Os significados de retomar a Hemobrás

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Ministério da Saúde relança a fábrica brasileira de hemoderivados, revaloriza rede de hemocentros e enfrenta proposta de comercializar sangue humano. É nova resposta concreta aos apetites fisiológicos que tentam cercá-lo

Mesmo acossado pela pequena política, e sua sanha por cargos e verbas, o ministério da Saúde segue a se mostrar o mais produtivo do novo governo Lula. Nesta quarta, 14/6, o início da Campanha de Doação de Sangue 2023, serviu para anunciar outra iniciativa importante: a retomada da Hemobrás, estatal criada em 2004 dedicada a garantir estoques de sangue e medicamentos derivados do plasma humano.

O relançamento da empresa, mais uma vítima do desmonte do Estado a partir de 2016, desafia e desconstrói uma das mais polêmicas propostas que passou pelo Congresso este ano: a comercialização de sangue e seus derivados, uma prática comum no Brasil dos anos 1980. A venda a estoques privados era permitida até a Constituição de 1988, que consagrou o monopólio do Estado e foi decisiva para enfrentar a epidemia de aids.

“O sangue é muito importante para tratamentos de inúmeras doenças. Devemos usá-lo de forma racional e adequada. O Brasil está dentro dos padrões da OMS, que recomenda de 1% a 3% da população como doadora. O país tem uma taxa estável de doação, que até na pandemia se manteve: 1,4% da população é doadora regular”, falou Joice Aragão, coordenadora geral de sangue e hemoderivados da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do ministério, a Saes.

Ao abrir a Campanha de Doação de Sangue, o secretário da SAES, Helvécio Magalhães, deu recados claros aos setores que pretendem criar um “mercado do sangue”, por meio da PEC 10/2022, apresentada pelo deputado Nelsinho Trad (PSD/MS) e já repudiada pelo ministério da Saúde. “Falar de sangue tem a ver com a fundação do SUS. A mesma movimentação que o criou conseguiu inscrever na Constituição Federal seus princípios e diretrizes. A comercialização foi vedada, e isso deu origem à segurança das transfusões de sangue no Brasil”, lembrou.

A nova campanha de doação traz uma das primeiras novidades da reorganização do chamado Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS). A ministra Nísia decidiu retomar o apoio público à Hemorrede, abandonada nos governos anteriores. “São mais de 2 mil centros de hemoterapia pelo Brasil. Cada doação salva pelo menos 4 pessoas e é neste tipo de trabalho que estamos empenhados, de garantir sangue e plasma seguros”, anunciou Joice Aragão. A retomada da Hemobrás, cuja fábrica em Goiana (PE) será responsável por toda a produção de hemoderivados no país, faz parte deste esforço.

A nova política de sangue brasileira visa ativar centros produtivos já instalados no país. “Os hemocentros requerem tecnologia, segurança, equipes de trabalho, da qualificação nacional da Hemorrede, para garantir não só a segurança, mas também o plasma, que resulta do fracionamento do sangue e é levado à indústria para a produção de hemoderivados. E toda doação passa pelo teste NAT (teste de ácido nucleico), desenvolvido por Biomanguinhos (laboratório da Fiocruz)”, contou a coordenadora. O teste NAT é um método mais rápido de análise molecular de sangue e visa auferir se está contaminado por algum vírus, para a segurança do processo de doação.

Ciente do que se passa nos bastidores, Helvécio Magalhães deu pequenos tapas com luva de pelica nos interesses fisiológicos que parecem rondar ministério da Saúde. “É um ato singelo da nova gestão, mas retoma algo abandonado nos últimos tempos. Reafirmar que a ciência, a saúde pública e o primado do cuidado sobre todos os interesses estão de volta”.
Quanto às doações de sangue, o secretário disse que, após anos de abandono, o país está “perigosamente perto de estoques muito baixos. Basta um acidente de massa numa rodovia para desequilibrar completamente a oferta e a demanda”. Por sua vez, Joice Aragão reforçou a necessidade de manter o caráter não comercial das doações.

No momento em que a mídia de mercado repercute de forma acrítica as chantagens do presidente da Câmara, Arthur Lira, em boa parte sabotadoras de políticas de saúde, o ministério parece disposto a reforçar seu protagonismo não só na promoção do direito à saúde, mas também como indutor de desenvolvimento econômico e social.

Fonte: Outra Saúde

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