Profissionais de educação criticam possível retorno de aulas na pandemia

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Por Wendel de Novais – Professores e gestores de educação condenaram um possível retorno às aulas das redes públicas de ensino estadual e municipal. Em audiência pública virtual, que aconteceu nesta quinta-feira (13), os profissionais apontaram incoerência da administração pública na defesa de um retorno da rede de educação antes de um tratamento comprovadamente eficaz. A volta, que deve acontecer em setembro,  já é dada como certa pelo governo estadual e pela rede municipal de Salvador, que só não definiram o dia do retorno.

Cinco meses após a chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil, Salvador e todo estado da Bahia se encontram em um momento de readequação e reabertura dos estabelecimentos. No estado, o transporte intermunicipal entre cidades com até 100 km de distância do território soteropolitano está liberado. Na capital baiana, shoppings, restaurantes, academias, bares e muitos outros pontos comerciais estão autorizados a funcionar. Nos dois casos, o retorno volta com adaptações que diminuam a possibilidade de transmissão do novo coronavírus entre os cidadãos.

Dentro de uma realidade de reabertura, a possibilidade de retorno do funcionalismo educativo das redes municipal e estadual, antes dado como improvável em 2020, já é quase uma realidade. A volta às salas de aula é desaprovada pelos profissionais de educação, que participaram da audiência pública, que foi transmitida pela TV Rádio Câmara, no Facebook, e questionaram o que chamaram de uma “decisão precoce” do governador Rui Costa e do prefeito de Salvador, ACM Neto. Alguns profissionais, visivelmente emocionados, condenaram veementemente a atitude dos políticos. 

Retorno perigoso

Foi o caso de Silvana Leal, gestora da rede municipal de educação, que fez críticas à elaboração de um projeto de retorno presencial. “Estão dispostos a colocar as crianças e nós, profissionais da rede de educação, numa zona de risco em nome de um proselitismo político. Independente do  discurso, a essência é a mesma. Um mais austero e outro mais habilidoso, mas ambos nefastos em relação a quem está diretamente relacionado a este retorno. Não é razoável que aconteça um retorno presencial das escolas em nenhum nível. Não se deve arriscar!”, declarou. 

A Secretaria de Saúde do Governo do Estado (SEC) garantiu que volta será feita de maneira segura com execução de rígida do protocolo de segurança. “As aulas só serão retomadas em condições de segurança, a partir da indicação das autoridades de Saúde do Governo do Estado, no tempo adequado e seguindo os protocolos de segurança”, respondeu ao CORREIO.

Cobrança por participação

Débora Porciúncula, professora e pesquisadora da Universidade Católica de Salvador, argumentou que não há possibilidade viável de um retorno presencial dos alunos e profissionais de educação para o ambiente escolar sem uma vacina que garanta a segurança de todos envolvidos neste processo e pediu que os professores sejam ouvidos. “Não há uma perspectiva de quando vamos superar esta pandemia com um tratamento de eficácia garantida. Sem isso, não se pode pensar em um retorno presencial. Ainda temos muitas incertezas. É consenso entre os que pesquisam que a sociedade viverá momentos de afastamento e momentos de tentativa do retorno sem sucesso. Vamos colocar as crianças do ensino público para correr esse risco? Precisamos de uma rede pública que dialogue com a sociedade e considere o perigo dessa possível volta”, afirmou.

O anseio por voz ativa no processo de decisão sobre a volta é comum entre os participantes da discussão. Todos manifestaram interesse em dialogar com a administração pública sobre a reabertura dos colégios públicos. Especialmente Cíntia Crusoé Guanaes, promotora do Ministério Público da Bahia (MP-BA), que reivindicou essa participação dos profissionais que estão no dia a dia escolar na construção de um plano e afirmou que o MP está atento ao desenrolar da situação. “Todo mundo precisa ser ouvido. Não vemos nenhuma dica de como vai ser esse retorno. A meu ver, não há a possibilidade de fazer esse retorno sem a opinião dos profissionais que vivem o dia a dia escolar e são as pessoas que mais conhecem a realidade das instituições de ensino público. Esse planejamento para volta precisa ter várias vozes. Muita gente pode contribuir e isso não pode ser ignorado pelos condutores desse retorno”, defendeu.

Sobre isso, a SEC declarou que a construção do plano de volta é feita a partir do diálogo e da colaboração de diversas instituições e associações ligadas à educação.  “Os protocolos das sanitárias, de infraestrutura e pedagógica, e o calendário de retorno às aulas estão sendo debatidos com entidades e instituições pertinentes, como UPB, UNDIME, UNCME,  APLB Sindicato, SINEPE, SINPRO, Conselho Estadual de Educação do Estado da Bahia, Fórum Estadual da Educação, Fórum de Gestores e universidades públicas e privadas, além de representações estudantis, seguindo a prática do diálogo, da colaboração e da construção coletiva”, informou ao CORREIO.

A Secretaria Municipal da Educação (Smed)  também declarou que o protocolo de retorno das escolas de Salvador está sendo construído “Toda discussão acerca do retorno às aulas está ocorrendo ouvindo o sindicato dos professores, bem como os gestores e o Conselho Municipal da Educação. É um trabalho baseado no diálogo aberto e democrático e também nas orientações da Saúde. É importante ressaltar que não há data definitiva para a retomada das aulas presenciais. E que isso só ocorrerá com toda segurança necessária a alunos, professores, equipes de gestão, enfim, toda a comunidade escolar”, disse através de assessoria.
 

Protocolo

A SEC também revelou alguns dos cuidados que serão tomados na execução do protocolo. Segundo a secretaria, esses passos e outros que ainda estão sendo discutidos vão garantir a segurança dos envolvidos no retorno. “Como parte dos protocolos de segurança, o Governo da Bahia realiza testes rápidos para o novo coronavírus em estudantes, professores e funcionários de escolas estaduais. A testagem já aconteceu nos municípios de Ipiaú, Itajuípe, Uruçuca e está sendo realizada nos municípios de Jequié, Itabuna e Ilhéus. Nas escolas estaduais, o protocolo de infraestrutura está em fase final de execução, o que envolve a instalação de recipientes contendo álcool em gel, novas pias, e ventiladores”, explicou.

A infectologista Áurea Paste afirma que é compreensível que os profissionais de educação sintam medo por eles e pelos discentes. Para ela, é improvável que o governo consiga realizar o distanciamento em turmas que podem ter até 40 estudantes. “Essa quantidade comum de 30 a 40 alunos por turma nas escolas públicas preocupa quando se pensa em um retorno. Fico receosa quanto a isso porque as salas não tem estrutura para receber esse número de crianças e manter o distanciamento entre elas. Para oferecer o mínimo de segurança para a volta as turmas teriam que ficar com apenas 30% desse número”, contou.

Áurea também questiona a possibilidade de fazer com que crianças e adolescentes sigam os protocolos desenvolvidos para os manter seguros. “É difícil imaginar que você consiga fazer com que todos os alunos sigam as normas de maneira correta. As crianças e os jovens não têm muita noção da importância de seguir as recomendações de segurança. O ideal seria voltar e todos seguissem as recomendações muito a sério, com todas as medidas necessárias. Mas acho que, na prática, isso é muito difícil de ser realizado”, clarificou.

Se os testes, que já foram realizados em alunos e professores nos municípios de Ipiaú, Itajuípe e Uruçuca tiverem o resultado esperado em Jequié, Itabuna e Ilhéus, a expectativa é que as escolas sob batuta do Governo do Estado retornem já em setembro. 

Fonte: Correio da Bahia *Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro

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