Moradia e sono: a quem é permitido dormir melhor

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Por Gabriela Leite

Estudo recém-publicado revela: cidadãos de bairros segregados têm piores indicadores de sono, essencial para uma saúde digna. Medo da violência, falta de estrutura pública e de locais de convivência estão entre os motivos que fazem os mais pobres dormirem pior

A falta de capacidade de dormir bem, sonhar, lembrar e compartilhar está na origem de nossa crise socioambiental, defende o professor e neurocientista Sidarta Ribeiro. E embora o sono esteja escasso para pessoas de todas as origens, também há desigualdade no dormir. É o que mostra um estudo encabeçado por pesquisadores ligados ao Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde da Fiocruz. Eles buscaram descobrir se o local de moradia influencia na qualidade do sono da população. Suas análises e conclusões foram publicadas na edição mais recente da Cadernos de Saúde Pública, revista ligada à ENSP/Fiocruz, parceira editorial de Outra Saúde.

A conclusão principal é de que moradores de zonas residenciais segregadas têm, de fato, índices piores. Têm mais chance de dormir uma quantidade de tempo insuficiente, ter privação de sono e sonolência diurna. Os pesquisadores entrevistaram mais de 9,9 mil pessoas, servidoras públicas e aposentadas de seis capitais brasileiras, de estados do Nordeste, Sudeste e Sul. Definiram a “segregação residencial” com base nos indicadores de renda, tamanho da família e composição étnico-racial. 

O estudo menciona os riscos à saúde da falta de sono, “tal qual problemas cognitivos, psicossociais e cardiometabólicos, além de aumentar o risco de condições específicas como diabetes mellitus, doenças cardiovasculares e obesidade”. Segundo seus cálculos, há um dado preocupante que independe do local de moradia do cidadão: 49,6% de todos os entrevistados dormem menos de 6 horas por dia, uma duração considerada insuficiente. Os indivíduos que vivem em vizinhanças de alta segregação socioeconômica avaliados dormiram, em média, 14 minutos a menos que aqueles em baixa segregação.

Mas há outros indicadores relevantes para avaliar a qualidade do sono, que foram utilizados na pesquisa. Foram eles, além da duração do sono em horas: frequência das queixas de insônia, privação do sono (a discrepância entre as horas de sono dormidas e as necessárias para se recuperar) e sonolência diurna. Os pesquisadores avaliaram que tem problemas de sono o indivíduo que afirma resultados ruins em duas das quatro categorias.

É aí que se mostra a diferença social da qualidade do sono. Aqueles que vivem em bairros segregados têm maior prevalência de sono de curta duração: são 53,7%, ante os 49,6% entre o total de entrevistados. A desigualdade também é racial, pois entre os pretos, são 58,6% os que dormem menos de 6 horas. Os moradores de bairros com piores indicadores sociais também têm mais privação de sono (53,9% ante 41,1% nos bairros mais ricos) e sonolência diurna (48,3%, enquanto 40,6% dos mais abastados).

Embora não fosse o objetivo do estudo, os pesquisadores elencam alguns dos motivos para a desigualdade. O ambiente social é um deles: “o medo do crime e violência pode aumentar a ansiedade ou outros aspectos psicológicos, tendo potencial de levar à desregulação do sistema nervoso simpático, levar à hiperexcitação e vigilância e reduzir o tempo disponível para dormir”.

O ambiente físico onde vivem os cidadãos também influencia, enquanto “englobador da arquitetura e do planejamento da cidade como a conectividade das ruas, calçadas, áreas residenciais e comerciais, disponibilidade de alimentos saudáveis e espaços sociais”. Ele afeta a mobilidade urbana, a prática de atividade física e a coesão social – fatores importantes para melhorar o sono.

O estudo reforça a necessidade de pensar a reforma urbana das cidades para a diminuição da iniquidade urbana, tema sensível em época de campanha de eleições municipais. “Políticas públicas de saúde poderiam prover recursos para melhorar a saúde do sono nas populações mais vulneráveis, melhorar as condições ambientais de moradia, além de reduzirem as desigualdades socioeconômicas que são tão evidentes no Brasil”.

Fonte: Outra Saúde / Créditos: Arquivo/EBC

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