Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz) – Segunda, 6 de janeiro de 2025
Um artigo recém-publicado na revista científica Nature Communications alerta para a importância da vigilância dos vírus influenza, causadores da gripe, nas áreas de produção de suínos no Brasil.
Liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Laboratório Central do Estado do Paraná (Lacen/PR) e Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, (Sesa/PR), o estudo detalha oito casos de infecção por vírus influenza variantes, transmitidos de suínos para seres humanos, no Paraná.
Os casos foram detectados entre 2020 e 2023. O Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do IOC, que atua como referência em influenza junto ao Ministério da Saúde e à Organização Mundial da Saúde (OMS), realizou a caracterização genética dos patógenos a partir de amostras coletadas pelo Lacen/PR.
Seguindo o regulamento sanitário internacional, cada achado foi imediatamente comunicado ao Ministério da Saúde e à OMS, com envio de amostras ao Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, que atua como centro colaborador da OMS para influenza nas Américas.
No artigo recém-publicado, os pesquisadores analisam características genéticas dos patógenos e o cenário da vigilância no país, reforçando a necessidade de monitoramento da influenza em seres humanos e suínos.
“Felizmente, essas oito linhagens não tiveram importância epidemiológica em humanos, mas isso pode acontecer no futuro, caso apareça uma variante que possa ser facilmente transmitida entre pessoas. O Brasil é um dos principais produtores de suínos no mundo, o que nos coloca em posição de relevância para esse monitoramento”, afirma a virologista Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do IOC.
Além de IOC, Embrapa, Lacen/PR e Sesa/PR, o artigo tem colaboração da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (SVSA/MS) e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Risco de pandemias
Os vírus influenza de origem animal são alvo de vigilância intensificada devido ao potencial de provocar pandemias, como ocorreu em 2009 com o vírus influenza A H1N1, que foi transmitido inicialmente de suínos para seres humanos.
Nos casos registrados entre 2020 e 2023, a investigação realizada indicou que as linhagens não tinham capacidade significativa de transmissão entre pessoas.
Sete pacientes relataram contato direto ou indireto com porcos e um apontou contato de familiares com os animais. As cepas variantes não foram identificadas em outros casos de gripe.
Anteriormente, apenas um caso de infecção humana por vírus influenza de suínos tinha sido registrado no Brasil, em 2015, na cidade de Castro, no Paraná. O achado também foi realizado pelo Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do IOC. A identificação foi imediatamente comunicada, conforme o regulamento sanitário internacional, e detalhada em artigo científico em 2017.
Os especialistas explicam que os registros refletem a maior vigilância, além da forte suinocultura no Paraná. O estado é o terceiro maior produtor de suínos do Brasil e, por decisão local, conta com o maior número de unidades sentinelas para vigilância de síndromes gripais no país.
As unidades sentinelas são unidades de saúde da rede pública capacitadas para coletar amostras de pacientes com sintomas de gripe com objetivo de mapear os vírus em circulação.
Considerando o risco associado aos vírus influenza de origem animal, os pesquisadores recomendam ampliar o número dessas unidades nas áreas rurais.
“Nós temos um sistema robusto de vigilância da influenza humana, mas precisamos aumentar a quantidade de unidades sentinela para coleta de amostras em áreas com produção de suínos. Também precisamos ampliar e melhorar a vigilância nos animais”, aponta Marilda.
Nos locais onde já existem unidades sentinelas, os especialistas indicam ainda que trabalhadores da suinocultura sejam orientados a procurar atendimento nestes estabelecimentos para favorecer a detecção precoce de variantes virais.
Saúde única
Os casos identificados entre 2020 e 2023 ocorreram em quatro municípios do Paraná: Ibiporã, Irati, Toledo e Santa Helena. Dos oito pacientes, seis apresentaram sintomas leves de gripe. Dois tiveram quadros graves, foram hospitalizados e se recuperaram. Um indivíduo, que apresentava doença anterior grave, faleceu.
Figura publicada no artigo mostra, acima (a), os locais dos casos de transmissão de influenza de suínos para pessoas e, abaixo (b), caracterização genética das variantes virais detectadas. Imagem: Resende e colaboradores, Nature Communications, 2024.
Os pesquisadores ressaltam que a atuação da rede de vigilância da influenza e a parceria entre especialistas da saúde humana e animal foram fundamentais para a identificação das variantes virais.
As amostras dos pacientes foram coletadas em unidades de saúde da rede pública que atuam como sentinelas para a vigilância de síndromes gripais. As primeiras análises foram realizadas pelo Lacen-PR, que identificou infecção por vírus influenza A de um subtipo desconhecido. Seguindo o protocolo da vigilância virológica, as amostras foram encaminhadas ao Laboratório de Referência Nacional do IOC, que realizou a caracterização genética dos patógenos, identificando subtipos de influenza de suínos.
A análise dos genomas virais contou com colaboração da Embrapa, que dispõe de um banco de dados de sequências genéticas de vírus influenza de suínos, estabelecido a partir de pesquisas realizadas desde 2009. “Mesmo durante a pandemia de Covid-19, a vigilância epidemiológica foi sensível para identificar casos de influenza variante. Para mitigar futuras pandemias, é importante ter um olhar de saúde única, considerando os contextos da saúde humana, animal e ambiental”, declara a virologista Paola Resende, pesquisadora do Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do IOC.
“A parceria entre instituições de pesquisa da área humana e animal é essencial para prevenir, controlar e detectar precocemente vírus em suínos com potencial de serem transmitidos para as pessoas”, completa a veterinária Rejane Schaefer, pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves.
Medidas de prevenção
Devido à diferença genética entre os patógenos, a vacina da gripe humana não previne contra a infecção por vírus suínos. Porém, os especialistas sugerem que trabalhadores da suinocultura sejam incluídos entre os grupos prioritários para receber a imunização. “É importante que trabalhadores de suinocultura sejam vacinados para reduzir a transmissão dos vírus humanos para os animais, que vem influenciando fortemente a diversidade genética observada nos patógenos suínos”, pontua Paola.
A vacinação de suínos contra gripe, com imunizante específico para os animais, e práticas adequadas de manejo em granjas também são indicadas para reduzir o risco de infecção, tanto dos bichos quanto das pessoas. Medidas rigorosas de higiene, com desinfecção regular de instalações e equipamentos; controle de qualidade ambiental, como ventilação adequada; quarentena para novos animais e restrição de acesso de pessoas nas granjas de suínos estão entre as ações recomendadas.
“É muito importante garantir o treinamento e conscientização dos trabalhadores sobre a importância de seguir protocolos de biosseguridade, como uso e troca regular de roupas e calçados desinfetados, evitar o contato com suínos na ocorrência de síndrome gripal e, quando isso não for possível, lavar as mãos frequentemente e usar máscara”, orienta Rejane.
Influenza em suínos
Os vírus influenza do tipo A são encontrados em diversas espécies de animais, incluindo mamíferos e aves. De forma geral, os subtipos de influenza A são específicos de cada grupo.
Os porcos são especialmente importantes na dinâmica de transmissão da influenza porque podem ser infectados por vírus influenza A de subtipos suínos, humanos e de aves. Isso facilita os chamados eventos de rearranjo genético, que ocorrem quando um mesmo animal é infectado por cepas diferentes. Nessa situação, os genomas dos patógenos podem ser mesclados, formando uma nova linhagem viral.
O contato próximo entre os seres humanos e os suínos faz com que exista uma via de mão dupla de infecção. Ocasionalmente, algumas cepas suínas conseguem infectar pessoas que têm contato próximo com esses animais, por exemplo, em ambientes de criação, abate ou processamento de suínos.
Desde 2005, a OMS registrou quase 500 casos de infecção humana por vírus influenza A variantes de suínos, sendo 439 de linhagem (H3N2)v, 38 de (H1N2)v, 18 de (H1N1)v. No Brasil, a cepa detectada em 2015 foi caracterizada como influenza A (H1N2)v. Entre 2020 e 2023, foram quatro infecções por influenza A (H1n1)v, duas por (H1N2)v e duas por (H3N2)v. “Três subtipos de influenza A que circulam em suínos foram detectadas em humanos no Brasil. A diversidade genômica dos vírus que podem cruzar a barreira animal-humano reforça a necessidade de melhorar a vigilância em todo o país”, observa Paola.
Artigo: Resende, P.C., Junqueira, D.M., Tochetto, C. et al. Zoonotic transmission of novel Influenza A variant viruses detected in Brazil during 2020 to 2023. Nat Commun 15, 10748 (2024). https://doi.org/10.1038/s41467-024-53815-z
Fonte:Fiocruz / Brasil é o quarto maior produtor de carne suína no mundo. Foto: Agência Brasil