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Com o podcast “Se Calhar”, o jornalista Paulo Markun traz a história de brasileiros que vivem em Portugal e curiosidades de além-mar

06/05/2021

Por: Marcello Rollemberg

Arte: Simone Gomes

O autor irlandês Bernard Shaw escreveu certa vez que os Estados Unidos e a Inglaterra eram dois países separados pela mesma língua. Em uma paráfrase lusófona, poderia se dizer o mesmo para Brasil e Portugal. Afinal, a velha crença de que falamos o mesmo idioma aquém e além-mar pode-se desfazer em um breve passeio pela Praça do Rossio, em Lisboa, por exemplo. Se estiver vindo de Cascais, pega-se um “comboio” ou um “autocarro”, nunca um trem ou um ônibus. Se a fome apertar, que tal um “prego” (pão com bife) ou “rebuçados” (docinhos)? Definitivamente, tudo isso é “muito giro” – ou “muito legal” em “brasileiro” –, como se fala por lá.  

A Torre de Belém, em Lisboa – Foto: António Francisco Calado -Pixabay

Entendeu aonde se quer chegar? Há semelhanças culturais e sociais intrínsecas entre os dois países – a nossa burocracia que o diga –, mas há deliciosas diferenças que precisam e merecem ser mais bem conhecidas, ainda mais com a leva de brasileiros cada vez olhando com maior interesse para terras lusitanas nestes tempos estranhos e pandêmicos. E um novo canal para isso pode ser o podcast Se Calhar, criado recentemente pelo jornalista brasileiro Paulo Markun e disponibilizado em diversas plataformas, como o Spotify. Formado pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, com passagem pelos principais veículos de imprensa do País e ex-presidente da Fundação Padre Anchieta (responsável pela TV Cultura, onde o jornalista também apresentou o programa de entrevistas Roda Viva), Markun há quase quatro anos cruzou o Mar Oceano e se instalou em Lisboa. É dessa vivência lisboeta – além de outras experiências em Portugal que remontam a finais do século passado – que nasceu o Se Calhar, que reúne entrevistas com brasileiros que também foram para o outro lado do Atlântico, comentários sobre aspectos culturais portugueses e dicas econômicas. Tudo em um formato que é uma novidade, mesmo para um jornalista com cerca de 50 anos de profissão. 

Calçadas com pedras, tradicionais em Portugal – Foto: Rafa Gallegos – flickr

“É um brinquedo novo, que recria o rádio. Ainda estou tateando nele, aprendendo a linguagem. Preferi não enveredar pelo YouTube, como alguns colegas fizeram, até por razões técnicas. Mas estou me divertindo”, afirma Markun a respeito do programa quinzenal que estreou no dia 6 de abril e que já tem os seis episódios da primeira temporada gravados. Cada episódio tem cerca de 20 minutos. “A ideia é abrir espaço para brasileiros que estão vivendo em Portugal, conhecidos ou não. São empreendedores, professores, estudantes. Quero apresentar esse caldo de cultura que une Portugal e Brasil”, conta o jornalista – hoje, há cerca de 150 mil brasileiros morando oficialmente em Portugal, a maior comunidade estrangeira do país. No primeiro programa, por exemplo, ele entrevistou o escritor Lira Neto, autor de uma comemorada e premiada biografia de Getúlio Vargas e que se mudou para a cidade do Porto, no norte de Portugal, para escrever o recém-lançado Arrancados da Terra, sobre os judeus que fugiram da Península Ibérica e, depois de se refugiarem no Nordeste brasileiro e serem também expulsos, fundaram a cidade que viria a ser Nova York. Nos seguintes, há conversas com a atriz Luana Piovani e o músico Yamandu Costa, por exemplo.  

“Além disso, tenho procurado achar curiosidades que possam interessar ao ouvinte, mesmo as mais óbvias. Temos uma visão muito limitada de Portugal e há muitas histórias a serem contadas e com as quais não estamos acostumados. A intenção é criar um vínculo”, conta Markun, que chegou a fazer matérias especiais desde Lisboa para o jornal Folha de S. Paulo mas, devido a outros projetos, teve que deixar a colaboração. Um desses projetos é o lançamento, em setembro, de um livro sobre o então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Luiz Carlos Cancellier, que se suicidou em 2017 após uma prisão até hoje carente de maiores esclarecimentos. “O livro é tanto uma biografia do reitor quanto uma reconstituição das investigações”, diz ele. 

Os rebuçados (doces portugueses) são uma antiga tradição da culinária de Portugal – Foto: Hard Candy – Pixabay

Civilidade e formalidade 

Mas falta explicar uma coisa importante, deixada em aberto propositalmente: por que Se Calhar? “Essa é uma expressão bem portuguesa, que significa uma possibilidade sobre a qual não há garantia de que vá acontecer. Se der, deu. É algo bem diferente do ‘jeitinho brasileiro’”, explica Markun. “E essa é uma das coisas importantes a se levar em consideração quando se vem para Portugal: obedecer determinadas regras socioculturais, como a questão de o português ser literal quando fala e também ser, ao mesmo tempo, conservador e civilizado”, lembra ele. “É uma realidade que empacota civilidade e formalidade, com a qual os brasileiros não estão muito acostumados.” 

Paulo Markun - Foto: Flickr
O jornalista Paulo Markun – Foto: Flickr

Ou, talvez, tenhamos nos desacostumado. “Há um certo receio dos portugueses com os brasileiros por, na visão deles, nós não respeitarmos regras. Não diria que é exatamente um preconceito. Mas viver em Portugal me fez reaprender coisas com a civilidade daqui, como dar ‘bom dia’ às pessoas, coisa que às vezes esquecemos”, confessa ele. E tem toda a razão. E olhar com atenção para o outro lado do mar – ou ouvir um podcast esclarecedor – pode realmente nos ensinar coisas que deixamos passar despercebidas. Porque cumprimentar as pessoas, ser cordial, por exemplo, é essencial em qualquer latitude. Ainda mais em tempos ásperos como os atuais. Informações do site Jornal USP.

A série de podcasts Se Calhar, do jornalista Paulo Markun, está disponível nos principais agregadores de podcast.

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