Coordenadora da Apib, Juliana Kerexu, comenta os impactos da tese, que vão muito além dos povos indígenas
Por Letycia Holanda
“Essa afronta toda não é só contra nós, povos indígenas, é contra os territórios, contra a natureza, contra as grandes florestas, esses biomas que estão ameaçados. É uma afronta ao direito de ter um futuro”, avalia Juliana Kerexu, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Cacique da aldeia Tekoa Takuaty, sobre as consequências do Marco Temporal, no sexto episódio da terceira temporada do podcast Três por Quatro.
Falando diretamente do ato contra o marco temporal, na Esplanada dos Ministérios, onde lideranças dos povos originários de todo o país também estão acampados protestando contra a violência e a insegurança jurídica em seus territórios, ela destaca que a defesa da demarcação das terras indígenas não prejudica o desenvolvimento do país.
“Em nenhum momento os povos indígenas falam contra o desenvolvimento de um território ou de um país, mas, sim, de repensar o que nossos atos e o desenvolvimento irresponsável estão gerando para o povo brasileiro e o mundo”, afirma.
A tese em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), e também tema do Projeto de Lei 490, de 2007, que tramita no Congresso Nacional, estabelece que os povos originários só podem reivindicar terras que ocupavam à época da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
O PL 490 também proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas. Entretanto, a retirada dos povos originários de suas terras não se trata apenas de uma questão territorial, mas sim econômica, pois favorece o agronegócio e o garimpo ilegal. Atualmente, somente 16% das Terras Indígenas estão demarcadas. Se aprovado, o Marco Temporal irá afetar mais de 200 povos indígenas.
João Pedro Stedile, liderança do MST e comentarista do podcast Três por Quatro, também falou sobre o tema, destacando a importância das terras indígenas para preservação das áreas florestais, declarando-se contra a tese do Marco Temporal.
“Nós temos uma dívida histórica com os povos indígenas, porque eles que conhecem, mais do que ninguém, os diferentes biomas do Brasil. E eles que nos ensinaram a proteger as árvores, eles que ensinaram que da árvore protege-se a água. Se você derruba a árvore, desaparece a água, fundamental para a agricultura, fundamental para a vida humana de todos os seres vivos do nosso planeta. Então, nós temos uma dívida de gratidão por conhecimento histórico que os povos indígenas deixaram como legado”, declara.
Juliana Kerexu destaca que a falta de representatividade indígena nas casas legislativas preocupa os povos originários. “Eu não vejo um indígena dentro do Congresso para falar sobre esse assunto. É um sentimento que parece que o coração tem dificuldade até para bater. Temos muita fé e força espiritual para acreditar que as coisas vão dar certo. Essa força faz com que nós, que estamos na linha de frente, levantemos. Esperar uma definição para darmos os próximos passos é muito difícil”.
O desfecho do julgamento no STF foi adiado, após pedido de vistas do ministro André Mendonça, com até setembro deste ano para analisar o tema e retomar o julgamento.
Stedile se mostra otimista quanto à resolução da tese do Marco Temporal no STF. E acredita que, da mesma forma, o PL 490, se aprovada no Senado, será vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele ainda aponta possíveis saídas caso o resultado seja contrário aos povos indígenas.
“Eu espero que os ministros do STF tenham vergonha na cara. Eles não vão rasgar a Constituição por pressão do agronegócio. Então, eu imagino que os povos indígenas e o povo brasileiro serão vitoriosos no STF. Mas se um desastre acontecer, porque são os mesmos que mandaram prender o Lula, nós teremos que apelar para Tribunais Internacionais”, afirma.
O podcast Três por Quatro é apresentado por Nara Lacerda e Igor Carvalho, que atuam na equipe de jornalismo do Brasil de Fato. Novos episódios são lançados toda sexta-feira pela manhã.
Edição: Rodrigo Gomes
Fonte: Brasil de Fato