Deonísio Koch – Domingo, 19 de novembro de 2023
O STF decidiu, em sessão virtual, em 7/11/2023, no RE 704.815, Tema 633, a matéria relacionada à pretensão do contribuinte de aproveitamento do crédito de ICMS decorrente das aquisições de materiais destinadas ao uso e consumo no estabelecimento industrial que exporta seus produtos com imunidade tributária, fixando a seguinte tese: “A imunidade a que se refere o artigo 155, § 2º, X, ‘a’, CF, não alcança, nas operações de exportação, o aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes de aquisições de bens destinados ao ativo fixo e uso e consumo da empresa, que depende de lei complementar para sua efetivação”.
A decisão firmou-se na lei complementar como marco divisório do direito ao crédito, seguindo as orientações de um sistema de compensação constitucionalizado, no entanto, no nosso entender, revogou parte de disposições desta lei, conforme pretendemos demonstrar nestas reflexões, quando incluiu na vedação o crédito relativo ao ativo fixo.
Para melhor contextualizar a matéria e torná-la mais compreensiva, preferimos revisitar toda a normatização a ela pertinente.
Pela regra geral, o contribuinte, ao promover operações ou prestações isentas ou não tributadas pelo ICMS, não poderá se apropriar do crédito relativo às operações ou prestações anteriores, salvo disposições contrárias, nos termos da alínea “b”, do inciso II, do § 2º, do artigo155, da Constituição Federal.
Por esta disposição, a imunidade tributária nas exportações determinaria o estorno do crédito relacionado às operações antecedentes, como por exemplo, as aquisições de matéria-prima para a produção dos produtos industrializados. Contudo, adotando uma política fiscal de estímulo à exportação, o constituinte, utilizando-se da ressalva do dispositivo de vedação do crédito, permitiu que nas operações de exportação, com imunidade tributária, se preservasse o direito ao crédito do montante do imposto cobrado nas operações ou prestações anteriores, regra estabelecida pela alínea “a”, do inciso X, do §2º, do artigo 155, da Constituição.
Este é o ponto nuclear da judicialização que resultou na decisão em foco. Como identificar estas operações e prestações sobre as quais é permitida a manutenção do crédito? Seria somente sobre a matéria-prima, ou também abrangeria as aquisições do altivo imobilizado e material de uso e consumo?
Pelas informações que se pode extrair do material divulgado, o contribuinte requerente pretendia estender este direito às operações de aquisição de material destinado ao uso e consumo no estabelecimento, direito este postergado por legislação complementar até 2033 [1].
Neste aspecto a decisão nos parece irretocável; quando a Constituição assegura o direito ao crédito relativo às operações e prestações anteriores, refere-se ao crédito autorizado pela lei complementar, crédito que deveria ser estornado não houvesse esta autorização expressa de seu aproveitamento. Ora, o estorno somente abrangeria as operações e prestações antecedentes cujo crédito está autorizado pela legislação, mas vedado em razão das operações subsequentes não serem tributadas, e, portanto, não alcançaria as operações de aquisição de material de uso e consumo, em razão da sua vedação expressa em norma complementar. Para ser mais preciso na reflexão, o direito ao crédito autorizado na exportação se restringe ao crédito passível de estorno, caso não houvesse esta autorização constitucional pela manutenção.
O problema é que a tese incluiu o crédito relativo ao ativo permanente, ou ativo fixo, na linguagem da decisão, como desautorizado na exportação, quando na verdade, a LC nº 87/96, prevê o direito a este crédito, ao definir a forma de cálculo proporcional na relação entre operações tributadas ou não tributadas, para efeito da definição do montante do crédito apropriável, considerando as saídas com destino ao exterior (exportação) como tributadas, conforme segue a legislação transcrita.
“Artigo 20. […]
§5o Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser observado:
[…]
III – para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante do crédito a ser apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas e o total das operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos;.”
Por esta norma, o crédito referente ao ativo permanente vinculado às operações de exportação é permitido. Na prática equivale dizer que o crédito relativo ao ativo permanente, calculado pela forma estabelecida, não deve ser estornado em razão das operações de exportação com imunidade. Se por exemplo, um contribuinte operar exclusivamente com produtos para exportação, o crédito relativo à aquisição de ativo permanente é autorizado de forma integral, observando apenas a absorção parcelada em 1/48 (um quarenta e oito avos), isto porque as operações de exportação devem ser consideradas como tributadas para a finalidade do cálculo desta proporção.
A despeito dessa clareza legislativa, a decisão do STF, ao fixar a tese, estendeu a vedação do crédito às operações de aquisição do ativo fixo, gerando um ponto de tensão entre a norma e o julgado, criando mais um foco de insegurança jurídica já tão precarizada em nosso Direito Tributário.
Para agravar a situação, o julgamento extrapolou o objeto da discussão, que se restringia ao crédito relacionado às aquisições de material destinado ao uso e consumo no estabelecimento, regido sob regra diversa daquela que regulamenta o crédito decorrente da aquisição de ativo imobilizado.
Por fim, a prevalecer os termos da decisão, os contribuintes exportadores terão vedado créditos do imposto autorizados expressamente na legislação.
[1] “Artigo 33. Na aplicação do artigo 20 observar-se-á o seguinte:
[…]
I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2033; (Redação dada pela Lei Complementar nº 171, de 2019)”.
Fonte: Conjur