Pressão emocional e mudanças repentinas na pandemia trouxeram altos níveis de fadiga a pós-graduandos

Brasil Ciências saúde

Pesquisa aponta pressão para se adaptar às modificações nas rotinas acadêmicas associadas a restrições sociais e familiares impostas pela covid-19 como causa de fadiga na pós-graduação

Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Carolina Borin* – Domingo, 7 de janeiro de 2024

Estudantes de pós-graduação brasileiros matriculados em instituições públicas e privadas foram bastante afetados emocionalmente na pandemia, apresentando níveis significativos de fadiga, condição que pode comprometer a concentração, o desempenho e o aprendizado acadêmico. As causas identificadas por uma pesquisa da Escola de Enfermagem (EE) da USP passam pela pressão emocional que estes alunos tiveram que vivenciar para se adaptar às mudanças na rotina das atividades acadêmicas – o fechamento de laboratórios, a necessidade de alteração no cronograma de pesquisa, alteração no formato de ensino, passando do presencial para o online – associada aos reflexos das restrições sociais e familiares impostas pela covid-19. O estudo também mostrou que aqueles que melhor ajustaram suas expectativas entre a formação que idealizaram e o que foi possível durante a pandemia foram mais resilientes e apresentaram menor sofrimento emocional nesse período.

O estudo envolveu 3.331 pós-graduandos de ambos os sexos, com idade entre 21 e 70 anos de todos os estados do Brasil, e utilizou como parâmetro para avaliar a alteração emocional desse grupo a presença de “fadiga” e de “resiliência” e a associação desses constructos emocionais com fatores sociodemográficos e acadêmicos.

Com relação à fadiga, as pós-graduandas do sexo feminino foram as mais afetadas, sendo encontrado nelas maiores níveis de fadiga, o que pode estar relacionado às jornadas múltiplas exercidas pelas mulheres, incluindo as demandas domésticas e familiares e a necessidade de continuidade de suas atribuições acadêmicas, explica a orientadora da pesquisa, a enfermeira Ana Lucia Siqueira Costa Calache, professora do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da EE. “Somado a estas demandas, as mulheres têm maior facilidade para expressão dos próprios sentimentos, o que refletiu na intensidade das respostas da pesquisa”, avalia. Já os alunos do norte do País foram os que apresentaram melhores níveis de resiliência, demonstrando que eles souberam lidar melhor com as mudanças acadêmicas, apesar de todas as adversidades presentes no período pandêmico”, diz.

Ana Lucia Siqueira Costa Calache – Foto: arquivo pessoal

Conceitos

Segundo a pesquisadora, a fadiga é um fenômeno universal que pode ser vivenciado por indivíduos saudáveis ou doentes. Possui causas multifatoriais que envolvem aspectos físicos, cognitivos e emocionais. “A pessoa que sofre de fadiga tem uma sensação contínua de cansaço (exaustão) e de falta de energia, apresenta muitas vezes diminuição do autocuidado, baixo nível de concentração e de memória, falta de interesse e motivação em atividades diárias, irritabilidade, frustração e angústia”.

“A fadiga é um dos elementos de avaliação de saúde mental, sendo esperado em indivíduos em equilíbrio valores próximos a zero, explica Rafael Rodrigo da Silva Pimentel, doutorando do Programa de Pós-graduação em Gerenciamento em Enfermagem, do Departamento de Orientação Profissional da EE. Em nosso estudo os valores gerais e para todos os fatores sociodemográficos e acadêmicos investigados, tiveram um resultado moderado [valores médios entre 3-6], o que emite um sinal de alerta para que medidas que visem atenuar a fadiga sejam implementadas”.

Sobre resiliência, Ana Lucia Calache explica se tratar de uma capacidade individual que permite melhor condução das situações adversas, estressoras e/ou traumáticas. É considerada como sendo a capacidade de compreensão e de mobilização de recursos cognitivos, biológicos e interpessoais para superação de problemas. “Pessoas mais resilientes têm maior capacidade de enfrentamento de situações de crise e de superação destas situações com menor prejuízo emocional e físico”, diz.

Avaliação de fadiga e resiliência

A coleta de dados foi online, por meio da divulgação de convite para participação na pesquisa pelas plataformas Facebook e LinkedIn, enviado a 4.648 programas de pós-graduação de mestrado e doutorado em todo o Brasil.

A fadiga foi avaliada por meio de duas ferramentas, a Escala Revisada de Fadiga de Piper (PFS-revisada), composta de 22 itens que analisam a condição emocional de forma multidimensional (comportamental, afetiva e sensorial) e cinco questões com possibilidade de descrição de sintomas. Cada item recebe uma pontuação que vai de zero a dez conforme a variação de intensidade, sendo que o escore total maior que quatro indica a presença de fadiga. Também foi utilizada a Escala Visual Analógica de Fadiga (VAFS) que contém uma linha horizontal de 0 a 10 cm onde são registrados os níveis de fadiga, sendo fadiga leve para valores médios (1–2); moderada(3–6) e intensa (7–10).

Rafael Rodrigo da Silva Pimentel – Foto: arquivo pessoal

A resiliência foi medida pela Escala de Resiliência de Wagnild e Young que avalia dois fatores, a competência pessoal e aceitação de si mesmo e da vida. A escala é composta de 25 itens, com variação de intensidade de 1 a 7. O escore total varia de 25 a 175 e quanto maior a pontuação mais elevada é a resiliência do indivíduo, de maneira que um resultado abaixo dos 121 é considerado como “reduzida resiliência”; entre 121 e 145, como “resiliência moderada”; e acima dos 145, “resiliência elevada”, explica o pesquisador.

Perfil dos estudantes

Dos 5.492 formulários acessados, 3.331 (61%) responderam integralmente à pesquisa. A idade dos participantes variou de 21 a 70 anos, com média de 32,4 anos. A maioria dos estudantes era do sexo feminino (70%); com companheiro (62%); sem filhos (79%); residia na região Sudeste do Brasil (50 %). Cerca de 22% do total de estudantes do sexo feminino tinha filhos. A renda variou de um a dois salários mínimos (48%), sendo que muitos recebiam algum tipo de bolsa (49%), porém a maioria não recebeu renda adicional durante a pandemia (83%). Cerca de 50% relataram renda insuficiente para o próprio sustento. Contudo, 59% considerou que não houve impacto covid-19 na renda.

O maior número de alunos era de cursos de mestrado (51%), de universidades públicas (92%) e da área de ciências da saúde (23%). 84% dos estudantes relataram que houve impacto no cronograma da pesquisa durante o período pandêmico, sendo que as fases de coleta e análise de dados (54%) as que mais sofreram com as restrições sanitárias da pandemia.

Fadiga

A pesquisa confirmou que houve associação entre as médias de fadiga e resiliência e fatores sociodemográficos e acadêmicos dos alunos de pós-graduação e que eles foram afetados principalmente na esfera comportamental, ou seja, relacionada com a capacidade funcional, o que inclui as questões pessoais, atividades pessoais e relacionamento sexual. Além disso, os resultados mostraram que indivíduos mais resilientes apresentaram redução de fadiga.

Os que apresentaram maiores médias de fadiga foram os estudantes de universidades públicas, sobretudo da área de Ciências Agrárias que dependiam de laboratórios para realizar suas atividades de pesquisa; as mulheres; os indivíduos sem filhos; os mais jovens; os que possuíam renda entre um e dois salários mínimos; eram dependentes de recursos financeiros da família e aqueles que tiverem a renda e os cronogramas de pesquisa afetados pela pandemia.

Segundo Ana Lucia Calache, a perda de recursos financeiros dos estudantes, mesmo os bolsistas, assim como de seus familiares, contribuiu para que apresentassem maiores médias de fadiga durante o período pandêmico. “Acredita-se que as demandas da produção científica, as exigências para manutenção dos programas de pós-graduação, assim como a produção individual, levaram a maiores médias de fadiga entre os estudantes de escolas públicas”, diz.

Distribuição da pontuação média de fadiga entre os pós-graduandos. As cores mais escuras representam níveis mais elevados de fadiga, segunda a escala Revisada de fadiga de Piper (FFS) e a Escala Visual Analógica (VAS) – Imagem: Reprodução/Artigo “Fatigue and resilience in Master’s and PhD students in the Covid-19 pandemic in Brazil: A cross-sectional study”

Resiliência

De maneira geral, os estudantes que apresentaram maiores níveis de resiliência foram aqueles da região norte do Brasil (com destaque para Roraima, Acre e Tocantins); tinham filhos; eram mais velhos; possuíam renda média de pelo menos cinco salários mínimos, eram aposentados ou independentes financeiramente; estavam matriculados em universidades privadas, sendo a maioria em cursos da área de ciências da saúde e não sofreram mudanças no cronograma de suas pesquisas.

Os menores escores de resiliência estiveram associados com as questões de gênero (ser mulher), sem companheiro, indivíduos sem filhos, estudantes de universidade pública, ter menor estabilidade financeira e aqueles que tiveram maior impacto no cronograma de pesquisa. Os principais fatores de adoecimento por fadiga estavam associados à preocupação com a própria saúde e a de entes queridos, a dificuldade de concentração, às mudanças de padrões de sono e a redução de interações sociais, relata o estudo.

Distribuição da pontuação média de resiliência entre os pós-graduandos. As cores mais escuras representam níveis mais elevados de resiliência, segundo a Escala de Resiliência de Wagnild e Young – Imagem: Reprodução/Artigo “Fatigue and resilience in Master’s and PhD students in the Covid-19 pandemic in Brazil: A cross-sectional study”

Fadiga e resiliência por fatores sociodemográficos

Considerando fatores sociodemográficos, a pesquisa mostrou que os estudantes de universidades privadas que não sofreram impacto no cronograma de pesquisa apresentaram comportamentos mais resilientes. Os matriculados em universidades públicas e os que tiveram o cronograma de pesquisa afetado apresentaram maiores níveis de fadiga.

Na área de Ciências da Saúde, os estudantes que estavam em fase de realização de disciplinas apresentaram menor escore de fadiga. De maneira inversa, aqueles que estavam em fase final de redação da dissertação ou tese e os alunos de ciências agrárias apresentaram maior nível de fadiga. Não houve impacto estatístico significativo para fadiga nas seguintes variáveis: renda complementar na pandemia, estado civil, curso e nota da pós-graduação.

Para Pimentel, estes resultados mostram a importância de se desenvolverem programas de atenção aos estudantes, especialmente em situações críticas como as vivenciadas durante o período pandêmico. Segundo o pesquisador, algumas estratégias para melhorar a resiliência são: abordagens psicoterapêuticas; treinamento em resiliência; workshops baseados em mindfulness; e intervenção em grupo. Para atenuar a fadiga, ele destaca a prática de exercícios físicos; reuniões com amigos; manter contato com familiares, amigos e professores; e estabelecer técnicas de autoajuda, como meditação, relaxamento, ouvir música.

Os resultados dessa pesquisa estão descritos no artigo Fadiga e resiliência em estudantes de mestrado e doutorado na pandemia de Covid-19 no Brasil: um estudo transversal, publicado na Plos One.  Além da professora Ana Lucia Siqueira Costa Calache e de Rafael Rodrigo da Silva Pimentel, o artigo foi assinado pelos pesquisadores Izabel Alves das Chagas Valóta, Ana Paula Neroni Stina Saura, Rodrigo Marques da Silva e Marcelo José dos Santos.

Mais informações: com Ana Lucia Siqueira Costa Calache, e-mail anascosta@usp.br; Rafael Rodrigo da Silva Pimentel, e-mail rafaelpimentel@usp.br; e Izabel Alves das Chagas Valóta, e-mail izabel.chagas@usp.br

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

Fonte: USP

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