Minha história começa aos 22 dias de janeiro de 1987, data que vim ao mundo, uma criança esperada pelos pais, depois de uma gestação tranquila e sem intercorrências, conforme relatos da minha mãe. Tive desenvolvimento normal da linguagem na idade certa e tudo transcorria tranquilamente, até que aos três anos tive uma febre muito alta que resultou em uma infecção no sangue e por isso o médico da cidade receitou antibióticos fortes – talvez tenha sido esse fato o que ocasionou a minha perda auditiva, nada comprovado pela medicina.
Quando criança, sofria muito com inflamações constantes na garganta, por qualquer gelado queimava em febre e novos antibióticos eram receitados. Já por volta dos cinco ou seis anos, minha avó começou a notar que eu não a ouvia me chamar quando estávamos em cômodos distintos da casa, ou mesmo enquanto brincava e minha mãe percebeu que aumentava muito o volume da tv para assistir desenhos. Por esse motivo, fui ao pediatra, no centro médico municipal da cidade, o qual indicou uma cirurgia para a retirada das amígdalas, pois segundo ele, com a garganta inflamada, a audição ficava comprometida e após a cirurgia tudo ficaria bem.
Filha de professora primária e de pedreiro, (hoje meu pai é agente de saúde), os recursos financeiros sempre foram escassos, por isso a cirurgia seria feita em Salvador pelo SUS, pois na minha cidade os serviços de saúde eram e ainda hoje continuam limitados. Entre idas e vindas, a cirurgia aconteceu quando eu tinha seis anos no Hospital Santa Izabel, e graças a Deus fiquei bem das inflamações da garganta – podia tomar sorvete e chupar geladinho à vontade. Fiquei muito feliz, porém, contrariando as expectativas da família, continuei não ouvindo direito. Minha mãe, então resolveu procurar um otorrino particular em Feira de Santana e comecei um série de exames para investigar e diagnosticar a minha perda auditiva: audiometrias, Bera, entre outros e até hoje a causa é indefinida, o que me leva a crer que pode ter sido por conta de algum antibiótico.
Aos sete anos, foi dado o diagnóstico de perda auditiva, sem indicação de cirurgia e poucas informações sobre o uso de aparelhos. O tratamento foi suspenso e continuei levando minha vida de criança normalmente, estudava em escola pública regular e brincava com as crianças da minha rua, pois minha infância passei no povoado do Bonfim, na zona rural de Ipirá. Assim como relatado no Crônicas da Surdez pela Gabi, também criava as histórias dos desenhos animados na minha cabeça, também gostava muito de ler, comprar livros não era possível, mas como minha mãe era professora sempre tinha muitos livros didáticos e eu lia-os. Acho que isso muito contribuiu pra o desenvolvimento da minha linguagem e para o sucesso no aprendizado escolar.
Na adolescência, comecei a me dar conta da dimensão das dificuldades que viriam pela frente. Como o povoado só oferecia até a 8ª série, teria que ir estudar em Ipirá, isso me tirava da minha zona de conforto, pois a maioria dos meus amigos e colegas de sala já me acompanhavam desde muito tempo e eu me sentia segura com eles pois sempre traduziam as coisas que eu não entendia: músicas, orientações, recados, enfim, me emprestavam os ouvidos!
Fui a única da turma que optei por cursar formação de professor em nível médio na modalidade normal (antigo magistério) no Colégio Cenecista Ipiraense, na época, mais por influência da minha mãe, porque por mim iria para o colégio estadual, fazer o ensino médio regular, pois o medo de ficar sem o suporte dos colegas era terrível. Mas mesmo assim, topei fazer o curso normal, foram dias difíceis no primeiro ano em 2002, tinha que me virar nos trinta para fazer leitura labial ninja nos professores e ainda como vinha do povoado sempre chegava atrasada e não achava lugar na frente, logo percebi que tinha que fazer alguma coisa.
Procurei o diretor da escola, o prof° Reinaldo e relatei minha dificuldade ele me autorizou a colocar minha cadeira na frente todos os dias, então aí ficou exposto para meus colegas e professores que eu era deficiente auditiva, mas logo todos me acolheram e percebi tudo ia depender em grande parte da minha postura: ficar no armário da surdez só iria me prejudicar, então eu teria que saber expor as minhas limitações e encarar os percalços que a surdez nos impõe com coragem.
Como minha relações foram ampliadas, aos 15 anos senti necessidade de buscar um acompanhamento médico e solicitei que minha mãe me levasse ao otorrino novamente, fui em Feira e dessa vez me foi apresentado os aparelhos auditivos, o custo muito alto acabou nos desmotivando, fiquei alguns dias usando o aparelho como um teste oferecido pela empresa, mas resolvi que não iria usá-los, pois a minha expectativa não foi atendida (achava que ia só colocar os AASI e ia ganhar um ouvido novo, como é terrível e limitadora a falta de conhecimento), então segui com minha vida de desafios e lutas, de vez em quando, ao me deparar com situações que ficava evidente a minha dificuldade tinha meus momentos de choro, de deprê, mas nunca perdi aquela vontade de correr atrás dos meus objetivos.
Terminei o ensino médio, fiz o ENEM em 2005 e ganhei uma bolsa no Prouni, como não desejava parar de estudar, resolvi então abraçar essa oportunidade e optei por cursar Letras Vernáculas na UNOPAR, no curso EAD ofertado aqui em minha cidade. Grande desafio, pois as aulas presenciais eram transmitidas em tempo real via satélite, não eram legendadas e muitas vezes o professor colocava o slide e ficava narrando o que impossibilitava o entendimento. Buscava compensar isso com muita leitura e pesquisa sobre os temas, como era bolsista tinha que tirar boas notas, então me esforçava muito. Conclui com êxito a graduação. Fui aprovada em dois concursos públicos para professor, um do município e outro do estado, atualmente, leciono Língua Portuguesa e Redação no ensino fundamental e médio. Ser professor já é desafiador e professora surda oralizada, desafio em dose dupla! Mas isso é assunto para outro post…
O QUE O CRÔNICAS DA SURDEZ TEM A VER COM ISSO TUDO?
Sempre que minhas relações eram ampliadas e eu tinha que sair da minha zona de conforto, tinha que ficar cara a cara com a deficiência auditiva, aí dava aquele momento “deprê”, e ressurgia aquela vontade de achar uma forma de resolver essa dificuldade achar um mecanismo de reabilitação e um belo dia, com o advento das redes sociais (ainda bem) procurando outras pessoas que passassem pelos mesmos desafios (às vezes achava que era a única surda do planeta), achei o blog Crônicas da Surdez, isso em 2012/2013, nessa época já tinha voltado a usar os aparelhos auditivos, ganhei dois pelo SUS, pois tenho perda auditiva neurossensorial em ambos ouvidos de grau severo a profundo.
Confesso que ficaram mais na caixa por um bom tempo do que em minha orelhas. Os relatos no blog da Paula, os livros Crônicas 1 e 2, suas vivências e a dos demais seguidores foram mudando minha forma de encarar a surdez, você se identifica com os relatos, com a superação, com os desafios e as informações e todo os conhecimentos partilhados são responsáveis pelo que eu estou vivendo hoje.
Faço uso do AASI e busquei fazer o implante coclear agora recentemente, o que era quase um sonho impossível pelo alto custo, foi possível pelo SUS, no Hospital Santo Antônio, que parte das OBRAS SOCIAIS IRMÃ DULCE e conta com uma excelente equipe médica.
Tenho uma vida ativa viajo, dirijo, faço exercícios físicos, trabalho, vou a festas… convivo com meu companheiro há nove anos e compartilho aqui a minha história como um incentivo a outras pessoas, que assim como eu, também acredita que “deficiência não é limitação é condição”. Salve, salve a todos vocês que dividem os prazeres e dificuldades dessa jornada da surdez!