Locutor sofreu um AVC durante transmissão da final do último Paulistão; sua forma irreverente e particular de narrar atravessou gerações na TV
Uma das vozes mais marcantes da história do rádio e da TV brasileira se calou. O narrador Silvio Luiz, conhecido por sua rouquidão e profusão de bordões que atravessaram épocas, morreu nesta quinta-feira, 16, aos 89 anos, em São Paulo.
O dono do “acerte o seu aí, que eu arredondo o meu aqui”, “está valendo” e tantas outras frases marcantes teve um AVC (acidente vascular cerebral), no domingo, 7 de abril, na final do Paulistão, que teve a vitória do Palmeiras sobre o Santos.
O narrador da Record TV, que fazia a transmissão online para o canal R7, foi tirado do ar com a ajuda da produção e da equipe de primeiros socorros e levado ao hospital Oswaldo Cruz, na região central de São Paulo. Ele ficou internado desde a final do Paulistão até 30 de abril. Depois, em 8 de maio, foi internado novamente até a confirmação de seu falecimento.
Num espaço de menos de 24 horas, o futebol brasileiro perdeu três duas vozes mais divertidas: além de Silvio Luiz, morreram Antero Greco e Apolinho.
Na primeira internação, fez exames e depois foi encaminhado para a UTI, onde passou a se alimentar por sonda e respirar com ajuda mecânica. A informação foi divulgada ao grande público pelo também narrador Cleber Machado, no SBT, que dedicou a transmissão de uma partida da Champions League ao colega. A Record TV não havia divulgado nota do ocorrido apesar da imagem vazada ao vivo.
Nascido em São Paulo, descendente de espanhóis, Silvio deixa a mulher Márcia, intérprete de “Eu e a Brisa” e “Ronda”, e três filhos.
O humorista Carioca, com quem dividia transmissões na Record, foi um dos primeiros a homenageá-lo nas redes sociais.
A carreira de Silvio Luiz
Silvio morreu fazendo o que mais gostava. Logo na entrevista de “apresentação na antiga-nova casa”, em 2022, o narrador reforçou a sua paixão pelo microfone. “A Record tem um tamanho tão grande na minha vida que já nem sei [o que significa essa volta].”
Quatro décadas antes, na Copa do Mundo de 1982, o narrador teve um de seus momentos mais marcantes na empresa em que já havia atuado em todas as funções, de ator a diretor. Como forma de retaliação à exclusividade da Globo, propagandas em jornais e revistas da época sugeriam que se abaixasse o volume da TV e aumentasse o do rádio para ouvir a voz de Silvio Luiz.
A estratégia deu certo e PLACAR registrou a vitória de um personagem por vezes grosseiro e, ao mesmo tempo, muito carismático. “Sílvio Luís [então registrado com acento e “s”] consegue em São Paulo, nas transmissões de jogos pela TV Record, uma proeza que parecia impossível: enfrentar a poderosa Rede Globo de Televisão.”
“Portanto, fica claro que a Globo não está perdendo para a Record, mas, sim, para o seu narrador. Um narrador que foge completamente aos ‘padrões globais’ de bom gosto, objetividade e seriedade. Nos jogos da Seleção, como o da semana passada, xinga o juiz de ladrão, goza a falta de habilidade dos adversários, implica com o flamenguista Tita. Nos jogos normais, agride seu comentarista e até mesmo goza seu amigo e rival Luciano do Valle, imitando-lhe a formalidade na descrição dos lances”, relatava PLACAR.
Já consolidado no cenário esportivo, na TV e no rádio, o antigo árbitro, formado na Federação Paulista de Futebol, ex-locutor de telenovelas, na metade do século, Silvio era um dos destaques do Grupo Bandeirantes, na equipe de Luciano do Valle, entre as décadas de 1980 e 90. No SBT, depois no BandSports, na Rede TV, liderou transmissões e programas esportivos.
Em uma nova era nas transmissões, o inventor de “pelas barbas do profeta”, “pelo amor dos meus filhinhos”, “o que é que eu vou dizer lá em casa” emprestou a sua voz marcante para narrações de jogos de videogame e até de GPS. As novas mídias o aproximaram do público jovem, que também passou a repetir tantas frases irreverentes da carreira do profissional que nunca gritou “gol”, já que o telespectador estaria em tese olhando para a TV.
Como de costume, Silvio chegou cedo à emissora na Barra Funda, com carro da empresa, cerca de duas horas antes do jogo com início previsto para as 18h (de Brasília). Com uma mochila em um dos ombros, jaqueta e o boné da Record na cor preta, escondendo parte do rosto, uma de suas marcas nos últimos anos. Foi ao camarim, se alimentou com os itens separados pela produção, vestiu a roupa deixada pelo figurino e conversou com os companheiros de bancada.
Por volta da metade do primeiro tempo, Silvio começou a se sentir mal e ter dificuldade nos movimentos e mesmo na fala. A transmissão seguiu, mas já com os responsáveis pelo estúdio em alerta, preparados com uma enfermeira e bombeiros civis e em contato com a direção da empresa.
Próximo ao fim do jogo, quando a situação aparentemente se agrava, ele pergunta o tempo para o final, e Carioca, que ao longo da partida imitava habilidosamente o narrador, sinaliza que o titular não tem mais condições. Bola passa a comandar os comentários e recomenda “um ar” ao narrador.
Silvio saiu dali e foi direto ao hospital, que não divulgou boletins médicos sobre o seu estado de saúde e apenas confirmou a internação à imprensa. Dias depois, Silvio Luiz morreu na UTI.
Fonte: Placar / Silvio Luiz, narrador esportivo — Foto: Reprodução/Instagram