Operação Escudo revela política de segurança pública ostensiva, invasiva e pouco efetiva

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Sérgio Adorno e Renato Alves concordam que essa não é a melhor política de segurança pública e reconhecem outras alternativas para lidar com um problema que se mostra bastante complexo

Por Raquel Tiemi* – Terça, 12 de setembro de 2023

Radio USP

A Operação Escudo, iniciada após a morte de um policial em Guarujá, teve seu fim anunciado após 40 dias em curso desde 27 de julho. A ação contabilizou ao menos 28 mortes, das quais menos da metade possui suas filmagens para investigações, e cerca de 958 prisões. O cenário permanece como uma questão alarmante para autoridades públicas e acadêmicas, uma vez que a operação representa um retrocesso nas políticas de segurança, especialmente na esfera estadual.

“Acredita-se de uma maneira bastante rasa que a segurança é um problema de repressão, quando é, sobretudo, um problema complexo e não só uma demanda do cidadão comum, mas é uma obrigação do Estado para com a população geral”, nota Sérgio Adorno, professor titular do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH)da USP. 

Consequências 

O efeito de políticas de segurança pública baseadas no policiamento ostensivo e invasivo, como a Operação Escudo, é cercado de um vazio informacional que carece de pesquisas e diagnósticos sobre a situação. Assim, para o professor Sérgio Adorno, o que se nota, a partir de tais operações, é uma possível solução temporária acerca da criminalidade. 

Sérgio Adorno – Foto: NEV/USP

“Esse tipo de intervenção é absolutamente contra a possibilidade de uma política de longo prazo, ou seja, não é uma ação que faz previsões baseadas em estatísticas, observações e expertises pensando em tendências de evolução do crime”, explica o professor. 

Um exemplo sobre a pouca efetividade de ações imediatistas foi percebido no mercado de tráfico de drogas, que está migrando para regiões portuárias por conta das exportações ilegais. Nesse cenário, segundo Adorno, a população das áreas litorâneas e, principalmente, as mais marginalizadas, que não contam com o apoio do Estado, passam a sofrer uma pressão de duas frentes: a criminosa e a policial. Com isso, promove-se um gradativo processo de esvaziamento da área que, consequentemente, favorece o adentramento do crime.

Dessa forma, mesmo que as operações consigam combater, em certo nível, o crime na região, o professor pondera entre os benefícios temporários dessas atividades policiais e seus efeitos colaterais para sociedade. “O efeito sociológico é um efeito que, de alguma maneira, aumenta a sensação de intranquilidade a partir da resposta à violência com mais violência, entrando em um ciclo interminável”, comenta Adorno. Portanto, não há uma relação direta entre a sensação de segurança e os índices de criminalidade, visto que a percepção social nem sempre corresponde aos fatos da realidade. 

Histórico autoritário 

Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, resgata a violência policial histórica, sobretudo, durante o período da ditadura militar, que apresenta reflexos até os dias atuais. Mesmo com os relativos avanços no decorrer de mais de três décadas desde a redemocratização, na visão dos especialistas, o regime autoritário deixou marcas, especialmente, no significado da violência como uma forma de controle social. 

Manifestação estudantil contra a ditadura militar e repressão policial – Foto: Domínio Público/Arquivo Nacional

Apesar do surgimento de novas gerações de policiais e outros métodos de atuação, Adorno ressalta a permanência de uma mentalidade de guerra, em que “o inimigo precisa ser eliminado”. Para isso, há uma permissividade e até legitimação do uso da violência policial em casos específicos. “A história da polícia mostra que sempre foi uma polícia para determinados setores da população, geralmente para os mais pobres nas regiões periféricas, sobretudo os negros, sempre foi uma polícia muito violenta”, afirma Alves. 

Além disso, não apenas a herança ditatorial como a escravagista também influencia diretamente esse fenômeno, tendo em vista que estabeleceu algumas das bases de desigualdade social no Brasil. O pesquisador pontua o reconhecimento do outro como diferente – não participante de uma mesma sociedade – e que, portanto, precisa ser contido com violência, na medida em que é visto como mais perigoso. 

Políticas alternativas 

Renato Alves – Foto: Reprodução/NEV-USP

“Uma construção da política pública passa desde o debate de como e qual autonomia e controle queremos dessa polícia até a participação como cidadão nessa segurança”, afirma Alves. Os especialistas consideram medidas preventivas que venham além do policiamento ostensivo e violento para lidar com o problema de segurança pública, uma vez que o assunto não trata de um lado, a ser defendido, e outro, atacado, mas uma solução que envolve a sociedade como um todo.

Outras políticas que garantem uma maior segurança de “ir e vir” pela cidade são citadas pelo pesquisador, como a iluminação, transporte público de qualidade e moradia digna. Assim, uma sociedade completamente policiada, na visão de Alves, já demonstra um sistema de segurança que fracassou, na medida que existem outras barreiras anteriores para garantir proteção. 

Perspectivas 

Renato Alves reconhece que tais discursos e posicionamentos do atual governo de São Paulo não só foram claramente expressos durante o período das eleições, como proporcionou muitos votos especialmente por essa bandeira política. “O governo estadual não está mostrando que ele quer inovar na área de segurança pública, ele está incentivando uma política reacionária, tradicional e que só tem o efeito de dizer ‘eu sou uma autoridade’”, considera o professor.

Adorno observa o cenário político atual diante do tema de segurança pública de forma muito pessimista, já que se nota um retrocesso de políticas que, anteriormente, apesar de lentas, ainda observavam um avanço em direção a ações mais democráticas de segurança. Além disso, ele observa um descompasso entre o avanço do mundo do crime e as políticas de combate dessa situação.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo


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Fonte: Jornal USP

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