O telefonema

Dhonatas Silva

Por Dhonatas Silva

Seu Chico era um inventor e grande artista de uma cidade situada no interior
da Bahia, chamada Ipirá. Assim como acontece com a maioria dos artistas de
interior, seu trabalho não era valorizado por grande parte da população local e do
poder público, mas todas as pessoas que vinham de outros lugares para visitar
parentes faziam questão de dá uma passada na casa dele para apreciar suas
maravilhas. Alguns turistas já vieram exclusivamente para visitá-lo.

Como eu era seu vizinho, da minha casa admirava sua felicidade ao ver os ônibus

pararem em sua porta. Pra não dizer que seus belíssimos trabalhos nunca foram valorizados pelos
seus conterrâneos, certa vez o Ipirá City, que é um site de notícias da cidade, contou
a história de Seu Chico em um quadro chamado Personalidade da semana. Além de sua história, o site também expôs várias fotos das invenções dele.

Seu nome naverdade é Francisco Duarte, mas ele prefere ser chamado de Duarte, e o motivo é
bem simples, o fato de ter ARTE no sobrenome. Eu vivo tirando sarro dele com isso, pois só o chamo de Seu Chico.

Digamos que eu era sua cobaia preferida para seus experimentos. Sempre
que ele inventava algo novo, vinha correndo me chamar para testar. Ele falava que
eu era jovem e inteligente, e que mesmo ele calculando tudo direitinho, tinha medo
de dar alguma merda, e completava dizendo:


– Antes tu do que eu. Tenho história pra contar, e invenções pra criar.

– E se acabava na risada. Certo dia, ele veio assustado me convidar para testar sua mais nova e mais
incrível invenção. Ele sempre vinha correndo me chamar, constantemente com um
belo sorriso banguela, mas assustado foi à primeira vez.

– Oh moleque sem vergonha, corre aqui que eu inventei um negócio
istaordinári. – Ele falou assim mesmo, acredito que dê para compreender.

– Fala Seu Chico, só de boa? Nunca havia lhe visto assustado. Agora posso
dizer que já vi sua feição de todos os jeitos, e está confirmado, o senhor é feio por
natureza.
– Ah caba safado, anda ligeiro, que essa você vai gostar de ver. – Oh lá ele.
Seu Chico havia colocado um orelhão na frente da casa. Ele me contou que
tinha assistido alguns vídeos no YouTube sobre como voltar no tempo.
– Mas Seu Chico, eu num já lhe falei que sua feiura não tem mais jeito? Não
adianta querer voltar no tempo. No seu caso acho que só se nascer de novo, e
mesmo assim tem que ser de outro pai e outra mãe. Se o senhor é assim, que dirá
eles. – (GARGALHADA)
Seu Chico nem deu bola pra o que eu falei. Também o coitado já estava
calejado, eu pirraçava todo dia. Ele seguiu me contando sobre a invenção, e eu que
era seu maior apoiador, comecei a interrogá-lo.
– O senhor quer me dizer que se eu digitar esse número, eu irei ligar para
mim mesmo quando criança? – Não poderei compartilhar o número por questões de
segurança.
– Isso mermo, seu orêa seca. Porque tu acha que eu tô assustado? Eu liguei
pra mim mesmo, mas quando ouvi minha voz não consegui continuar e desliguei a
ligação. – Falou me olhando com o semblante assustado.
– Rapaz, o senhor se superou. Só de ouvir sua voz já se assustou? Agora se
coloque no meu lugar, que lhe vejo ao vivo e a cores. (GARGALHADA)

Confesso que pela primeira vez não levei sua invenção a sério, mas resolvi
testar. Eu teria que discar o número secreto que continha 50 algarismos, após estes
eu deveria digitar minha data de nascimento, mais a data correspondente à idade
que eu tinha, quando fosse atender a minha ligação para mim mesmo. Acho que
vocês entenderam. E não é que estava chamando?
Atenderam!
– Alô? – Falei quase me cagando de medo.
– Oi, sou eu, você! – Tum Tum Tum.
Desliguei!
– Toma caba safado. Agora acredita em mim? – Dessa vez foi Seu Chico
quem riu de mim.
– Mas todo feio, quer dizer, mas Seu Chico, o senhor é um gênio. Mas como?
Criei coragem para ligar novamente. Já que eu iria ligar para mim mesmo
quando criança, pensei em aproveitar para dar conselhos. Liguei novamente.
Atenderam!
– Alô? – Agora eu já estava mais confiante.
– Oi, sou eu, você. Tá com medo de você mesmo?
– Oi, na verdade a ligação caiu.

Eu, é o seguinte, aproveita minha infância
cara, cuidado pra a bola não cair no quintal de dona Joana, na verdade ela não tem
cachorro, é ela mesmo que corta as bolas com uma faca. Sabe a Bianca? Cara, ela
só tá te usando, ela sabe que meus pais vão me levar pra praia no final do ano e ela
quer ir junto, quem gosta mesmo de mim é a Júlia, fica tranquilo que ela vai ser linda
quando crescer. Valoriza minha mãe e meu pai, pois eu não os terei para sempre.

Esquece essa história de ficar adulto para ser livre, essa é a maior mentira que
existe. E por último, mas não menos importante, não tenha cartão de crédito… –
Tum Tum Tum
– O que houve Seu Chico? Porque a ligação caiu? – Nem deu tempo de falar
sobre as faturas e boletos.
– Ora, ora, tudo na vida tem limites meu garoto. Eu cronometrei e foram 2
minutos de conversa. Farei novos experimentos para ver se é possível ligar
novamente ou aumentar o tempo da ligação.
– Não quero mais ligar para mim. Não poderei mais mudar tudo que já
aconteceu. Essa invenção é uma aberração. – Eu estava furioso.
– Calma orêa seca, você não pode mudar o passado, mas pode fazer
diferente no presente, para no futuro ligar para você mesmo apenas para agradecer
por quem se tornou.


FIM.

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