Que sociedade é essa de pós-verdade?

Bahia Brasil cidades colunistas cultura Ipirá Welber Santos

Terça-Feira, 18/07/2023 – 08h50

Por Welber Lima Santos

Os registros historiográficos apontam que o termo pós-verdade apareceu pela primeira vez em 1992. Veio através do dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. À época, ele  analisou o escândalo Waltergate(1972) na gestão do então presidente  republicano norte- americano Richard Nixon.

O caso foi marcado pela invasão à sede do partido democrata(no hotel Watergate). Nixon tentava instalar escutas com propósitos de coletar informações a serem utilizadas na campanha eleitoral daquele mesmo ano. A invasão foi feita por uma equipe ligada diretamente ao presidente Nixon, mas o que chamou a atenção do dramaturgo foi o processo de aceitação ou de indiferença da sociedade norte americana diante do escândalo, que tinha fartas evidências.

Nixon foi reeleito com folga nas eleições meses depois. A sociedade americana parecia estar em estado de letargia ou, simplesmente, entrou-se numa era como se a verdade não tivesse mais tanta relevância.

O conceito de pós-verdade significa um comportamento de sociedade em que, por mais que os fatos se revelem verdadeiros, deixaram de ter relevância diante do que cada indivíduo, isoladamente, acredita.

Décadas depois, o termo se consolida a partir de dois grandes eventos internacionais: a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a saída da Grâ-Bretanha da União Europeia, o BREXIT. Os dois fatos históricos têm em comum serem exitosos devido a uma arquitetura de uma onda de notícias fraudulentas, as chamadas fake news.

As fake news podem ser consideradas como representantes legítimas da pós-verdade, não por ser uma novidade, o que não é, mas por sua forma de viralização e consumo. As fake news atuam no campo das emoções, crenças, fé, ou seja, no campo da subjetividade humana afastando-se de comportamentos racionalizados.

É neste sentido que o cidadão comum é empoderado em excesso retroalimentando a política da autoverdade. Assim, fomenta um contexto de relativismos em que os fenômenos políticos, culturais, sociais, econômicos, educacionais são reduzidos  simplesmente a uma questão de opinião.

Ainda em 2016 o dicionário Oxford elegeu pós-verdade como o termo do ano tendo a seguinte definição: “algo que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência para definir a opinião pública do que o apelo à emoção ou crenças pessoais”. O que explica no cotidiano o fato das emoções terem mais credibilidade do que os fatos objetivos?

Primeiro, a modulação de uma sociedade que passa a ignorar as instituições. Segundo, as produções acadêmicas, científicas, jornalísticas, jurídicas, historiográficas são colocadas na vala do senso comum. Terceiro, através das redes sociais, por exemplo, tem se produzido o perfil de um cidadão especialista em tudo sem estudar nada e reduz a complexidade social. Tudo leva a uma questão de opinião.

Há ainda o fortalecimento da capacidade de aceitação de fake news a partir do mecanismo do viés de confirmação. O cidadão se empodera a tal ponto que ele busca e encontra, agora facilitado pelos algoritmos, notícias e informações que apenas ratificam suas ideias e crenças pessoais.

Vale dizer que negligenciar a verdade é oferecer combustível à ignorância, colocando-a no mesmo pedestal de qualquer outro conhecimento no que pode resultar na fomentação da cultura do ódio, hoje vivenciada no mundo digital.

É neste sentido que a pós-verdade se inscreve de modo global. Hoje, a grande disputa do século XXI, diferente das guerras tradicionais, é a batalha em torno da formação pessoal e coletiva na compreensão e enfrentamento diante de novos ecossistemas de comunicação. O foco agora é a conquista do território da verdade   restabelecendo seu lugar enquanto referência de construção de sociedades éticas e democráticas.

É preciso evitar que esta ambiência de pós-verdade cresça ainda mais e fomente uma espécie de niilismo da própria vida em que, nada mais faz sentido e, portanto, e contraditoriamente, tudo tem o mesmo significado, poder e relevância, menos a verdade.

*Welber Lima Santos é pedagogo e doutorando em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias

Fonte: Bahia Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *