumentarem significativamente, com mais de 700 mil pessoas inscritas em todo os países do mundo (exceto da Coreia do Norte).
A Alemanha, onde o número de veganos quase dobrou desde 2016, lidera as pesquisas globais feitas no Google sobre veganismo. Logo atrás vêm Reino Unido e Áustria.
Essa crescente demanda fez do veganismo uma indústria bilionária em expansão, com influenciadores veganos prontos para promover receitas e o estilo de vida.
Preocupação com mudanças climáticas
Que o veganismo esteja em alta é algo que a porta-voz britânica da The Vegan Society, Maisie Stedman, atribui principalmente ao noticiário sobre o impacto ambiental do consumo de carne e laticínios. “Acho que isso causou uma mudança real na mentalidade das pessoas, porque estamos vendo muito mais os impactos da crise climática na vida real.”
Dietas veganas geram 75% menos emissões de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento do planeta e significativamente menos poluição da água e destruição da vida selvagem, de acordo com um artigo científico publicado em 2023 na revista Nature Food.
Alimentos como frutas, vegetais, leguminosas e grãos demandam menos energia, solo e água do que produtos de origem animal. A produção de carne envolve grandes áreas de pastagens, que muitas vezes resultam da derrubada de florestas. Animais, como vacas e ovelhas, também produzem metano durante a digestão, e a ração que os alimenta é fertilizada com substâncias que emitem óxido nitroso – dois gases potentes do efeito estufa.
Quebrando estereótipos
Mas, segundo ativistas, a popularização crescente do veganismo também trouxe à tona estereótipos – tanto antigos quanto novos.
Vernelli explica que, para tentar enfrentar o arquétipo clássico do vegano pregador e julgador, o Veganuary – ou Janeiro Vegano – baseia sua abordagem na aceitação da tentativa e do erro por parte do público, em vez de impor “essa perspectiva assustadora de se tornar vegano para sempre”.
Dentre os participantes da campanha de 2022, 25% disseram que poderiam manter o estilo de vida vegano; dentre os demais, quase metade declarou que reduziria significativamente o consumo de produtos de origem animal.
Segundo Stedman, da The Vegan Society, a iniciativa também ajudou a desmistificar a ideia de que o veganismo é caro e a fazer as pessoas entenderem como se alimentar dentro da dieta.
Carne: questão de masculinidade?
Lidar com a ideia de que “carne é coisa de homem”, contudo, tem sido um desafio maior.
“Você é muito mais propenso a ser vegano se for mulher”, diz Stedman. “Achamos que isso tem a ver com os estereótipos existentes sobre o que significa ser homem e o que significa comer carne.”
Dos 1,3% da população do Reino Unido que se autodeclara vegana, quase 37% são homens, de acordo com a The Vegan Society.
A ideia de que carne é coisa de homem tem raízes culturais profundas e persistentes e está refletida em tudo: da cultura pop ao marketing de alimentos, passando, talvez, até mesmo pela própria linguagem – um estudo aponta que, em idiomas que flexionam os substantivos por gênero, palavras relacionadas à carne eram mais frequentemente masculinas.
“Acho que, onde quer que você viva no hemisfério Norte global, a carne é relacionada à masculinidade”, diz Isaias Hernandez, educador ambiental baseado nos EUA e mais conhecido na internet pela alcunha Queer Brown Vegan. “E isso reforça a mentalidade patriarcal de dominação da Terra.”
Como parte de seus esforços para alcançar mais homens, a The Vegan Society conduziu recentemente pesquisas sobre as atitudes deles em relação às dietas veganas. A conclusão: embora 41% dos homens não veganos no Reino Unido tenham manifestado interesse pelo veganismo, a principal barreira à adoção era o temor de serem estigmatizados socialmente ou ridicularizados por amigos e familiares – com o veganismo sendo frequentemente associado ao “feminino”.
O soy boy (garoto soja) é a encarnação mais recente desse estereótipo. O termo pejorativo para homens percebidos como fracos – e frequentemente usado online contra supostos esquerdistas – alude a uma hipótese não comprovada entre o consumo de produtos de soja e o aumento dos níveis de estrogênio.
Vernelli diz que documentários como The Game Changers, que mostrava atletas em dietas baseadas em plantas, ajudaram a desafiar a ideia de que não é possível ganhar músculos ou ser forte com uma dieta vegana.
Influenciadores veganos hipermasculinos, que promovem um estilo de vida baseado em plantas como sinônimo de saúde e boa forma, também aumentaram nos últimos anos, com a hashtag #veganmen no Instagram revelando um mosaico de bíceps e plantas.
Mas esse fenômeno não ajuda a promover um entendimento mais inclusivo do veganismo, critica Hernandez. “Os influenciadores veganos homens – a maioria brancos e heterossexuais – também reforçam mentalidades patriarcais. Eles combatem a masculinidade tóxica com masculinidade tóxica.”
No Brasil, um dos influenciadores que tentam combater esse estereótipo é o perfil Vegano Periférico, conduzido por dois irmãos gêmeos de Campinas (SP), com mais de 310 mil seguidores no Instagram.
O futuro do veganismo
Hernandez defende que o movimento precisa não apenas mudar as ideias em torno do gênero, mas ter educadores mais diversos e deixar de ser dominado por perspectivas brancas do Norte global. “Isso precisa mudar, porque veganos negros e indígenas sempre existiram aos montes.”
À medida que o veganismo se tornou mainstream, nossa compreensão dele se tornou muito materialista, argumenta Hernandez. “Há mais produtos veganos na prateleira.”
O antídoto para isso, segundo ele, é mais educação. Neste sentido, o influencer sugere ideias como a realização de um grupo de leitura para aprender sobre o impacto de nossos sistemas alimentares nas pessoas e no planeta, ou simplesmente ir além do que está nas prateleiras do supermercado e começar a adquirir alimentos em sua comunidade local.
Vernelli, do Veganuary, admite que ainda há um longo caminho para aumentar a aceitação do veganismo entre as pessoas – há previsões de que o consumo global de carne vá aumentar em 50% até 2050.
Ela diz que veganos podem até não ser a maioria daqui a dez anos, mas serão algo absolutamente comum. “Não será nem mesmo um problema. Vai ser como dizer a alguém: ‘não gosto de coentro’ ou ‘não gosto de picles’.”
Fonte: DW