Por Rafa Santos – Domingo, 4 de dezembro de 2022
A Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira (29/11) o Projeto de Lei 1.202/07, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que regulamenta a prática do lobby no Brasil.
A proposta tramitou na casa legislativa por 15 anos até ser aprovada, e agora segue para o Senado Federal. Entre outras inovações, o texto obriga agentes públicos e lobistas a informarem de modo transparente os seus encontros para, assim, reduzir-se o risco de tráfico de influência.
Estudiosos do assunto consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico enxergam na medida potencial para melhorar de maneira substancial o nível das relações entre o poder público e o setor privado no Brasil, embora façam a ressalva de que o texto aprovado pela Câmara tem algumas deficiências.
Valdir Simão, sócio do escritório Warde Advogados e ex-ministro chefe da Controladoria-Geral da União, um especialista em compliance, afirma que a novidade legislativa é importante para aumentar a transparência no poder público.
“O PL trata adequadamente o lobby do setor privado, mas também trata como lobby quando o próprio poder público vai ao Congresso defender algum projeto de lei. Isso é um acerto, e se o projeto for aprovado irá exigir uma adequação dos atores envolvidos e resultar em mais transparência.”
O ex-ministro também chama atenção para a atuação das entidades que interagem com o poder público em defesa de pautas específicas.
“O projeto é bastante rigoroso do ponto de vista sancionador tanto para a autoridade pública como para entidades privadas, inclusive com a suspensão de sua atuação. Essa regulamentação é importante para impedir que uma autoridade pública, imediatamente após sair do seu cargo, assuma a defesa de interesses privados junto ao poder público, criando uma regra de quarentena. É um projeto benéfico, que vai colaborar para o amadurecimento da relação entre o setor público e o privado para a formulação de políticas públicas.”
O projeto ganhou força durante o governo de Jair Bolsonaro por causa do interesse do país em ingressar na Organização de Comércio e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O texto aprovado é um substitutivo do deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) ao PL 1.202/2007. O primeiro parecer do relator, indicado no início do mês, foi apresentado no último dia 10.
Conrado Gontijo, criminalista e doutor em Direito Penal e Econômico pela Universidade de São Paulo (USP), é outro que vê com otimismo a aprovação da nova lei. “O lobby é instituto essencial em qualquer regime democrático e a inexistência de parâmetros claros para sua realização acaba por colocá-lo em uma zona obscura. Agora, com a possibilidade concreta de criação de uma lei para tratar do assunto, iniciamos uma caminhada para dar mais clareza à forma como os lobistas devem atuar e à forma como os membros da administração pública devem tratá-los”, disse ele, autor do livro “Lobby, estudo comparado e necessidade de regulamentação do instituto no ordenamento jurídico brasileiro” (Editora Marcial Pons Brasil).
Por sua vez, Rafael Paiva, advogado sócio do escritório Paiva e André Sociedade de Advogados, lembra que o lobby já é praticado no Brasil de maneira informal.
“O PL pode trazer mais transparência a uma prática que já é adotada no país. Sua grande qualidade é estabelecer de forma mais clara como se dá o exercício da atividade de representação, bem como os agentes que estariam autorizados a exercer essa prática.”
Na mesma linha, a advogada e presidente do Comitê de Regulamentação do Lobby do Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), Mariana Chaimovich, lembra que transparência significa não apenas ter acesso às agendas dos tomadores de decisões, mas também ter acesso aos estudos e outros materiais compartilhados pelos lobistas com esses agentes públicos.
“A ideia do lobby é compartilhar opiniões embasadas em evidências para que esses agentes façam as melhores escolhas possíveis — sejam elas para uma norma que será aplicada de maneira coerente com o cenário nacional ou local, seja para políticas públicas mais adequadas às necessidades de determinada população. Além disso, a regulamentação certamente servirá para desmistificar a caracterização dessa profissão como atividade ilegal.”
Lacunas no projeto
Apesar dos avanços, há problemas no projeto de lei, como fazem questão de ressaltar os especialistas. Gontijo, por exemplo, sustenta que o texto aprovado falha ao não instituir um sistema de credenciamento obrigatório dos representantes de interesses, ao não criar agências independentes para fiscalizar a atuação dos lobistas e ao não estabelecer tipos penais específicos para algumas hipóteses de condutas ilícitas praticadas no contexto do lobby.
Paiva, por sua vez, acredita que o ponto negativo mais latente é a punição relativamente branda aos lobistas que infringirem os seus limites de atuação.
Pedro Henrique Costódio Rodrigues, advogado especialista em Direito Administrativo e sócio do Costódio Rodrigues Advocacia, explica que o PL possui um rol taxativo (ou seja, limitado) de agentes públicos que podem ser fiscalizados, e eventualmente punidos, pela norma. Na sua opinião, o ideal serial que esse rol fosse exemplificativo, de modo a possibilitar que qualquer agente fosse alcançado pelo texto legal.
“É preciso atentar também para o que a lei trata como ‘hospitalidade’, ao passo que, de acordo com a norma, seria legítimo que o agente privado arcasse, em benefício do agente público, com despesas com transporte, alimentação, hospedagem, cursos, seminários, congressos, eventos e feiras com seus próprios recursos.”
Já Simone Mayara, sócia na Think Brasil Diplomacia Corporativa, argumenta que o excesso de regras pode travar a atuação e até criar reserva de mercado em uma atividade que é bastante técnica, mas também relacional. “Com o fim de prevenir atuação fora dos parâmetros éticos, (a lei) pode acabar por dificultar o florescimento de um mercado que inclusive colabora para o bom funcionamento da democracia.”
Portas giratórias
Um dos maiores acertos do PL, segundo os especialistas, é criar uma quarentena para que autoridades públicas migrem para o setor privado e atuem como lobistas em áreas relacionadas à sua antiga ocupação.
Gontijo explica que o conhecimento técnico é justamente um dos fatores que determinam o interesse da iniciativa privada em prospectar profissionais no setor público. “A depender da função exercida pelo agente público, a legislação prevê uma quarentena, mas não se trata de conduta ilegal.”
Daniel Gerber, advogado criminalista e sócio da banca Daniel Gerber Advogados, tem entendimento parecido. “Nada há de negativo na migração de agentes públicos para setores privados que usem, no exercício da profissão de lobista, o conhecimento adquirido junto ao Estado. Pelo contrário, eles saberão prestar seus serviços de maneira eficiente, eis que conhecedores das regras de atuação que devem nortear sua conduta.”
Por outro lado, Mariana Chaimovich lembra que, apesar da quarentena imposta pelo texto aprovado pela Câmara, a lei brasileira já dispõe de ferramentas para lidar com a prática chamada de “porta giratória”.
“Já existe a tipificação penal de tráfico de influência e acredito que esse tema pode continuar sendo tratado em legislações específicas, ao invés de integrar a regulamentação do lobby, que pode se preocupar em se ater a questões de transparência e ética na profissão.”
Fonte: Conjur