SAJ e Cruz das Almas estão entre as cidades que gastaram mais com São João este ano do que antes da pandemia; veja outros municípios

Bahia cidades

Cidades do interior da Bahia conhecidas pelas grandes festas de São João vão investir mais dinheiro nos eventos deste ano do que antes da pandemia, em meio às investigações envolvendo os cachês das grandes estrelas da música sertaneja. De dez municípios pesquisados pela reportagem, pelo menos seis gastarão mais do que em 2019 e, dessas seis, quatro  estão com situação de emergência decretada por conta das chuvas que causaram  devastação em dezembro passado. Amargosa, Jequié e Cruz das Almas são os municípios que mais aumentaram o investimento na festa junina, chegando a 7,5 vezes mais do que o empregado há três anos.

Amargosa, Cachoeira, Ibicuí e Jequié ainda estão em situação de emergência em decorrência da chuva.  A lista completa possui mais de 170 cidades e começou a ser formada desde dezembro do ano passado, quando tempestades atingiram especialmente as regiões sul, centro-sul e oeste da Bahia. O estado de emergência dura seis meses e permite que as cidades recebessem auxílio federal. 

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De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), os gastos, apenas este ano, com Amargosa (R$ 294,3 mil), Ibicuí (R$ 525,6 mil) e Jequié (R$ 233,5 mil) chegam a mais de um milhão de reais – R$ 1.053,40 – exatamente. Cachoeira não recebeu repasses. Os dados também não incluem as verbas liberadas no ano passado, quando  Amargosa sozinha chegou a receber um repasse de R$ 1,4 milhão. 

O São João de Amargosa vai custar R$ 4 milhões, segundo a prefeitura. Desse total, R$ 3 milhões são de recursos próprios, um valor 7,5 vezes maior do que os R$ 354 mil gastos em 2019, de acordo com dados do o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM-BA). 

O aumento dos valores vem acompanhado da demanda reprimida do setor por conta da pandemia e das polêmicas envolvendo os gastos das prefeituras com cachês milionários. As festas de São João, no entanto, são tradicionais no interior e movimentam a economia de boa parte dos municípios. 

Em 2019, 348 cidades baianas registraram gastos com festejos juninos, segundo o TCM-BA. O número representa 83% de todos os municípios e o valor total ultrapassa R$ 82 milhões. 

O valor gasto com a festa de Amargosa corresponde a 21% do investimento feito pelo município com o setor de saúde, no ano passado:  R$ 14,1 milhão.  Mas, segundo Carlitos Muñoz, diretor de Cultura e Turismo de Amargosa, além de investimentos  diretos na realização do São João, outras áreas são indiretamente beneficiadas com a festa. O município também recebeu R$ 140 mil do governo estadual, via Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado (Bahiatursa). 

“Para além do São João especificamente, também temos desenvolvido ações paralelas, como melhorias de ruas, iluminação pública, sinalização e cursos de capacitação”, explica Muñoz.

A prefeitura de Amargosa estima  que sejam movimentados mais de R$ 10 milhões no período junino e gerados cerca de 500 empregos na cidade. No cálculo de gastos per capita –  custos totais divididos pelo número de habitantes -, a administração da cidade deve pagar cerca de R$ 79,72 reais por morador.

Jequié

Em Jequié, também serão investidos R$ 4 milhões com recursos próprios para fazer a festa acontecer, segundo a prefeitura local. O número é cinco vezes maior ao valor gasto em 2019, cerca de R$ 578 mil.

A verba destinada para a festa representa 6% do investimento feito em saúde pelo município no ano passado, R$ 60,9 milhões. Para o secretário de Cultura e Turismo da cidade, Domingos Ribeiro, o aumento de cinco vezes no investimento é justificado pelo retorno financeiro que Jequié terá com a realização do São João.

“Nós entendemos que esse investimento é fundamental. Temos uma cidade grande, que exige atrações de peso para que possamos voltar ao São João que tínhamos antes. Quando queremos fazer festa, temos que fazer bem feito e, para isso, temos que investir”. 

São esperadas 50 mil pessoas na cidade entre 23 e 26 de junho, quando acontecem os shows das maiores atrações, como Simone e Simaria e Maiara e Maraísa. 

A gestão municipal informou que segue com edital aberto para captação de patrocínios da iniciativa privada. A secretaria de Turismo do estado, através da Bahiatursa, destinou R$ 80 mil à cidade, valor criticado pelo secretário. “Nós nos inscrevemos para receber R$ 140 mil e só foram destinados R$ 80 mil. Enviamos até um ofício pedindo esclarecimentos”, diz.  O gasto por habitante será de R$ 25,59. 

Recôncavo

Em Santo Antônio de Jesus, no recôncavo baiano, cerca de R$ 5 milhões serão necessários para bancar o evento que acontece entre 22 e 26 de junho. Do valor total, a prefeitura afirma que R$ 3 milhões são de recursos próprios, completados pela iniciativa privada, emendas parlamentares e recursos dos governos estadual e federal.  O aumento é de 38% em relação a 2019, quando a prefeitura investiu R$ 2,1 milhões. 

Pelo cálculo de gastos per capita, é como se a prefeitura gastasse R$ 29,06 reais por cada um dos 103 mil habitantes. A cidade espera receber cerca de 100 mil pessoas, quase o total da população, em cada um dos cinco dias de festa. Como nenhuma verba é destinada sem expectativa de retorno, o município aguarda uma movimentação financeira quatro vezes maior do que o valor inicialmente gasto. O valor investido na festa junina deste ano representa 7% do que foi investido em saúde em todo o ano de 2021 (R$ 41,9 milhões)

“A expectativa é que a gente movimente acima de R$ 20 milhões na economia local. Desde a venda do amendoim, do pequeno produtor rural, até as grandes casas comerciais e hospedagens”, explica Silvia Brito, secretária de Turismo de Santo Antônio de Jesus. A cidade recebeu R$ 100 mil do governo estadual. 

Tiago Lobo, 24, é natural do município, mas atualmente se divide entre a cidade natal e Salvador. O jovem acredita que o investimento é bem destinado, especialmente porque o comércio lucra com a movimentação junina. “Apesar de não ter fundamentos para falar especificamente do valor, eu acredito sim que é um bom investimento, que melhora muito o movimento na cidade. Meu pai é comerciante e as vendas alavancaram nesse período, além disso traz lazer para os moradores”, diz. 

Já Rodrigo Andrade, 25, se mudou para Cruz das Almas para cursar Agronomia e é crítico do tamanho do investimento que a prefeitura destinará para as festas deste ano. Famosa pelas guerras de espadas, a cidade vai desembolsar sozinha R$ 2 milhões, sendo que outros R$ 2,5 milhões são oriundos do Ministério do Turismo, governo do estado, patrocínios e espaços para a exploração de barracas de venda na festa. O valor total chega a R$ 4,5 milhões. 

“Com certeza poderia ser investido em outras coisas mais proveitosas para a população […] O que eu mais reparo é na infraestrutura da cidade, qualquer chuva de dez minutos deixa as ruas praticamente alagadas”, reclama.

O gasto de Cruz das Almas será mais do que o dobro investido no São João antes da pandemia, R$ 845 mil. O valor representa 12% de toda a verba investida em saúde em 2021 na cidade. Lá, o gasto por morador é de R$ 31,45. A prefeitura aguarda 80 mil visitantes por noite.

Em Ibicuí, os recursos destinados serão mais contidos neste ano em comparação com as outras cidades. Segundo a prefeitura, o investimento gira em torno de R$ 1,4 milhões. O que significa que o gasto por habitante é de R$ 86,02. Em comparação com os valores gastos com a saúde, o município é o que deve gastar mais verba entre todos os analisados pela reportagem. Os custos com o São João representam 24% da verba destinada pela prefeitura para o setor em 2021.

Apesar de não ter detalhado a origem do dinheiro, a gestão informou que a maior parte da verba foi disponibilizada pelo governo federal através do Fundo de Participação dos Municípios. Em 2019, foram gastos R$ 448,5 mil.

Em Cachoeira, alguns contratos ainda estão sendo finalizados e, por isso, a prefeitura não informou quanto dinheiro será investido no São João, apenas disse que será entre R$ 1 e R$ 3 milhões. Cerca de 240 mil pessoas devem passar por Cachoeira nos dias de festa e mais de 300 vendedores ambulantes estarão trabalhando diretamente no evento. 

As cidades de Lençóis, Mata de São João, Senhor do Bonfim e Irecê foram procuradas pela reportagem, mas não informaram sobre os investimentos que serão realizados no São João deste ano. 

Todas as prefeituras citadas na reportagem foram questionadas sobre quanto cada atração vai receber pelas apresentações nas respectivas cidades, nenhuma forneceu a informação. O TCM informou que não possui dados em relação aos cachês, porque as prefeituras ainda estão dentro do prazo para declarar esses valores. 

Ministério Público de olho

O imbróglio envolvendo a Festa da Banana, em Teolândia, que custaria mais de R$ 2 milhões ao município que figura na lista de cidades em situação de emergência por conta das chuvas, ganhou as redes sociais. Depois da denúncia do Ministério Público da Bahia, a confusão foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que suspendeu a festa que aconteceria entre os dias 4 e 13 de junho, com a participação de Gusttavo Lima. 

Em nota divulgada no domingo (5), a prefeita Rosa Baitinga (PP) informou que vai acatar a decisão do tribunal. O promotor e coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa da Moralidade Administrativa (Caopam), Frank Ferrari, esclarece que o trabalho de fiscalização do MP deve ser feito a todo momento e em diálogo com os gestores municipais.

“A orientação é que os promotores façam um acompanhamento de modo geral. Não é presumindo que algo está errado, é um momento de alerta e conscientização dos gestores […] Percebendo indícios concretos de ilegalidades, cabem investigações específicas para analisar cada caso”, esclarece o promotor. 

Em relação ao aumento de verba destinada ao São João, Frank Ferrari afirma que pode indicar a necessidade de um olhar mais aprofundado sobre as despesas públicas. “São aumentos consideráveis, mas não podemos concluir só a partir disso que existe algo ilegal. É preciso provocar o gestor para que ele se justifique”, afirma. No entendimento do promotor, faz sentido as cidades gastarem mais após a não realização da festa em dois anos seguidos.

Questionado, o Ministério Público não respondeu se analisa mais cidades que possam ter cometidos irregularidades com contratações este ano e nem se em 2019 municípios foram investigadas pelo mesmo motivo.

Associação de produtores critica aumento expressivo de gastos

A inflação que assola o país atinge os mais diversos setores, entre eles, o da cultura. Até o aumento de combustíveis interfere nos cachês de artistas que cruzam o Brasil, tanto pelo asfalto como pelo céu. Entretanto, para o presidente da Associação Baiana de Produtores de Eventos da Bahia (Abape), Moacyr Villas Boas, a alta de preços não é suficiente para explicar que investimentos cheguem a ser sete vezes maiores do que antes da pandemia. 

“Não é um aumento que se justifique do ponto de vista da inflação. Os custos para se produzir um evento aumentaram, mas não nessa proporção”, afirma. Para Moacyr, os valores altos podem ser explicados pelo represamento, já que os municípios não realizaram grandes festas durante dois anos seguidos. 

“Mesmo que fosse um aumento dobrado de investimentos entre 2019 e 2022, não se justificaria. O que posso imaginar é que existem recursos represados dos últimos dois anos e querem pegar os valores que não foram utilizados e aplicar todos agora”, acrescenta Moacyr. 

Polêmicas envolvendo contratações de artistas continuam

O Ministério Público do Rio Grande do Sul anunciou nesta segunda-feira (6), que vai investigar a contratação de um show da dupla Simone e Simaria marcado para o dia 15 de julho, em Bom Jesus. O show tem cachê de R$ 380 mil e as sertanejas são umas das atrações da Festa da Gila e do Queijo Artesanal Serrano. As entradas custam entre R$ 60 e R$ 250. 

A cidade possui 11,5 mil habitantes e o gasto com a contratação, segundo o portal de transparência da prefeitura, é próximo do que será gasto pela prefeitura da cidade em junho na educação fundamental (R$ 409 mil).

Ainda dentro da polêmica, o site Metrópoles, noticiou que o empresário bolsonarista Luciano Hang, dono das Lojas Havan, usou a Lei Rouanet para investir R$ 800 mil em duas temporadas do musical Bem Sertanejo. O programa foi estrelado pelo cantor Michel Teló e contou com a participação da dupla Zé Neto e Cristiano e Gusttavo Lima, que criticam publicamente a lei de incentivo à cultura.

*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo / Correio 24h

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