“Juiz tem de julgar despido de suas convicções”, diz presidente eleita do TRF-3

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Por Rodrigo Haidar e Rafa Santos – Domingo, 2 de janeiro de 2022

Mesmo antes da pandemia, a Justiça Federal da 3ª Região vinha investindo em informatização, na otimização de procedimentos e no processo eletrônico. Com a restrição de circulação imposta pelo vírus que causa a Covid-19, o Poder Judiciário teve de expandir a atuação eletrônica e remota e se reinventar para continuar a prestar o serviço de levar justiça para quem bate à sua porta.

A informatização veio. Ainda assim, o acesso à Justiça ficou parcialmente limitado. O motivo é tão antigo quanto os processos em papel: o abismo social entre quem tem dinheiro e quem não tem. O Poder Judiciário está cada vez mais ao alcance de alguns cliques. Mas não é possível dar os cliques sem inclusão digital. E a cidadania digital ainda está longe do ideal.

Foi isso o que viu a desembargadora federal Marisa Santos nos dois anos em que ocupou o posto de corregedora regional da 3ª Região. Dois anos em que ela teve de enfrentar o desafio de fazer boa parte das habituais correições de maneira virtual, o que não a impediu de olhar a Justiça com os olhos de quem pretende aprimorá-la. Eleita presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região para o biênio 2022-2024, a magistrada falou sobre seus planos em entrevista à ConJur (assista no vídeo acima), na qual revelou uma visão bastante humanista do Direito.

De acordo com ela, muitos brasileiros tiveram e continuarão com dificuldades de acesso à Justiça porque lhes falta o básico acesso a redes. “Os brasileiros que não têm inclusão digital, saem prejudicados. Na prática, acesso à internet pode significar acesso à Justiça”, afirma a magistrada.

Na conversa, Marisa Santos contou sobre os desafios de implantar novos procedimentos no Judiciário, poder com uma cultura naturalmente resistente a mudanças. “Mas sempre foi assim”, segundo ela, é uma das frases mais ouvidas quando se fala em inovação. Tanto que em sua gestão na Corregedoria, internamente, foi criada uma sigla, espécie de chiste, para identificar as resistências: SFA, Sempre Foi Assim.

A desembargadora olha criticamente ao poder administrativo que nega a segurados do INSS aquilo que é seu por direito. E coloca na conta da Administração Pública parte do acúmulo de processos judiciais. “Se um serviço administrativo for bem prestado, não haverá a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário”, afirma. Marisa Santos diz que é enorme o número de requerimentos de benefícios previdenciários que aguardam decisões administrativas, quase dois milhões, e o INSS, não raro, descumpre o prazo legal de analisá-los em 45 dias.

Ela defende uma mudança de cultura também na administração, principalmente na visão de que, em princípio, o Estado sempre tem razão: “O órgão público tem acultura de indeferir o que se pede porque acredita que a razão, em regra, está com o Estado. Na questão previdenciária, não é isso que se vê. Quando a administração concede um benefício, não está fazendo um favor ao beneficiário. Ele pagou, contribuiu para isso”.

A nova presidente defende a regra que exige a comprovação de vacinação ou exame de PCR bastante recente para acesso aos prédios da Justiça Federal. “Você tem o direito de não tomar vacina, se não quiser. Mas você não tem o direito de colocar em risco a minha saúde. Quer ter o seu vírus de estimação, ok. Mas ele é seu. Não vai trazer ele para os outros.”

Para a desembargadora, a exercício da liberdade impõe limites. “É como fumar. Pode fumar, mas não pode fumar em espaços fechados. Ninguém é obrigado a ser fumante passivo”, diz. Marisa Santos se revelou favorável à ideia de impor uma quarentena eleitoral e para assumir cargos públicos a magistrados, para que se reduza a possibilidade de a toga ser usada em projetos políticos pessoais: “Na magistratura, isso é muito grave porque a magistratura tem de ser honrada sempre, até quando não estou mais em atividade. Eu vou me aposentar um dia, mas eu levo comigo o dever de honrar a instituição à qual pertenci”.

A magistrada ainda falou sobre a necessidade de o juiz saber se desvencilhar de suas ideologias para decidir as causas que lhe são submetidas e de atentar para as consequências de suas decisões. “Por exemplo, juízes têm de conhecer os presídios mesmo sem serem corregedores dos presídios. Quando o magistrado vai aplicar a lei, fixar o regime, tem de saber, na prática, o que aquilo significa, para onde aquela pessoa vai. Às vezes, tecnicamente, a sentença é perfeita. Mas, talvez, na prática aquela não seja a melhor decisão.”

De acordo com Marisa, o Judiciário jamais será uma home page. É composto por pessoas e tem de saber servir às pessoas. Por isso a necessidade, segundo ela, de juízes conhecerem as consequências práticas de suas decisões. Quando um juiz modifica a guarda dos filhos, será que sabe, na prática, o que isso significa? Quando decide sobre comunidades ribeirinhas, sabe como é beira de rio, comunidade de pescadores, como vivem os índios de determinada região? Experiência de vida, para ela, é tão importante quanto preparo técnico.

Fonte: Conjur

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