O futuro das relações do trabalho nas mãos dos ministros do STF

Brasil justiça

Giselle Souza

Capa da nova edição do Anuário da Justiça Direito Empresarial

A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a contratação de pessoas jurídicas para a prestação de serviços em áreas diversas da economia é aguardada com expectativa pelas empresas que atuam no Brasil. Mais conhecida como pejotização, a prática é tratada no Tema 1.389, com repercussão geral.

Uma audiência pública para ouvir especialistas foi convocada pelo relator do caso, ministro Gilmar Mendes, para o dia 6 de outubro. Na sequência, deverá ser marcado o julgamento, que definirá três pontos centrais: se a contratação de PJs é ou não válida; se a competência para julgar eventuais fraudes é da Justiça do Trabalho ou da Justiça Cível; e a quem cabe o ônus da prova — se ao trabalhador ou ao empregador. Em embargos de declaração, Mendes esclareceu que a suspensão não vale para ações que discutem a existência de vínculo trabalhista de trabalhadores de aplicativos, tema que será julgado em outro processo, de relatoria do ministro Edson Fachin.

O tema chegou ao STF depois que o Tribunal Superior do Trabalho deixou de reconhecer o vínculo de emprego entre um corretor e uma seguradora com a qual tinha um contrato de franquia. Em abril de 2025, Gilmar Mendes determinou a suspensão de todas as ações em tramitação no país que questionem a contratação de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica até a palavra final do Supremo. Para o ministro, a quantidade de reclamações que chegam à corte contra decisões dos tribunais do Trabalho acerca do tema evidencia o cenário atual de insegurança jurídica.

Em 2024, um terço das 10.131 reclamações que chegaram ao STF foram trabalhistas — um total de 3.481, aumento de mais de 75% em um ano, reflexo das decisões do STF que reverteram sentenças e acórdãos da Justiça do Trabalho. Esse cenário fez com que Direito do Trabalho assumisse a liderança no ranking das reclamações, ultrapassando Direito Processual Civil. Nesse contexto, é possível medir as tendências dos ministros em matéria trabalhista.

Levantamento feito pelo Anuário da Justiça Brasil 2025 (clique aqui para ler) junto ao painel de estatísticas do STF mostra que Gilmar Mendes foi o ministro que mais votou pela procedência (total ou parcial) das 8,8 mil reclamações relacionadas a Direito do Trabalho na corte entre 2024 e 2025: 77%. Na sequência aparecem André Mendonça (74%); Fux (71%); Cármen Lúcia (69%); Zanin (66%); Alexandre (63%); e Nunes Marques (59%). Na outra ponta, estão Flávio Dino (36%) e Edson Fachin (13%).

O julgamento sobre a pejotização terá grande impacto. Apenas para se ter uma ideia, em 2020, a Justiça do Trabalho havia recebido 166 mil novas ações de reconhecimento de vínculo de emprego. Em 2024, o número saltou para 443,1 mil — um aumento de 165,9% em quatro anos, de acordo com dados do DataJud, base de dados do Conselho Nacional de Justiça. Na avaliação de especialistas, o aumento do número de pedidos pode ser reflexo da crescente pejotização no país.

Para o advogado Rafael Caetano de Oliveira, sócio do escritório Mattos Filho, a relevância do julgamento está no fato de que o STF vem, há alguns anos, sinalizando a abertura para novas formas de trabalho ao declarar lícita qualquer forma de terceirização. Essa validação, na sua opinião, acabou sendo usada por empresas para sustentar a legalidade da pejotização.

A decisão sobre a terceirização foi tomada pelo STF em 2018 (ADPF 324 e o RE 958.252). Na ocasião, os ministros aprovaram a tese de ser “lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. Com isso, a corte declarou a inconstitucionalidade da Súmula 331 do TST e fixou ser possível a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja de atividade-meio ou de atividade-fim.

“Quando as empresas viram a discussão sobre a validade de novas formas de contratação, ainda que no âmbito da terceirização, passaram a usar esse argumento também na pejotização, no sentido de que o próprio Supremo estaria validando outras formas de contratação que não o vínculo de emprego propriamente dito”, afirmou ao Anuário da Justiça.

O julgamento desperta receio de esvaziamento da Justiça do Trabalho, caso a competência seja deslocada para a Cível. Para Oliveira, essa leitura é exagerada: “A maioria das discussões [na Justiça do Trabalho] é de pagamento de verba, hora extra, questões do dia a dia, o que demonstra que o grosso não é necessariamente essa discussão [pejotização]. Então, talvez não seja uma verdade absoluta que haverá um esvaziamento da Justiça do Trabalho com essa alteração de competência. Muito pelo contrário, acho que ela vai continuar com um papel relevante na discussão de direitos sociais e direitos trabalhistas”, destacou.

As empresas veem no julgamento uma oportunidade de maior segurança. “Isso vai criar tranquilidade para contratarem, em determinadas situações, uma pessoa jurídica”, avaliou Fábio Monteiro, do Pellegrina & Monteiro Advogados, em entrevista ao Anuário.

Para o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Bruno Freire e Silva, o debate mostra que o Direito do Trabalho precisa se adaptar ao contexto atual. Hoje é comum haver trabalhadores empregados e terceirizados com a mesma posição, e as empresas não podem tratá-los de forma diferenciada. A decisão do STF contribui para preencher esse tipo de lacuna.

“Sustento que hoje, com os precedentes do STF, a gente precisa rever essa posição no sentido de que a empresa tomadora deva ter a possibilidade de ter uma gestão também sobre esse terceirizado. O mesmo em relação à pejotização, que deve envolver um trabalhador hiperssuficiente, com condições de negociar com a empresa e entender que aquela situação é melhor para ele”, disse.

No evento “O Trabalho na Era das Transições Digital, Climática e Demográfica”, promovido em agosto de 2025 pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o então presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, resumiu o espírito da discussão. Inspirado em Darwin, destacou: “A palavra-chave do futuro do Direito do Trabalho e do trabalho em si é a adaptabilidade. Na evolução das espécies, não prevaleceram os mais fortes; prevaleceram os que conseguiram se adaptar à natureza e às novas realidades.”

Ao citar motoristas e entregadores de aplicativo, bem como profissões de escritório que hoje recorrem a contratos mais flexíveis, como a pejotização, Barroso alertou que não há soluções mágicas. “O mundo é feito de quem empreende e de quem trabalha para empreendedores. A gente tem de acertar o ponto de equilíbrio, para fazer com que a vida seja boa para todos.”

Mudanças profundas estão acontecendo no mercado de trabalho em todo o mundo enquanto acontece o julgamento no Supremo. O Brasil criou 166,6 mil empregos com carteira assinada em junho, segundo o Novo Caged do Ministério do Trabalho e do Emprego. Além disso, atingiu taxa de 5,8% de desemprego no segundo trimestre deste ano, a menor da série histórica iniciada em 2012, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas os números da pejotização também impressionam. Em dois anos, 4,8 milhões de trabalhadores celetistas demitidos retornaram ao mercado como PJ, segundo o Ministério do Trabalho. Com isso, deixaram de ser pagos R$ 61,4 bilhões ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e R$ 24,2 bilhões ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Pesquisa Datafolha mostrou, por sua vez, que 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria, ante 39% que se sentem mais seguros com vínculo formal. E o valor da CLT perdeu espaço: de 2022 para cá, caiu de 77% para 67% o número dos que aceitariam ganhar menos para ter carteira assinada.

Um estudo da Escola de Administração de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, divulgado pela Folha de S. Paulo, mostrou que trabalhadores mais escolarizados chegam a receber o dobro como PJs em relação a seus equivalentes com carteira.

Fonte: Conjur /  Crédito: Marcello Casal Jr / Agência Brasil



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