Mostra em Fortaleza homenageia obra e carreira de Boris Kossoy

cultura

Domingo, 23 de outubro de 2022

Até 20 de novembro, o público cearense poderá conhecer peças clássicas e obras inéditas do fotógrafo e professor da USP que há cinco décadas propõe novos olhares sobre a imagem

O fotógrafo e professor da USP Boris Kossoy – Foto: Maria Luiza Tucci Carneiro

O Museu da Fotografia Fortaleza (MFF), em Fortaleza, no Ceará, recebe, desde 20 de agosto até 20 de novembro, a mostra Estranhamento – Fotografias de Boris Kossoy. Durante os três meses em que a exposição — projetada especialmente para o museu — estiver em cartaz, o público cearense poderá conhecer minúcias da obra e da trajetória do fotógrafo e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Boris Kossoy, que conta com mais de cinco décadas de carreira. Ao todo, são 92 obras em exibição, selecionadas pelo curador Diógenes Moura dentre peças inéditas e fotografias já consagradas do artista. 

“Nunca é só uma imagem. Suas fotos são um reflexo do que ele é, de todo o repertório desse homem inteligente e com uma visão de mundo muito peculiar. Tudo o que Boris produz, tudo o que fala, fotografa ou escreve são reflexões dele. O resultado de suas palavras é a imagem, e a continuação dessa imagem é a palavra impressa. Então, é sempre uma coisa por dentro da outra”, enfatiza o curador no texto de divulgação da mostra, de autoria de Juliana Bomfim. 

Sem título, Nova York, 1971, obra da série New York – Foto: Boris Kossoy

Nascido em São Paulo, Boris Kossoy é também arquiteto e doutor em Ciências Sociais, mas foi na fotografia que, ainda jovem, encontrou o tema central de suas pesquisas acadêmicas. Kossoy buscava compreender o processo de captura da luz do ponto de vista teórico, histórico e artístico, e publicou obras de referência sobre o assunto — entre elas, Hercule Florence, a Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil (1977), livro que ganhou edições também no México, Espanha, Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos. Na publicação, o autor apresenta argumentos favoráveis à hipótese de que a descoberta da fotografia aconteceu, originalmente, no interior de São Paulo, e não na França, como ficou consagrado nos manuais de história da fotografia.

Seus trabalhos acadêmicos caminharam paralelamente a uma extensa carreira como fotógrafo. Obras de Kossoy podem ser encontradas nas coleções permanentes de espaços como o Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York, o Museu de Arte de São Paulo (Masp), a Bibliothèque Nationale, em Paris, e o Centro da la Imagen, na Cidade do México. Sua extensa contribuição ao patrimônio artístico mundial o levou a receber, em 1984, a condecoração Chevalier de l’ Ordre des Arts et des Lettres (“Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras”), do Ministério da Cultura francês. 

Brasília (DF), 1972, obra da série Cartões Anti-Postais – Foto: Boris Kossoy

Realismo fantástico

A estreia da mostra em Fortaleza coincide com o cinquentenário da publicação de Viagem pelo Fantástico, primeiro livro de Kossoy, considerado vanguardista no cenário artístico do século 20. Na obra, o professor cria narrativas fotográficas com apelo ao absurdo e ao fantasioso, subvertendo a lógica vigente na época, que definia a fotografia como uma representação fiel da realidade.

O livro — que estava esgotado desde a década de 1980 e ganhou nova edição em 2021 pela Editora Ipsis — foi considerado o precursor sul-americano do realismo fantástico na fotografia. Tal corrente artística chama a atenção para questões reais, que costumam passar despercebidas no dia a dia, através da representação de cenas imaginárias ou até mesmo mágicas. A fotografia, até então vista como um processo apenas documentário, ganha forma como expressão artística subjetiva.

Vinte fotos de Viagem pelo Fantástico estão expostas no MFF. As obras, em preto e branco, apresentam situações inusitadas: em O Maestro, feita na cidade de Caieiras, no interior de São Paulo, em 1970, um músico rege os túmulos de um cemitério. Já Surpresa na Estrada, também de 1970, mostra um arlequim parado em meio a uma via de Diadema, na região da Grande São Paulo.

Sem Título, Açores, Florianópolis (SC), 2019 - Foto: Boris Kossoy
Sem Título, Açores, Florianópolis (SC), 2019 – Foto: Boris Kossoy
Sem título, Nova York, 2011 - Foto: Boris Kossoy
Sem título, Nova York, 2011 – Foto: Boris Kossoy
Sem Título, Açores, Florianópolis (SC), 2019 - Foto: Boris Kossoy
Sem Título, Açores, Florianópolis (SC), 2019 – Foto: Boris Kossoy
Sem título, Nova York, 2011 - Foto: Boris Kossoy
Sem título, Nova York, 2011 – Foto: Boris Kossoy

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Surpresa na Estrada, Diadema (SP), 1969, obra da série Viagem pelo Fantástico – Foto: Boris Kossoy

O Maestro, Caieiras (SP), 1970, obra da série Viagem pelo Fantástico – Foto: Boris Kossoy

Embora planejadas, as cenas fantásticas fotografadas por Kossoy também possuem, a seu próprio modo, um caráter documental, uma vez que manifestam a opinião do artista quanto a questões políticas e sociais da época. Nos anos 60 e 70, enquanto o mundo vivia um período de contracultura, o Brasil enfrentava a ditadura militar (1964-1985), a que muitas das fotografias de Kossoy fazem alusão. 

A mostra em Fortaleza inclui ainda obras recentes do fotógrafo. A série Cartões Anti-Postais retrata a realidade brasileira através da comparação entre fotos atuais, produzidas por Kossoy durante a pandemia, e registros ufanistas do País divulgados pelo governo no período ditatorial. Já Doutor Peste, fotografia que abre a exposição, aborda o tema da pandemia de forma premonitória — produzida em 2019, a obra fantástica apresenta um homem vestindo uma máscara da Idade Média, utilizada por médicos em meio ao surto de peste bubônica que assolou a Europa no século 14.

Dr. Peste, Açores, Florianópolis (SC), 2019 – Foto: Boris Kossoy

Fonte: Jornal USP

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