Por Karen Couto – Domingo, 6 de novembro de 2022
Ainda faltam quase dois meses para o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), assumir a sua cadeira no Senado Federal, eleito que foi pelo Rio Grande do Sul na eleição do mês passado. Ele, porém, já anunciou que apresentará propostas de mudanças no Poder Judiciário. Uma delas é o fim das decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal, alteração que só pode ser feita por meio de uma emenda à Constituição.
Mourão não é o primeiro a apresentar essa ideia, e dificilmente será o último. Já há, inclusive, uma PEC tramitando no Congresso sobre o tema. Segundo o vice-presidente, “uma decisão que vai impactar toda a nação não pode ser tomada por apenas um ministro” e o STF deve “priorizar as decisões colegiadas”.
Um argumento que, sem dúvidas, desfruta de grande popularidade, especialmente nos tempos atuais, em que o Supremo é mais questionado do que nunca. O problema é que ele não se sustenta.
Conforme levantamento feito pela revista eletrônica Consultor Jurídico, nos últimos cinco anos a Suprema Corte proferiu 202 decisões monocráticas (excluindo despachos). E apenas quatro delas não foram posteriormente chanceladas pelo colegiado. Ou seja, só 2% das decisões tomadas por um ministro acabaram sendo derrubadas pelos colegas.
A ministra Rosa Weber, presidente do STF, foi a campeã de decisões monocráticas no período: 48, todas confirmadas posteriormente. Em seguida, aparece o ministro Ricardo Lewandowski, com 29, e também 100% de aproveitamento. As únicas quatro monocráticas que não foram referendadas pelo colegiado foram de autoria dos ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso (duas de cada).
De acordo com Denis Camargo Passerotti, advogado, professor universitário e doutor pela Universidade de São Paulo, “a análise envolvendo as críticas lançadas sobre as decisões monocráticas proferidas pelo STF não se limitam à aplicação do princípio da colegialidade. Há de se questionar se a crítica que recai sobre as decisões monocráticas proferidas por nossos tribunais, entre eles o Supremo Tribunal Federal, refere-se ao instrumento em si ou ao seu conteúdo”.
Passarotti ressalta que, embora impere o princípio da colegialidade em nossos tribunais, as decisões monocráticas foram legitimamente instituídas no sistema processual. As decisões monocráticas estão previstas no Código de Processo Civil, no seu artigo 932:
“Artigo 932. Incumbe ao relator:
III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV – negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência”.
Em outras palavras, o Código de Processo Civil estabelece as hipóteses nas quais o relator pode decidir monocraticamente. No caso do Supremo, o regimento da corte ainda prevê outra atribuição ao relator:
“Artigo 21. São atribuições do Relator:
IV – submeter ao Plenário ou à Turma, nos processos da competência respectiva, medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa;
V – determinar, em caso de urgência, as medidas do inciso anterior, ad referendum do Plenário ou da Turma”.
Passarotti ressalta que tal sistemática “reduz o tempo de tramitação dos processos nas cortes, atendendo aos princípios da celeridade e da economia processual, como apontam as estatísticas da corte, na medida em que as decisões monocráticas têm superado, em quantidade, as colegiadas”.
Desse modo, segundo Passaroti, “a redução da possibilidade de aplicação das decisões monocráticas implicaria em um verdadeiro retrocesso, podendo citar como exemplo o procedimento adotado para o julgamento dos recursos repetitivos, em que uma decisão colegiada acaba por autorizar que casos semelhantes sejam posteriormente resolvidos por decisão monocrática”.
Plenário Virtual
O constitucionalista Georges Abboud ressalta que a utilização do Plenário Virtual tem colaborado para garantir a celeridade da apreciação das decisões liminares. “Veja bem: as decisões liminares são fundamentais para garantir a celeridade no andamento dos processos. É evidente que os ministros devem seguir as hipóteses previstas em lei e, logo que publicarem a decisão, já remetê-la ao Plenário Virtual.”
Recentemente, as liminares que trataram do piso da enfermagem; da resolução que aumentou o poder do TSE nas eleições; e da suspensão de despejos e desocupações em razão da Covid-19 foram confirmadas em julgamentos eletrônicos.
Implementado em 2015, o Plenário Virtual é um ambiente no site do STF no qual os ministros depositam seus votos. Ocorre que é necessário que o ministro relator remeta o processo para apreciação do colegiado após conceder a liminar, o que nem sempre ocorre.
Liminar que faz aniversário
Conforme destaca Abboud, quando uma liminar não é remetida ao colegiado, há um problema. É o caso daquela que suspendeu o juiz de garantias, proferida pelo ministro Luiz Fux em janeiro de 2020.
“Nesse tipo de caso, um juiz concede uma decisão e a segura, então abre espaço para críticas. Esse, sim, eu vejo que é um caso para críticas.”
Por causa dessa liminar concedida por Fux, a criação e a implementação do juiz de garantias encontra-se suspensa por tempo indeterminado. O tema expôs uma divergência interna, uma vez que a decisão de Fux suspendeu outra, proferida uma semana antes, pelo então presidente da corte, ministro Dias Toffoli. Nessa primeira liminar, a implementação do juiz de garantias ficaria suspensa por apenas seis meses.
Há casos semelhantes a esse, como o da manutenção do auxílio-moradia para membros do Judiciário, que ficou parado por quatro anos. No entanto, segundo Abboud, tratam-se de casos isolados. “A regra é remeter a decisão logo para o Plenário Virtual, como ocorre. Esses casos são pontuais, mas devemos sempre lembrá-los para evitar que ocorram novamente.”
Fonte: Conjur